Milton Ribeiro foi preso pela PF, que investiga o esquema de corrupção para a liberação de recursos públicos FNDE
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Queda dos investimentos, metas em atraso, ex-ministro preso preventivamente, acusações de corrupção, apagão de dados e quatro ministros desde 2019. Os dados mostram que a educação no Brasil entrou num processo de deterioração nos últimos anos.
O ex-ministro da Educação, entre abril a outubro de 2015, Renato Janine Ribeiro, atualmente presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), afirma o que se vê hoje no Ministério da Educação “é uma política”. Em suas palavras, “não é uma coisa que está acontecendo por acaso. É um projeto que se estabeleceu”.
“É muito ruim esse governo ter deixado as coisas chegarem nesse ponto. É claro que para a opinião pública uma acusação de crime talvez seja mais séria do que uma acusação de má gestão. Mas a má gestão está comprovada, é evidente. O crime resta ser julgado. Mas aparentemente não foi só má gestão”, diz o ex-ministro.
Janine Ribeiro se refere ex-ministro da Educação do governo Bolsonaro Milton Ribeiro, preso preventivamente na manhã desta quarta-feira (22) pela Polícia Federal, que investiga o esquema de “tráfico de influência e corrupção para a liberação de recursos públicos” do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) às prefeituras, mediado por pastores lobistas. Um desses pastores é Gilmar Santos, que também foi preso nesta quarta.
“É claro que cabe presunção de inocência e o direito de defesa, que nem sempre foi respeitado nos últimos anos no Brasil. Mas o importante é que existem várias denúncias na imprensa de áudios que indicam algo irregular, ou seja, que teria havia ocorrido uma canalização de recursos do Ministério não com base em critérios de eficiência de gestão, republicanos, mas segundo interesses políticos”, afirma Janine Ribeiro.
Um pedido especial do presidente da República
Em um áudio vazado pela imprensa em 21 de março deste ano, Ribeiro afirma que priorizava destinar recursos do FNDE para as prefeituras cujas solicitações foram negociadas pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, a pedido do presidente Bolsonaro. Ambos não têm cargo no Ministério da Educação e atuam em um esquema informal de obtenção de verbas.
“Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar. (…) Porque a minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar”, diz o ministro em áudio.
Milton Ribeiro deixou o governo em março deste ano, depois do caso vir à tona. Ele havia ocupado a vaga de Abraham Weintraub, exonerado do cargo em junho de 2020. Antes, o primeiro ministro indicado por Bolsonaro para a Educação foi o colombiano Ricardo Vélez Rodrigues. Hoje, a pasta é ocupada por Victor Godoy Veiga. No total, já são cinco ministros, sem contar com Carlos Alberto Decotelli, que chegou a ser indicado por Bolsonaro, mas não chegou a tomar posse.
É o recorde de ministros que assumiram a pasta desde a redemocratização. No segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, entre 2015 e 2016, foram três ministros nomeados para o cargo e um interino.
Queda de investimentos
A queda do orçamento da educação também parece ser uma tônica no governo Bolsonaro, além da falta de entendimento entre as lideranças da pasta. Segundo o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), entre 2019 e 2021, a execução diminuiu R$ 8 bilhões em termos reais: saiu de R$ 126,6 bilhões para R$ 118,4 bilhões. Em 2020, foram R$ 118,5 bilhões. O valor registrado neste ano é o menor desde 2012, quando foi de R$ 121,2 bilhões em despesas, incluindo restos a pagar.
Ainda neste ano, o Ministério chegou até mesmo a bloquear 14,5% da verba para despesas de custeio e investimento das universidades e institutos federais. A decisão afetou diretamente também o orçamento de entidades vinculadas à pasta, como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
Mesmo a despeito dos desafios impostos pela pandemia de covid-19 à gestão da educação, como a implementação do ensino remoto e emergencial, o orçamento não aumentou para o ensino fundamental, ao longo de 2020 e 2021.
