No Paraná, os principais problemas apontados pelos educadores são a defasagem salarial e a falta de concurso público
No último domingo (15), mais de 2,5 milhões de educadores – dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) – comemoraram o Dia dos Professores. A lei que oficializa o dia 15 de outubro como feriado nacional dedicado aos docentes foi instituída em 1963, por meio do decreto federal nº 52.682. A data é usada como um dia de reflexão e luta por melhores condições de trabalho e melhorias na educação.
Algumas dessas reivindicações persistem há décadas, como reajustes salariais adequados para a categoria. No entanto, também surgiram novos problemas que acompanham o advento das tecnologias, como a imposição do uso de plataformas digitais que retiram a autonomia em sala de aula.
O feriado de 15 de outubro remete à data em que Dom Pedro I criou, via decreto imperial, o ensino elementar no país, em 1827. Cento e vinte anos depois, o educador Salomão Becker, em meio a uma reunião com outros docentes, sugeriu essa data para servir como um dia de descanso e também como um marco para discussões sobre a educação. Salomão Becker, importante pensador da área, afirmou nesta reunião que “professor é profissão; educador é missão”.
Como trabalhadores, uma das grandes demandas apresentadas é referente ao cuidado com a saúde mental. Apenas 30% dos professores consideram sua saúde mental boa ou ótima, como mostrou a pesquisa de 2022 realizada pela associação Nova Escola.
Segundo o professor de matemática Cleiton Marinho, um dos maiores desafios enfrentados pelos profissionais da educação é a intromissão de parte da população – em sua maioria sem formação na área – na atuação dos professores em sala de aula. Já o professor de sociologia, Rogério Nunes, aponta também a falta de condições de trabalho como a redução no tempo que o professor tem para preparar a aula, conhecido como “hora atividade” e a superlotação das salas de aula.
Do giz ao celular
Muitas mudanças ocorreram ao longo dos anos que impactaram a forma como os professores atuam dentro das escolas. A educadora Sueli Aparecida, que trabalha há 35 anos na alfabetização e no ensino de história, conta um pouco sobre como era a educação há alguns anos.
“Quando me formei nos anos 80, era a época do giz, da cartilha, dos livros didáticos, das máquinas de datilografar, com o cheirinho de álcool. Na década de 90, a onda de incentivo à educação foi muito forte, com LDP (Livro Didático de Português), metas de alfabetização e o início de pedagogias afetivas. Já no Paraná, o governo Lerner endureceu um desses incentivos, com poucos concursos para professores. Os avanços na educação paranaense só vieram a partir de 2000, durante o governo Requião, com a aquisição de novos recursos e a criação de livros didáticos escritos pelos professores do estado”.
Apesar do grande interesse pela educação nas últimas décadas do século XX e na primeira década do século XXI, a professora Sueli denuncia que, desde 2010, houve retrocessos na educação paranaense e desvalorização dos professores: “Nos últimos anos, tivemos um desvirtuamento no papel da escola e dos educadores. Em 2015, por exemplo, a polícia militar avançou com a cavalaria contra professores que estavam se manifestando em Curitiba, em resposta à proposta do governo Beto Richa de mexer no fundo previdenciário dos professores. Essa política de cortes continuou na gestão do Ratinho Junior. Desde então, não houve mais concursos, a terceirização dentro das escolas se ampliou, e houve incentivo à implementação das escolas cívico-militares.”
O papel do educador nos níveis fundamental e médio
A pandemia de Covid-19 também afetou o calendário de 99,3% das escolas no Brasil, segundo pesquisa publicada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira em julho de 2021. Muitas dessas escolas, especialmente as públicas, foram forçadas a adotar o ensino remoto sem estrutura e preparo para isso.
De acordo com dados do IBGE, divulgados no relatório “Síntese de Indicadores Sociais: Uma análise das condições de vida da população brasileira 2021,” somente 48% dos jovens entre 15 e 17 anos matriculados na rede pública tinham acesso à internet durante a pandemia, enquanto, entre os alunos de instituições particulares, esse número chegava a 90%, o que evidencia a desigualdade entre as duas realidades.
O professor de matemática Cleiton Marinho, mencionado no início da reportagem, leciona no Colégio da Polícia Militar de Londrina para os alunos do 6º ano do fundamental e 2º ano do ensino médio e explica o impacto que ainda se sente dentro de sala de aula para os estudantes que passaram pela pandemia: “Neste momento pós-pandêmico, é necessário preencher as lacunas de aprendizado. No ensino fundamental, pelo menos na área de matemática, o ensino é progressivo, ou seja, o aluno do 9º ano precisa ter assimilado bem o conteúdo do 8º ano para entender o conteúdo do 9º ano. O aluno do 8º depende do conteúdo do 7º ano, e assim por diante. Por isso, é preciso ir com mais calma, para que o estudante aprenda o que está sendo passado.”
