Desmonte atinge, principalmente, camadas mais empobrecidas da população
Em 2023, O SUS (Sistema Único de Saúde) completa 35 anos. Implantado com a Constituição Federal de 1988, tornou-se o maior sistema público de saúde do mundo. Hoje, atende, aproximadamente, 190 milhões de pessoas, sendo que 80% delas dependem exclusivamente da política pública para ter acesso a consultas, exames e tratamentos.
Mas alguns desafios ainda precisam ser enfrentados. Segundo Gilberto Martin, médico, sanitarista, conselheiro da Alumni UEL (Associação de Ex-Alunos da Universidade Estadual de Londrina) e colunista do Portal Verdade, a garantia e ampliação do financiamento são alguns deles.
“Nós perdemos muito espaço financeiro desde que o SUS foi criado, da expectativa de recursos que seriam passados para sustentar o funcionamento do sistema de saúde. Nós temos um sistema de saúde muito bem definido, mas a sua aplicação requer um volume de recursos e o que é disponibilizado para que o sistema funcione não é suficiente para fazer com que ele atinja o grau de organização que foi proposto”, avalia.
Em outubro de 2022, o CNS (Conselho Nacional de Saúde) encaminhou uma carta para a Relatoria da Saúde da Organização das Nações Unidas (ONU) denunciando a retirada de recursos do SUS para 2023. O valor do orçamento do Ministério da Saúde está fixado em R$ 149,9 bilhões, o que representa uma redução de R$ 22,7 bilhões, quando comparado a 2022. As perdas podem chegar a R$ 60 bilhões se considerarmos o teto de gastos, que tem congelado recursos desde 2018.
A falta de investimentos, alerta o especialista, faz com que a atenção primária à saúde, isto é, ações de promoção e prevenção fundamentais para evitar o agravamento dos casos e até mesmo o surgimento de doenças não seja priorizado.
“A gente ainda continua um sistema muito centrado na doença quando precisamos avançar na integralidade das ações de saúde concentrando, principalmente, em prevenção que faria a gente diminuir o número de ocorrências de doenças porque a maioria das doenças que atingem a nossa população poderia ser prevenidas ou até mesmo evitadas com ações de promoção da saúde, mas isso não é valorizado politicamente, tecnicamente, financeiramente”, adverte.
Também de acordo com Martin, outro passo que precisa ser dado é a regionalização, ou seja, a oferta de um fluxo de atendimento completo em todas as localidades. Hoje, procedimentos de alta complexidade tendem a ficar mais concentrados em médias e grandes cidades. O especialista reforça que estes são problemas que existem mesmo antes pandemia de Covid-19.
“Isso se reflete, por exemplo, na dificuldade que as pessoas têm para conseguir uma consulta em determinadas especialidades, para fazer certos exames de complexidade maior, para ter encaminhamento de problemas de saúde de média complexidade que seriam simples de resolver”, diz.
População em defesa do SUS
Martin evidencia a importância do SUS para o enfrentamento da crise sanitária provocada pelo novo coronavírus. Porém, a priorização dos atendimentos à comorbidade gerou consequências como o acúmulo de procedimentos eletivos.
Para ele, a consolidação do SUS depende da resistência às tentativas de privatização cada vez mais recorrentes, visto a crescente terceirização de direitos sociais implementadas por governos de viés neoliberal. Ainda, para o médico o apoio da população da defesa do SUS é crucial, já que com o sucateamento e financeirização as camadas mais vulneráveis são as mais atingidas.
“O primeiro desafio é de consolidar o SUS porque existe muito interesse econômico na tentativa de desmontar e ficar com o recurso financeiro do sistema. E para esse desafio de consolidar o SUS, temos que aumentar cada vez mais a compreensão e adesão da população no apoio e defesa do SUS porque se desmontarem o SUS, quem vai ser mais prejudicado é esta parcela que está de qualquer forma, bem ou mal, sendo atendida pelo sistema de saúde. O desafio da gente conseguir finalmente fortalecer a atenção primária à saúde, organizar a estrutura de atendimento regional para que gente possa ter fluxo de atendimento das pessoas, talvez este seja os principais desafios que a gente tem pela frente”, observa.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.