Situação ocorreu na terça, 24, durante lançamento de capacitação antirracista para servidores, uma parceria da UEL com o município
A Articulação dos Estudantes Indígenas da Universidade Estadual de Londrina (ARTEIN) divulgou nesta quarta-feira (25) nota de repúdio e indignação sobre o que classifica como invisibilização de estudantes indígenas durante evento na UEL. A situação ocorreu durante o encontro “Tecendo diálogos para práticas antirracistas”, que marcou o início de uma capacitação para servidores municipais – parceria da gestão de Promoção da Igualdade Racial do município com a universidade.
Conforme relatado na nota, a estudante Ana Lúcia Yvoty-Guarani, do curso de psicologia, foi convidada a compor a mesa do evento, mas não teve espaço de fala. Quando todos e todas que estavam à mesa já haviam se pronunciado, incluindo o representante da Cuia (Comissão Universidade para os Indígenas), ela abandonou a sala do evento, constrangida.
“De acordo com o mesmo (convite), a estudante teria aproximadamente dois minutos de fala na abertura do evento, mas no entanto, ela sequer foi chamada para falar sobre o tema exposto, ao contrário dos outros integrantes e autoridades presentes na mesa.”, diz a nota, divulgada nas redes sociais da ARTEIN.
“Outros estudantes indígenas presenciaram o ato de racismo, discriminação, preconceito e invisibilidade praticado no espaço do evento da UEL. Essa violência foi sentida como racismo institucional não somente pelos estudantes indígenas ali presentes, mas sim por toda comunidade Kaingang, Guarani e Xetá que a ARTEIN representa.”, continua.
De acordo com a articulação, Ana Lúcia retornou ao espaço do evento após receber o apoio de “uma companheira do movimento negro”, que lhe garantiu o espaço de fala. Muito abalada, Ana apontou o racismo implícito na situação. Assista ao vídeo abaixo.
A ativista citada na nota é a professora da rede municipal Ângela Silva. À Rede Lume ela conta que percebeu o incômodo de Ana Lúcia e, assim que esta deixou a sala, foi ao seu encontro para garantir que tivesse espaço de fala.
“A hora que a Ana se levantou eu fui atrás dela, porque a gente sabe como é esse processo de invisibilidade. Ela estava muito nervosa, queria sair do espaço, mas eu disse que ela tinha que ficar, fazer uma fala, nem que fosse de revolta. Isso não pode acontecer em um evento em que se está discutindo racismo”, pontua Ângela.
Segundo a professora, houve um pedido de desculpas ao final do evento, embora não pelos ocupantes da mesa.
‘Estamos olhando o racismo com outra lente’
Fátima Beraldo, gestora de promoção da igualdade racial do município, avalia que a situação reafirma tudo que os movimentos negro e indígenas vem combatendo ao longo de décadas.
“Essa ocorrência demonstra a necessidade, urgente de discutir o racismo dentro da UEL, demonstra a necessidade de a gente mostrar como o racismo é um fenômeno violento e como ele vai se manfiestando nos mais diferentes espaços, nas mais diferentes relações”, pontua.
Para Fátima, a identificação do racismo na invisibilização da estudante indígena e a reação da ARTEIN demonstram que o processo de conscientização está acontecendo.
“Nós sabemos que combater o racismo não é fácil, a UEL também sabe, a prefeitura de Londrina também sabe. Por isso esse curso de formação. Isso, não tenho dúvida, vai ocorrer outra vez. Porque todos nós, enquanto sociedade, não tínhamos essa lente. Estamos olhando hoje com uma outra lente. Não nos propomos mais ao espaço do silenciamento”, explica.
Nesta sexta-feira (27), segundo Fátima, está marcada uma reunião entre o Grupo de Trabalho de Enfrentamento ao Racismo da UEL, organizador do evento, a gestão municipal e a ARTEIN. A Articulação, porém, entrou em contato com a reportagem para dizer que não foi informada do encontro.
O Núcleo de Comunicação da UEL esclareceu que o GT é formado por vários setores, incluindo a CUIA e que eles não se manifestariam à imprensa sobre o episódio.
Conselho de Psicologia emite nota
Nesta quinta-feira (26), o Núcleo dos Povos Indígenas e Psicologia da Comissão Étnico-Racial do CRP-PR emitiu nota de repúdio ao que classificou como “silenciamento” dos estudantes Ana Lúcia e Rodrigo.
Rodrigo é estudante de medicina na UEL e também estava no evento.
“Não se pode aceitar mais nenhuma ação racista. Em nenhum espaço. Sobretudo em espaço em que a proposta é justamente buscar soluções para que essas práticas sejam interrompidas. Além de ser um ato abominável, fere diretamente o posicionamento da psicologia enquanto ciência e profissão em sua defesa intransigente dos direitos humanos em toda a sua diversidade.”, diz a nota.
Fonte: Rede Lume