Eu tive o privilégio de assistir no último dia 26 de outubro a estreia da peça teatral “Dr. Gabriel – uma alma partida”, escrita pelo médico cardiologista Marco Antônio Fabiani, com direção de Silvio Ribeiro. A peça foi baseada em fatos reais e conta a história de amor de Marta Silva e do Dr. Gabriel Carneiro Martins que se encontra diante de um dilema: escolher entre o destino de sua amada, diagnosticada como portadora de hanseníase, doença infectocontagiosa para a qual não havia tratamento eficaz na década de 1940, ou o seu dever profissional perante a população de Londrina, que seria denunciá-la às autoridades sanitárias.
Confesso que fiquei muito emocionada com o desfecho da história. Trabalhei com hanseníase durante toda a minha vida profissional e durante todos esses anos pude acompanhar o impacto que esse diagnóstico traz para o paciente e seus familiares, causado pelo estigma que a doença ainda tem nos dias atuais, mas também tive a enorme satisfação de acompanhar a evolução do tratamento e a mudança que vem ocorrendo no modo de encarar a doença.
Na década de 1920 foram criados no Brasil hospitais para internamento compulsório dos pacientes, uma medida profilática para conter o avanço da doença, isolando os acometidos, prática essa que permaneceu até 1983 quando foi abolida, pela descoberta de novas medicações para o tratamento da doença.
Quando iniciei minha vida profissional em 1984, o tratamento da hanseníase era para a vida toda, porém os pacientes eram atendidos ambulatorialmente e já não havia mais a obrigatoriedade da internação. A partir da introdução do tratamento com uma combinação de três medicamentos conhecida como poliquimioterapia (PQT) pelo Ministério da Saúde em 1991, começamos a falar de cura e dar alta para os nossos pacientes. Inicialmente com 15 anos de tratamento, depois com cinco, dois e nos dias de hoje o tratamento dura apenas 12 meses.
Apesar de todo esse avanço no tratamento, o Brasil ainda é o segundo país em número de casos da doença, ficando apenas atrás da Índia, sendo que em 2022 foram diagnosticados 14.962 novos casos de hanseníase no país. Segundo o próprio Ministério da Saúde isso ocorre porque o diagnóstico e o tratamento costumam ser dificultados pela falta de qualificação de boa parte dos profissionais de saúde e de conhecimento da população.
Um forte estigma e discriminação, baseados no medo, contribuem para o sofrimento prolongado e diagnóstico tardio. O estigma e a discriminação podem afetar, para além dos relacionamentos, o bem-estar mental, a condição socioeconômica, modo e qualidade de vida. Além dos indivíduos e suas famílias, o estigma e a discriminação também interferem nos serviços e programas de controle de hanseníase e sua efetividade.
Sabemos hoje que hanseníase tem cura e que o diagnóstico precoce impede o aparecimento de sequelas que podem levar à incapacidade física. Os profissionais de saúde devem estar aptos a reconhecer os sinais e sintomas da doença, prescrever e iniciar o tratamento. Caso você note o aparecimento de formigamento ou fisgadas, principalmente em mãos e pés, diminuição ou ausência da sensibilidade e/ou força muscular na face, mãos e pés, aparecimento de caroços no corpo que podem estar avermelhados e dolorosos, procure a unidade de saúde mais perto de você.
Voltemos ao Dr. Gabriel e sua noiva Marta que tiveram a infelicidade de viver num tempo em que a hanseníase não tinha tratamento e nem cura e que por isso não puderam realizar seus sonhos de uma vida plena e feliz e olhando para eles possamos nos lembrar que hanseníase tem tratamento e tem cura.
Texto: Dermatologista Dra. Lígia Márcia Martin