Dom Phillips apresentou ao mundo uma Amazônia desconhecida e reportou nuances de questões socioambientais complexas
Como salvar a Amazônia? A pergunta é o título do livro que o jornalista britânico Dom Phillips, de 57 anos, escrevia quando desapareceu no Vale do Javari, junto com o indigenista da Funai Bruno Pereira. As buscas ocorrem desde o dia 5 de junho, mas até agora o paradeiro é desconhecido.
Apaixonado pelo bioma e veterano do jornalismo, Phillips está no Brasil há 15 anos e mora na Bahia com a esposa Alessandra Sampaio. Ele trocou a cobertura do mundo da música para se dedicar à temática socioambiental no país.
Foi um dos principais profissionais da imprensa internacional a reportar o avanço dos crimes ambientais na Floresta sob o governo de Jair Bolsonaro (PL), com dezenas de colaborações recentes publicadas no jornal britânico The Guardian, um dos principais do mundo.
Segundo reportagem da BBC, Phillips já havia escrito dois terços do livro, que prometia contribuir com ideias para solucionar os conflitos na Amazônia. Apoiado pela Fundação Alicia Patterson, sediada na Bahia, o projeto teve início em 2021, durante a pandemia de coronavírus.
A intenção do jornalista era que a obra o permitisse fazer uma imersão nas contradições da Floresta, com tempo suficiente para reflexões aprofundadas, o que Phillips considerava mais difícil no cotidiano do jornalismo.
Cara a cara com Bolsonaro, o britânico questionou o presidente em 2019 durante uma entrevista coletiva. “Como o senhor presidente pretende convencer o mundo que o governo tem uma preocupação séria com a conservação da Amazônia?”, perguntou. Em tom ríspido, o mandatário respondeu: “Primeiro você tem que entender que a Amazônia é do Brasil, não é de vocês”.
“Amazônia sua linda”
Cinco dias antes de embarcar na última expedição no Javari, Phillips se despediu dos seguidores nas redes sociais com a mensagem: “Amazônia, sua linda”. A postagem acompanha um vídeo de uma viagem de barco em um rio, em meio à floresta.
O repórter se sentia à vontade na mata, onde a resistência física é característica necessária para alcançar as comunidades mais isoladas. Presente no território, conseguiu enxergar nuances impossíveis de serem detectadas à distância.
O conflito no Vale do Javari, lar da maior concentração de povos isolados do planeta, era um interesse comum de Phillips e Bruno Pereira. Em 2018, ambos já haviam feito uma viagem de 17 dias pela Terra Indígena, relatada em uma reportagem dele ao The Guardian.
Na expedição deste ano, o repórter foi à região para conhecer as medidas de defesa do território tomadas pelos indígenas com o suporte de Bruno. Ao montar uma equipe de vigilância em parceria com a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari, o servidor da Funai entrou na mira dos criminosos ambientais, que atuam na pesca e caça ilegais, além do tráfico de drogas.
Na companhia do indigenista, Phillips chegou a ser ameaçado por homens armados dias antes do desaparecimento, ao registrar a movimentação de pescadores armados. É o que relatou ao Brasil de Fato um membro da equipe de monitoramento indígena.
“O senhor ‘Pelado’ passa beirando a nossa canoa com uma cartucheira de mais ou menos uns 30 cartuchos. Nós fizemos o vídeo e fizemos fotos. O repórter [Dom Philips] tirou foto e filmou. Todo o material estava em nossas mãos para tentar incriminar esse invasor”, contou a testemunha, sob anonimato.
“Pelado”, apelido de Amarildo da Costa Oliveira, é um pescador considerado suspeito pelos investigadores. Ele está preso por porte de munição controlada e relatou ter sido torturado após ser detido pela força-tarefa que conduz as investigações.
Phillips mergulhou na complexidade da floresta
Semanas antes de chegar ao Javari, Phillips esteve no Acre, em visita ao território do povo Ashaninka. Ele buscava compreender como o povo tinha obtido sucesso em conservar o bioma, aliando costumes ancestrais a práticas modernas.
Em vídeo publicado pela Associação Ashaninka do Rio Amônia, ele diz querer aprender com o povo. “Como é sua cultura, como vocês veem a floresta, como vivem dentro dela, como lidam com ameaças que vêm de invasores, garimpeiros e tudo mais”, disse.
Embora tenha denunciado com ênfase o avanço do crime ambiental sobre a Amazônia, Phillips não defende soluções punitivistas. Pelo contrário, considerava que a vulnerabilidade socioeconômica empurrava a população pobre para atividades que degradam a floresta.
Alessandra, esposa de Phillips, escreveu que o jornalista queria dar voz a todos. “Fazendeiros, garimpeiros. Não falava em vilões. Não queria demonizar ninguém. Sua missão era esclarecer as complexidades da Amazônia”, publicou.
Fonte: Murilo Pajolla | Brasil de Fato