De acordo com a edição do ano passado do relatório Education at a Glance (Educação de Relance, em tradução livre), da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), “o Brasil não teve mudanças no orçamento de educação para o ensino fundamental, tanto em 2020 como em 2021”, em relação aos anos anteriores.
“Esse governo não priorizou a educação, não cumpriu o papel que deve ter com o Ministério da Educação. Por exemplo, a gente teve uma pandemia e o Ministério não tomou nenhuma medida para liderar a conversão do ensino presencial para o remoto e emergencial”, analisa Janine Ribeiro.
“Nessa situação, o Ministério deveria ter editado diretrizes, por exemplo, para que todas as escolas públicas e privadas garantissem ventilação em suas salas, determinando o afastamento necessário entre os alunos e o uso de máscaras, ter fornecido equipamentos aos alunos, como foi prevista uma lei votada pelo congresso, mas que o presidente vetou.”
Metas em retrocesso
Segundo o 8º Balanço anual do Plano Nacional de Educação (PNE), divulgado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, nesta segunda-feira (20), o PNE com 45% das metas em retrocesso, a três anos do seu prazo final de vigência, em 2024.
Uma dessas metas é o acesso universal ao chamado “ensino fundamental de nove anos” para o segmento de 6 a 14 anos. A quantidade de crianças dessa faixa etária que não frequentam ou não concluíram essa etapa de formação quase dobrou de 2020 para 2021: o contingente saltou de 540 mil para 1,072 milhão.
Houve redução, ainda, na porcentagem de jovens que concluem o ensino fundamental na idade apropriada, que era de 81,9% no segundo trimestre de 2020 e passou para 81,1% no ano passado.
O documento ainda mostra que, de 2013 até hoje, houve crescimento na rede de educação profissional técnica de nível médio somente na rede pública, onde se chegou a 316 mil novas matrículas. Já a rede privada foi na contramão e diminuiu de tamanho, com 223 mil matrículas a menos no período.
O número compromete, por exemplo, o cumprimento da meta 11 do PNE, que traçou como horizonte um número triplicado de matrículas nesse intervalo. A ideia seria garantir a qualidade da oferta de vagas e um mínimo de 50% de expansão nesse segmento em particular.
Apagão de dados
O diagnóstico realizado pela Campanha também destaca o “apagão de dados” na educação. Oito das 20 metas do PNE não contam com informações oficiais suficientes para subsidiar uma avaliação técnica qualificada.
A meta 1 do PNE, por exemplo, que previa para até 2016 uma universalização da educação infantil na pré-escola para alunos de 4 a 5 anos, não foi avaliada por conta da falta de informações. A mesma meta também tinha como alvo a ampliação da oferta de educação infantil para 50% das crianças de até 3 anos.
A ideia seria alcançar essas duas marcas até o final da vigência do PNE, em 2024, mas não houve divulgação, por exemplo, da edição de 2020 da “Pnad Contínua – Educação”, formulada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A publicação foi adiada para 2021, mas esse prazo também não foi cumprido, o que deixou os especialistas no limbo. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação reclama um maior nível de transparência com os dados. Em alguns casos, os dados só são obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) e, em outros, não há qualquer resposta.
“Às vésperas do final da vigência do Plano, o cenário é de abandono. Além da baixa taxa de avanço em praticamente todas as metas, 45% delas estão atualmente em retrocesso e a situação pode ser ainda pior. Dada a grande falta de informações atualizadas, não é possível afirmar com certeza a gravidade dos atrasos e retrocessos”, afirma Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e integrante da Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala.
Pellanda explica que o PNE “determina que sejam aumentados os investimentos públicos em educação e que se avance em termos de acesso, permanência, qualidade social”. No entanto, “o que se tem feito é justamente o oposto”.
“Darcy [Ribeiro, ministro da Educação no governo de João Goulart] já dizia que a crise da educação não é uma crise, é um projeto. É exatamente o que estamos vendo hoje no país.”
Fonte: Caroline Oliveira e Cristiane Sampaio | Edição: Rodrigo Durão Coelho | Brasil de Fato