Representantes de movimentos sociais denunciam má qualidade dos ônibus, contradizendo a justifica do aumento apresentado pela Prefeitura
Representantes de movimentos sociais em Londrina se reuniram em plenária na última sexta-feira (5) na sede da APP Sindicato (Sindicato dos Professores e Funcionários de Escola do Paraná) – Londrina para discutir ações a serem tomadas contra o aumento da tarifa do transporte coletivo da cidade, que passou de R$4,80 para R$5,75.
Ao final, ficou decidido que haverá panfletagem e uma manifestação nesta próxima quinta-feira (11) em frente ao Terminal Central de Londrina a partir das 16h, além de criação de um grupo unindo os movimentos que assinaram a ata da plenária, resultado avaliado como positivo por Natália Lisboa, representante da Frente Antirracista de Londrina e uma das organizadoras do encontro.
Durante a mobilização desta quinta-feira, representantes do Comitê Popular de Luta Brasil Livre Calçadão, Centro de Direitos Humanos de Londrina e Coletivo Popular Movimento Vista Bela vão recolher assinaturas para um abaixo-assinado que será entregue ao Ministério Público, Câmara de Vereadores e Prefeitura de Londrina (saiba mais).
Conforme anunciado pelo Portal Verdade, com o aumento de quase 20% na tarifa do transporte público, Londrina passa a figurar entre as cidades com as passagens mais caras do Brasil (veja aqui). Em dez anos, o aumento passou de 100%. A Prefeitura justifica o aumento devido às novas aquisições de veículos e as reformas dos terminais de ônibus pela cidade.
Contudo, os participantes da plenária apontaram incompatibilidade entre o valor da tarifa e a qualidade no serviço prestado. Além da passagem paga pelos usuários do transporte, a Prefeitura faz repasses para as empresas que atuam em Londrina. No ano passado, esses repasses chegaram a aproximadamente R$ 40 milhões, parte do montante foi para cobrir os prejuízos da pandemia de Covid-19.
Estudantes também sofrem consequências
Uma boa parcela dos usuários do transporte público de Londrina são estudantes. A vice-presidenta da ULES (União Londrinense de Estudantes Secundaristas), Cecília Rocha, comentou como funciona para que o aluno consiga isenção de 50% na tarifa, benefício que já chegou a 100% nos últimos anos, mas foi retirado recentemente. “É uma burocracia, um processo bem invasivo”, explica.
A isenção só é concedida a estudantes que comprovem baixa renda, contemplados por programas sociais e, mesmo nesses casos, os horários e as linhas são limitados. “É um processo que dura no mínimo um mês, correndo atrás de documentação, de lá pra cá”, continua.
Outro ponto levantado por Cecília, é em relação a estudantes que precisam realizar alguma atividade complementar relacionada à escola, como estágio, mas que ultrapassa o horário estabelecido ou que demanda utilizar linhas diferentes das que foram cadastradas no cartão transporte.
“Você cadastra quatro linhas, com limite de duas passagens por dia. Os alunos que fazem estágio, contraturno tem direito de ir até a CMTU [Companhia Municipal de Trânsito e Urbanização] para pedir a extensão do prazo de utilização ao dia, mas o número de passagens não aumenta. Ou seja, o aluno continua tendo que pagar pelo menos uma passagem ao dia”, adverte.
Ainda, muitos utilizam, o transporte público para se locomover para atividades de lazer, como ir ao shopping, eventos culturais, ou mesmo festas. “Eu sou uma consumidora da cultura hip-hop. Londrina vive uma cena muito massa na cultura de rua, com um circuito com mais de dez batalhas em vários pontos da cidade. E o que eu vejo é que muitos não têm dinheiro para a passagem [de ônibus] tendo que ir a batalhas próximas a sua casa ou a uma que dá para ir a pé”, comenta Natália Lisboa, representante da Frente Antirracista de Londrina.
“Pensando também além do pessoal da cultura de rua, Londrina respira cultura. A gente tem o Festival de Dança, de Música, Literário e o próprio FILO [Festival Internacional de Londrina] com várias atividades gratuitas. E o jovem está lá, na sua periferia porque o ônibus que já era R$4,80, agora é R$5,75 para ir e mais R$5,75 para voltar. Muita gente não tem R$10, R$12″, reclama.
Vale ressaltar que, os eventos citados, tem sua programação aos arredores da área central da cidade, com raríssimas exceções. O professor de Serviço Social da UEL (Universidade Estadual de Londrina), Evaristo Colman, representante do Comitê pelo Passe livre, Redução da Tarifa e Estatização do Transporte em Londrina se disse satisfeito com a plenária porque, para ele, mostrou que há uma intenção de mobilização contra a nova tarifa.
