No Paraná, um deputado chamou o presidente da assembleia de corrupto. Para não ser acusado por calúnia, buscou provas para mostrar que, sim, o colega foi corrupto mesmo
Na tribuna da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), o deputado estadual Renato Freitas (PT), de 40 anos, fazia um discurso em que condenava o proselitismo religioso, na sessão de 9 de outubro, quando membros de uma igreja evangélica que estavam nas galerias passaram a vaiá-lo. O estardalhaço foi tanto que o parlamentar interrompeu seu pronunciamento e o presidente da casa, Ademar Traiano (PSD), 70, precisou intervir. Quando retomou a palavra, Freitas reclamou que o cronômetro não havia sido pausado durante a interferência. Traiano, por sua vez, negou-se a restituir ao orador o tempo correspondente à paralisação. Iniciou-se, então, um bate-boca entre os dois. Freitas chamou os espectadores que tinham lhe vaiado de “hipócritas religiosos, que foram os mesmos que crucificaram Cristo”. O presidente da assembleia tomou a crítica para si e determinou que cortassem o microfone do colega.
Enfurecido, o petista continuou a gritar, a plenos pulmões, enquanto Traiano tentou dar sequência à sessão. O deputado Requião Filho (PT) tentou intervir: “Os senhores podem divergir, mas cortar a palavra de um parlamentar nesta casa vai ser a primeira vez.” Freitas, então, desceu do púlpito e, no plenário, passou a ir de mesa em mesa de colegas, tentando falar pelo microfone deles. Chegou a gritar: “Você não é rei!”, antes que lhe cortassem, novamente, o som. Por fim, postou-se em frente à mesa-diretora, onde estava Traiano, e passou a esbravejar: “O senhor me respeite.” Incomodado, ao microfone, o presidente determinou que o Conselho de Ética da casa instaurasse um procedimento contra Freitas, por quebra de decoro parlamentar. O petista subiu o tom. “Você é um corrupto!”, gritou.
Era uma acusação grave, que poderia render ao parlamentar uma acusação de calúnia e colocar em risco seu mandato.
Não seria o primeiro processo que poderia terminar em cassação que Freitas enfrentaria. Em 2022, quando cumpria mandato de vereador em Curitiba, o petista chegou a ser cassado, por ter feito uma manifestação logo após o fim de uma missa, bem frente ao altar de uma igreja católica – em protesto contra as mortes de Moïse Mugenyi, um migrante congolês espancado num quiosque no Rio de Janeiro, e de Durval Teófilo Filho, um rapaz negro assassinado por um vizinho que o confundiu com um assaltante. Posteriormente, no entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) devolveu o mandato ao vereador. Na própria Alep, Freitas tinha respondido por um processo, por ter discutido com o deputado de ultradireita Ricardo Arruda (PL). O caso foi arquivado.
Agora, no entanto, o episódio soava com maior gravidade. Além de Freitas integrar a pequena bancada de oposição, a altercação envolve uma figura de maior poder. Traiano é o mais longevo presidente da casa. Está no posto desde 2015, com gestões sempre alinhadas ao governo do Paraná. Nesse contexto, nos dias seguintes ao episódio, muitos parlamentares davam como certa a cassação. O caso, no entanto, teve uma reviravolta e acabou por revelar um esquema de corrupção envolvendo Traiano e um ex-deputado, e que tinha como epicentro a própria Assembleia Legislativa.
Já no dia seguinte ao bate-boca com Traiano, Freitas passou a pensar em como articularia sua defesa. Mestre em direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), o deputado sabia que poderia ser acusado de calúnia – imputar conduta criminosa a alguém –, que é um crime contra a honra, previsto no Código Penal.
Fonte: Revista Piauí