A crescente plataformização do ensino
Apesar das dificuldades vivenciadas durante o período de aulas remotas, a pandemia acelerou o processo de implementação de plataformas digitais dentro das escolas, ação que recebe apoio de muitos políticos e parte da sociedade civil, mas é criticada por profissionais do ensino, uma vez que é feita de forma desordenada e não atende às necessidades dos mais vulneráveis, além de retirar a autonomia dos professores sobre o conteúdo que será passado para os estudantes.
“A plataforma é uma tecnologia controlada por uma empresa privada que retira o que chamamos de autonomia docente,” como conta o professor de sociologia Rogério Nunes, que atende o ensino médio da rede pública estadual paranaense.
“Um estudante do ensino médio lida, no mínimo, com 8 ou 9 plataformas ao mesmo tempo. O que vale nessa plataforma é o acesso: ela mede o tempo que o aluno passa dentro da plataforma, e isso é interpretado como aprendizado. Ela não considera se o estudante entende aquilo que viu. Os professores são cobrados com base nas metas de acesso à plataforma”, acrescenta.
No dia 30 de agosto deste ano, os professores do Paraná, em protesto, lecionaram sem o uso de plataformas digitais. O ato também marcou os 35 anos da repressão violenta da Polícia Militar contra os professores, durante o governo Álvaro Dias.
No entanto, o educador, Cleiton Marinho, ressalta que os professores não são contra o uso da tecnologia em sala de aula. “A tecnologia deve ser vista como uma aliada, não como uma obrigatoriedade. O que torna as plataformas ruins é a forma como são implementadas e cobradas dos professores. Se trabalharmos isso com a liberdade do professor em escolher o que seria bom ou não para os estudantes, dentro do contexto daquela turma em específico, poderia ser interessante”.
Os prejuízos causados pelo Novo Ensino Médio
Outro projeto polêmico é o Novo Ensino Médio, instituído pela lei federal n°13.415 de 2017, durante o governo Temer. O docente, Rogério Nunes, explica os problemas que envolvem essa nova política.
“A reforma do ensino médio vai na contramão dessa perspectiva de entender a educação como um direito dos jovens e adolescentes, uma vez que o acesso à aprendizagem nas áreas de humanidades foi restrito devido ao corte em sua carga horária. A ideia de índices gerou um esvaziamento no ensino. Em Londrina, por exemplo, quase não há turmas noturnas nos colégios”, indica.
“Além do impacto direto no conteúdo, o professor também aponta que o novo ensino médio interferiu na qualidade do trabalho do professor dentro de sala de aula: “Com a diminuição na carga horária na disciplina de sociologia, o professor precisa atender mais turmas para cumprir a mesma quantidade de horas de aula que fazia antes da reforma. Antes de 2021, quando a mudança na matriz escolar foi feita, eu atendia 13 turmas. Depois da implementação do Novo Ensino Médio, cheguei a atender 28 turmas, ou seja, quase 900 alunos”, complementa.
Na formação de novos profissionais: Os professores universitários
No Brasil, existem mais de 300 mil professores universitários. Só na UEL (Universidade Estadual de Londrina), são mais de 1.600 profissionais que, além de darem aula, também participam de mais de 1.800 projetos, incluindo pesquisa, extensão e ensino. Para o professor Fábio Silveira, docente no departamento de jornalismo da UEL, o professor universitário é “o membro mais velho da corporação que ensina o ofício aos mais jovens.”
No entanto, a própria UEL apresenta uma grande carência de professores concursados. Alguns departamentos, como o de Jornalismo ou de o Saúde Coletiva, têm mais da metade de seu quadro formado por professores em regime temporário. Nesse tipo de contrato, chamado de PSS (Processo Seletivo Simplificado), os professores possuem remuneração menor, e o tempo máximo de vigência do contrato é de dois anos. Depois desse período, eles precisam realizar um novo concurso.
O professor Fábio, docente há 20 anos, metade sendo na UEL, sempre em regime temporário, fala do problema que isso gera no exercício do educador. “A falta de concursos é uma forma de precarizar a atuação do professor. Além da falta de estabilidade, que é prejudicial tanto para o professor quanto para o aluno. A qualquer momento, o professor está lá, dando aula, e pode ser demitido. Ou se ele estiver em um projeto de pesquisa com alunos do 2º ano, quando o aluno estiver terminando o curso, o professor pode nem estar mais na instituição.”