“Pela nossa experiência, ou tem mobilização popular ou não vai derrubar o aumento da tarifa. Imaginar que vereador, juiz, promotor vão fazer alguma coisa é ilusão”, diz.
Outras frentes também se mobilizam
A plenária de sexta foi para organizar atos realizados por movimentos e grupos contrários ao aumento expressivo da passagem, porém, outros grupos pela cidade também tiveram iniciativa com o mesmo objetivo. É o caso do Movimento Autônomo Popular, que atua principalmente no Conjunto Franscicato, e conjunto Cafezal, na zona Sul, representado por Lucas Santos, que também esteve na reunião.
No próximo dia 10, quarta-feira, está prevista uma manifestação em frente ao Cine Teatro Ouro Verde, às 18h. Segundo Lucas, a intenção é iniciar uma jornada de lutas sobre o transporte. “O aumento já causou um impacto direto na população, principalmente, nos trabalhadores da periferia, comprometendo boa parte da renda. Por essa razão que essa proposta veio das bases da periferia, para derrubar nas ruas esse aumento”, pontua.
Contradizendo a própria Prefeitura, que justificou o aumento devido à aquisição de ônibus com ar-condicionado e wifi, o representante do Movimento Autônomo Popular denunciou a má qualidade dos ônibus. “É precário. Não tem ônibus com ar-condicionado onde eu moro. Bate um calor de 40º, um forno. Fica parecendo um monte de sardinha acumulada, profundamente estressante. Isso faz com que muitas pessoas prefiram se endividar financiando carro ou moto, ou indo de Uber para os lugares porque não quer pegar o ônibus”, observa.
Luta histórica
O Comitê pelo Passe Livre, Redução da Tarifa e Estatização do Transporte em Londrina, representado na plenária pelo professor Evaristo Colmán, começou em 2005, dois anos depois de um estudante de 21 anos morrer em um protesto no Terminal Central contra o aumento da tarifa na época.
“Em 2003, após o aumento anunciado pelo prefeito Nedson Micheleti (ex-prefeito de Londrina pelo Partido dos Trabalhadores, esteve a frente da Prefeitura por dois mandatos, entre 2001 e 2008), os estudantes, principalmente, da UEL começaram o movimento que ficou conhecido como pula-catraca, porque os estudantes entravam nos ônibus na universidade e pulavam a catraca. Esse movimento protagonizou manifestações de rua e a ocupação da Câmara Municipal por uma noite para cobrar dos vereadores uma posição sobre o aumento. Os vereadores simplesmente sumiram, desligaram o ar-condicionado e foram embora. Ficaram mais de 120 pessoas na Câmara”, lembra o docente.
“No dia seguinte, saímos em uma passeata da Prefeitura e fomos para o Terminal Central. Aí aconteceu todo o desastre, quando o ônibus atropelou o Anderson [Amaurílio da Silva], que faleceu três dias depois. Isso colocou mais pressão no movimento. No fim, foi mantido o aumento e nós perdemos”, lamenta.
“Dois anos depois criamos o Comitê, em uma grande assembleia, com todas as forças políticas da cidade e debatemos as bandeiras: passe livre para estudantes, redução da tarifa e estatização do transporte público. Quando foi votado a estatização, alguns grupos saíram do Comitê e não participaram mais. Compuseram esse Comitê, majoritariamente, pelos alunos da UEL e das periferias da cidade. Tivemos altos e baixos, chegamos a ter Comitê no centro, na zona Norte e na zona Sul”, complementa o professor.
Lista dos signatários da plenária:
1. Central de Movimentos populares (CMP)
2. Sindicato dos Bancários de Londrina e Região
3. Coletivo Popular Periferia na Luta por Espaço e Direitos
4. Sindicato dos Vigilantes
5. Frente Antirracista de Londrina
6. Frente Popular de Saúde
7. Federação Brasil da Esperança
8. Marcha Mundial de Mulheres
9. União da Juventude Socialista (UJS)
10. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
11. Partido Socialismo e Liberdade (PSOL)
12. Partido dos Trabalhadores (PT)
13. Rede de Sustentabilidade
14. Partido Democrático Trabalhista (PDT)
15. Partido Comunista do Brasil (PCdoB)
16. Partido Verde (PV)
17. Centro de Direitos Humanos de Londrina (CDH – Londrina)
18. Papo Reto Londrama
19. Comitê Popular de Luta Brasil Livre Calçadão
20. Frente Feminista
21. BrCidades
22. Sindicato das Trabalhadoras e Trabalhadores do Serviço Público da Saúde (SindSaúde PR)
23. Movimento Alternativa Popular
24. Fórum Paranaense de Educação de Jovens e Adultos
*Matéria do estagiário Lucas Worobel sob supervisão.