Se para algumas pessoas afirmar que a vida está corrida é uma expressão para justificar a rotina atribulada, para determinados profissionais as corridas são exatamente parte da função que exercem. Esse é o caso da cliclista Analdilia Abucarube Silva, que atua com entregas de alimentos e também itens de farmácia pelo plataforma do iFood.
Em média, a biker percorre 50 quilômetros por dia de trabalho e se esforça para realizar as entregas com excelência. “Eu me empenho para manter o meu score no nível máximo que é o três e tenho mais de 400 avaliações que me certificam.” Contente também com a remuneração alcançada, alegra-se pelas gratificações. “Recebo muitas gorjetas e alguns clientes se surpreendem quando faço a entrega sobre duas rodas.”
De capacete, tênis adequado, protetor solar e roupas que também protegem contra os raios-ultravioletas, a pausa sobre a magrela se dá uma vez por semana. É quando a entregadora se transforma em fiscal de provas em um colégio. Por três horas, ela não pedala, não fica de olho nos pedidos e nos destinos e deixa de lado o estado de alerta sobre carros, esquinas e as tantas vias íngremes que transpõe quando é a ciclista das entregas. “Ser fiscal é uma renda extra e que na soma do mês é importante em meu orçamento”.
Contente, Silva é autônoma na plataforma de entregas e free-lancer como fiscal de provas. Ela trabalha desde os 16 anos de idade e, como muitos brasileiros, ocupa grande parte de sua rotina com atividades remuneradas para honrar as despesas da família. Balconista de padaria, auxiliar administrativa e atendente de call center, a londrinense também já trabalhou na captação de clientes interessados em vender cabelos, em frigorífico, estar em um ambiente ao ao livre era um anseio.
“Eu sempre pratiquei atividade física, participei de corridas de rua e tinha esse desejo de sair de um escritório. As entregas exigem muito condicionamento, respeito às regras de trânsito e às do aplicativo, mas eu me encontrei”.
Não por acaso, a profissional reduziu 17 quilos e se sente realizada. “Durmo a noite toda e acordo com vontade de trabalhar”.
Em média, são cerca de 40 horas semanais realizando entregas. “O aplicativo oferece seguro social, plano de saúde, vantagens como descontos em farmácias e um dia de cuidados para eu fazer pés, mãos, cabelos. Eu entendo que o governo quer que exista o vínculo empregatício e não sei ao certo o que irá acontecer se as mudanças foram aplicadas”.
Três trabalhos diferentes
Lucas Ricardo Silva trabalha fazendo cálculos trabalhistas há 26 anos. Há um ano e meio, somou outras duas atividades paralelas: montou uma loja física de discos de vinil, a Malucas Discos, e um selo de distribuição, o Vermelho Discos. “Antes eu trabalhava 40 horas semanais no escritório e eventualmente participava de feiras onde vendia os vinis. Notei que precisava de um respiro e fizemos a rescisão do contrato de trabalho onde sou registrado e passei a trabalhar quatro horas por dia, sendo 20 semanais”, explica.
A mudança na jornada no escritório de contabilidade foi um salto e tanto para o trabalhador que, com as horas livres, passou a trabalhar mais – só que dedicando-se a áreas diversas. “Na loja eu optei por MEI – Micro Empresário Individual e no selo de distribuição e venda de discos eu tenho um sócio, o jornalista Felipe Quintiliano e confesso que estou feliz nessa fase.”
“Claro Crocodilo” foi o primeiro trabalho da dupla à frente do Vermelho Discos, um relançamento da obra de Arrigo Barnabé da década de 80. “E o próximo será Bad Bad Blues, de Matheus Mendes”, comemora. “Eu venho para a loja de discos somente no período da tarde e quando surge um intervalo nos atendimentos consigo fazer um freelance de algum amigo, como os advogados, que me pedem para fazer cálculos trabalhistas”, dispara.
Mais de um emprego com registro é prática legal
É perfeitamente possível manter dois empregos com registro em carteira de trabalho, uma vez que a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, não veda a existência de mais de um contrato de trabalho concomitante, assim como a Justiça do Trabalho entende ser licito ao empregado trabalhar para mais de um empregador, desde que os horários de trabalho não coincidam. É o que explica o advogado especializado em Direito do Trabalho e Previdenciário, integrante da S. Queiroz Advogados Associados, Rodrigo Silveira Queiroz.
O advogado observa que desde que seja respeitada a jornada contratada, não há impedimento para que o empregado exerça outras atividades. “Seja como empregado registrado em outra empresa em horários distintos não conflitantes, ou ainda como trabalhador autônomo, a exemplo de motorista de aplicativos, e até mesmo como empregado-PJ, situação cada dia mais comum no panorama da nossa economia, onde as pessoas têm buscado atividades paralelas para melhoria da sua renda”.
Acerca de possíveis incompatibilidades, o especialista alerta: “Embora a legislação trabalhista não proíba a coexistência de múltiplas atividades de trabalho, o entendimento é válido desde que as jornadas não sejam conflitantes e desde que o empregado não tenha sido contratado com cláusula de exclusividade, cuja restrição, embora não decorra da lei, pode ser pactuada no processo de contratação entre empregado e empregador”.
Outro aspecto relevante diz respeito às atividades dos empregadores serem concorrentes. “Em especial no mesmo segmento, pois mesmo que indiretamente, o empregado pode levar estratégias e métodos de trabalho de uma empresa para a outra, o que caracterizaria prática antiética e concorrência desleal”, explica.
Não pode haver sobrecarga
Além disso, o empregado deve observar algumas regras básicas para não incorrer em descumprimento ao contrato de trabalho, em especial quanto aos horários, que devem respeitar os limites estabelecidos para não haver excesso e incompatibilidade de jornada. Nesse ponto é importante que não haja sobrecarga em uma atividade que possa comprometer a outra, refletindo na queda de produtividade e na ineficiência do empregado, levando-o ainda a atrasos, faltas injustificadas, desleixo na execução dos serviços, ou mesmo que possam comprometer garantias mínimas previstas na legislação trabalhista que visam assegurar a saúde, segurança e higiene do trabalhador.
Segundo Queiroz, um aspecto dos mais importantes no caso de empregado que mantém mais de um vínculo empregatício é o risco das doenças ocupacionais/profissionais equiparadas a acidente de trabalho. “Nas empresas em que o empregado realiza atividades sujeitas a riscos ocupacionais e também exerça atividades concomitantes que envolvam riscos similares no seu outro empregador, caso ele venha a sofrer de doença de origem ocupacional, a responsabilização poderá ser atribuída a ambos os empregadores, especialmente quando não for possível estabelecer o nexo causal entre o trabalho e a doença de forma individualizada e específica”, detalha.
O advogado lembra ainda que no caso de trabalhador com dois ou mais vínculos de emprego, o empregado não terá direito a duas aposentadorias pelo Regime Geral da Previdência Social. No máximo é assegurada a somatória das contribuições mensais para fins de cálculo do beneficio previdenciário, limitado ao teto máximo da Previdência Social”, enfatiza.
Fonte: Folha de Londrina