Outro ponto levantado pelo docente é a onda de perseguição que as instituições de ensino superior sofreram recentemente. Em 2021, o então governo Bolsonaro abriu processos de investigação contra professores que promoveram mensagens contrárias ao presidente em eventos online. “As universidades sempre sofreram ataques no sentido de desinvestimento, falta de equipamentos adequados. Desde o governo Temer, acentuado no governo Bolsonaro, vimos um patrulhamento no trabalho dos professores. No entanto, essa perseguição não foi vista com professores alinhados com o bolsonarismo e com a extrema direita.”
Em junho deste ano, foi deflagrada uma greve, iniciada na UEL, mas que ganhou adesão dos professores das outras universidades estaduais do Paraná. Os docentes reivindicam reposição de 42% nos salários, que não tem atualização desde 2016.
A atuação dos sindicatos
O presidente da APP Sindicato (Sindicato dos Professores e Funcionários de Escola do Paraná) – Núcleo de Londrina, professor Márcio André Ribeiro, afirma que o coletivo vem tomando várias medidas para resolver os problemas dos professores da rede estadual de ensino, apesar da intransigência do governo.
“Estamos promovendo denúncias no Ministério Público quando vimos exagero. Estamos tentando diálogo com a Secretária de Educação do Estado do Paraná, mas não vem surtindo muito efeito. Eles tem um projeto muito objetivo e estão implementando com afinco. Não tem muita abertura para diálogo”, diz.
O professor Márcio lembra, ainda que as mesmas medidas que estão sendo tomadas no Paraná, como a plataformização do ensino, foram tentadas no estado de São Paulo, porém a pressão da mídia e da opinião pública impediu um avanço maior.
“Tudo que aconteceu em São Paulo, vem acontecendo a mais tempo aqui no Paraná. Procuramos o Judiciário, diálogo com a assembleia e com o governo. Mas nada resolve. O secretário de educação Renato Feder saiu daqui e tentou implementar as mesmas medidas em São Paulo, mas lá a imprensa fez cobertura”, adverte.
Já o Sindiprol/Aduel, segundo a professora do departamento de Saúde Coletiva e 1ª secretária do Sindicato, Fernanda de Freitas Mendonça, iniciou em março de 2023, a campanha pela recomposição salarial dos professores universitários e organizou a greve dos docentes que perdurou por mais de 30 dias, entre maio e junho últimos. Ainda de acordo com a docente, “diante da conjuntura pouco favorável, à luta pela recomposição salarial passou a focar na aprovação de um novo plano de carreira”.
O governo estadual afirma possuir uma contraproposta para mudança no plano de carreira docente, porém, não foi oficializado até o momento. “Desde junho até agora, as seções sindicais do Andes [Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior] do Paraná estão voltadas para isso”, pontua.
Já ocorreram diversas reuniões com o secretário de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Aldo Bona, com representantes da Casa Civil, o líder do governo na Alep (Assembleia Legislativa do Paraná), deputado Hussein Bakri (PSD), além de outros deputados da base aliada e da oposição para aprovação do plano. Foi proposto também uma paralisação de um dia e são organizadas assembleias para manter a base informada.
Sobre a falta de concurso, a professora Fernanda de Freitas disse que, tanto a administração da UEL, quanto o governo justificam a ausência de contratação com base na LGU. A Lei Geral das Universidade foi proposta pelo governo do Paraná em 2019 e aprovada em 2021. Agentes da educação superior criticam a lei, afirmando que ela limita a quantidade de professores por número de alunos em sala de aula, além de diminuir o orçamento das universidades públicas do Paraná.
“Há atualmente um ação direta de inconstitucionalidade contra a LGU, contudo, o processo ainda está em andamento. Estamos tentando mudar esse cenário, pela via legal, por meio da ação, mas sabemos que para além disso a classe precisa se unir e se mobilizar no sentido de derrubar essa lei que a cada ano só precariza o nosso trabalho”, adverte.
O que é ser um educador?
Para o professor de matemática Cleiton Marinho, ser professor é “estimular o aluno a desenvolver suas potencialidades. O magistério não é uma vocação, porque, nesse caso, não teria nada para melhorar, e o professor precisa estar sempre em formação.”
Para o professor de jornalismo Fábio Silveira, ser professor é “pensar na formação das novas gerações. A minha geração está deixando para a próxima geração pior do que recebemos. É função do educador melhorar o mundo através da ação e do ensino.”
Para o professor de sociologia Rogério Nunes, ser professor “não é fácil, mas é extremamente necessário. Como um processo artesanal, onde a gente coloca um pouco do conhecimento científico, de socialização, de relações humanas, de convívio em grupo, de reflexão para pessoas serem formadas com convívio do diferente.”
Para a professor de história, Sueli Aparecida, ser professor é “despertador de mentes, curiosidades e paixões pela vida. Quando eu comecei como educadora, eu queria mudar o mundo.”
*Matéria do estagiário Lucas Worobel sob supervisão.