Em 1996, o Deep Blue, super-computador da IBM, desafiou o campeão mundial de xadrez Garry Kasparov a uma partida de xadrez. Kasparov venceu por 4 a 2. Jogo encerrado, o russo profetizou: “Esta foi a última vez que um humano derrotou um computador deste tipo”. Ano seguinte, o computador o desafiou novamente e ele perdeu, assim como nunca mais, nestes quase quarenta anos, alguém conseguiu derrotar a máquina da IBM.
O computador, quando foi criado em 1943, era eletrônico e programável por seres humanos. Dez anos depois, estas máquinas, começaram a ter a capacidade de compreender, aprender e tomar decisões independentes. Assim, uma nova era se abriu: a era em que o computador cria sistemas que se aproximam do comportamento humano inteligente sem necessariamente realizar tarefas com base a comandos previamente definidos. Esse tipo de máquina se chama Inteligência Artificial (IA).
E, em 2010, os humanos iniciaram um processo chamado Deep Learning ou aprendizado profundo. Através dele, criaram nos computadores redes neurais artificiais com capacidade de reconhecerem imagem, voz, fazerem diagnósticos médicos por imagens e outros meios, tradução automática, resumo automático de textos, comporem poesia, músicas, crônicas, livros, sugerirem filmes com base no histórico do usuário, dirigirem carros, navegarem navios e aviões, participarem de jogos humanos e até fazerem cirurgias. Estas redes neurais constroem novos computadores mais avançados. É máquina fazendo máquina, uma verdadeira reprodução.
Nossas diferenças com as máquinas
Se, em uma das áreas de minha atuação médica, a Hepatologia, eu quiser ler todos os artigos que saem em um único dia, precisaria ler por 167 horas sem parar (e o dia só tem 24). Minha capacidade de memorização sobre o que li, daqui a alguns meses, não iria além de 50%. Pois bem, uma IA leria estas 167 horas em menos de 30 minutos e sua capacidade de memorização é de 100% tanto daqui a alguns meses quanto daqui a 100 anos!
Recentemente, fez-se as mesmas 600 perguntas sobre saúde humana a médicos e a uma Inteligência Artificial. O resultado surpreendente: das melhores respostas 78% vieram das máquinas e apenas 22% atribuíram-se aos médicos.
As máquinas identificam melhor do que nós médicos as lesões de pele, doenças oculares, raio-x, tomografias, ressonâncias, lesões como metástases; fazem muito melhor a integração, análise e interpretação de doenças e seus prognósticos, agendamentos, controles de estoques e pagamentos, redação de relatórios, laudos, artigos, monitoramento de glicemia, pressão arterial e tudo o mais, com muito menos subjetividade.
Uma estonteante diferença!
Nossas identidades com elas
Ao conseguir identificar doenças com maior rapidez e precisão, analisar grandes conjunto de dados, históricos de pacientes com mais riqueza de detalhes e, por isso, fornecer recomendações mais personalizadas, detectando padrões sutis, que a nós médicos podem escapar, nos auxiliará a tomar decisões mais acertadas.
Além disso, a IA pode acelerar a pesquisa biomédica ajudando a analisar imensos volumes de dados genéticos, moleculares e clínicos, o que pode levar a descobertas importantes sobre novos medicamentos e tratamentos. Na Educação Médica, o treinamento de estudantes de medicina pode fornecer simulações interativas e cenários de casos clínicos para aprimorar as habilidades de diagnóstico e tratamento.
Uma estonteante identidade!
Dilemas
Porém, é preciso compreender que a inteiração eficaz da IA e a Medicina traz dilemas éticos, legais e de privacidade que precisam ser abordados adequadamente. A IA não substituirá o saber médico, mas ampliará suas capacidades profissionais, permitindo uma assistência mais eficaz e precisa à nossa única razão de ser, o paciente.
Com um palito de fósforo você pode explodir um prédio ou, simplesmente, aquecer seu café da manhã.
A Inteligência Artificial é uma ferramenta poderosa e aí está. Com seus riscos e benefícios. Saber utilizá-la de forma adequada é o desafio.
Texto: Luiz Eduardo Cheida, médico gastroenterologista em Londrina