Márcia Morosini destaca que, desde 2017, Brasil registra queda no número de trabalhadoras e trabalhadores da área
Nesta semana, o Brasil celebrou a efeméride em homenagem a trabalhadoras e trabalhadores que estão na porta de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS) e sustentam alguns dos pilares da rede de atendimento. O Dia Nacional do Agente Comunitário de Saúde (ACS), 4 de outubro, faz referência à profissão essencial para garantir que o SUS seja para todas e todos, supere os obstáculos da desigualdade e preste atendimento integral, com prevenção, tratamento e reabilitação.
No modelo de saúde da família – implementado no Brasil com altos e baixos a partir da oficialização do SUS no início da década de 1990 –, agentes comunitários realizam um trabalho que aproxima a assistência da população. Além disso, a atuação na base promove articulação e gera informações contextualizadas.
Essa presença nos territórios, em alguns casos, é a única garantia de acesso à saúde para a população local. O diagnóstico das equipes de agentes comunitários vai além da saúde física, tem possibilidade de abranger aspectos sociais, culturais, demográfico e mobilizar comunidades para participação nas políticas públicas.
Márcia Valéria Morosini, professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz) afirma, em entrevista ao podcast Repórter SUS, que o trabalho dessas equipes leva visibilidade a questões que poderiam passar despercebidas pelo poder público e pela sociedade. Ouça no tocador acima.
“São elas que ajudam a compreender como a saúde e a doença se desenvolvem nos territórios, como a vida das pessoas que moram ali, que se relacionam, que que crescem, que brincam, que trabalham nesses territórios, se faz no dia a dia. São pessoas de referência que seguem visitando regularmente as casas das pessoas, conversando sobre os mais diversos problemas e situações que acometem a vida dessas pessoas. Elas têm o potencial, por exemplo, de identificar situações que poderiam passar invisíveis aos serviços de saúde caso agentes não estivessem ali presentes cotidianamente”, considera.
Essa conexão tão direta com as bases essenciais do SUS também faz com que a prática da profissão esbarre nos mesmos problemas estruturais do Sistema: falta de financiamento, dificuldades de formação, baixos salários, condições inadequadas de trabalho e precarização.
A profissão nasceu antes do Sistema Único de Saúde e já existia em iniciativas regionais ligadas à sociedade civil, mas só veio a se nacionalizar junto com a política pública. Mesmo com a trajetória de décadas, somente em janeiro passado a carreira foi considerada como parte da lista de profissões da saúde, por meio da lei 14.536.
Morosini ressalta que esses trabalhadores e trabalhadoras vivem cotidianamente os impactos da falta de reconhecimento e valorização. Ela lembra que, ao longo da pandemia de covid-19, essa realidade causou consequências práticas de alto risco, como a falta de acesso a equipamentos de segurança, que levou a maior exposição ao coronavírus.
Ela pontua ainda a importância de investimento em formação técnica e crítica, “esperamos que a formação das agentes seja pautada criticamente, que promova a integração entre as dimensões técnicas e científicas do conhecimento que fundamenta a saúde e o trabalho em saúde. Esperamos que essa formação promova a formação cultural, ética humana, enfim, uma formação unilateral dessas trabalhadoras”.
Ainda de acordo com a pesquisadora, o Ministério da Saúde tem sinalizado para a recuperação de compromissos políticos direcionados à reconstrução do SUS. “Temos que lembrar que desde 2017, com a publicação da última versão da Política Nacional de Atenção Básica (Penab 2017), temos presenciado um processo de reestruturação da atenção básica, que, entre outras mudanças, indefiniu o número mínimo de ACS por equipe de saúde da família e previu ainda a existência de equipes sem ACS. Não é a toa que, em pesquisas recentes, temos identificado municípios com redução do número de agentes por equipe.”
A partir de 2012, o Brasil conseguiu chegar a um patamar de cobertura com agentes comunitários superior a 65%. Nos anos seguintes, os índices ficaram em patamares semelhantes. A partir de 2017, no entanto, voltaram a cair. Em 2020, primeiro ano da pandemia a cobertura caiu para pouco mais de 60%.
Fonte: Brasil de Fato