Participantes reforçaram o papel da memória para que períodos autoritários não se repitam
Na tarde desta segunda-feira (8), manifestantes ocuparam o Calçadão de Londrina para o ato “O Brasil se une em defesa da democracia”. A mobilização ocorreu em frente ao Cine Teatro Ouro Verde e teve como principal finalidade relembrar a tentativa de golpe realizada por grupos de extrema-direita contra a sede dos Três Poderes, em Brasília.
Há um ano, desrespeitando o resultado das eleições presidenciais de 2022, apoiadores do ex- mandatário, Jair Bolsonaro (PL) invadiram e depredaram os prédios do Congresso Nacional, STF (Supremo Tribunal Federal) e Palácio do Planalto. Os danos ainda estão sendo calculados, mas até o momento, o prejuízo estimado é de R$ 24 milhões.
O protesto foi organizado por partidos progressistas: Federação Brasil da Esperança, PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), PDT (Partido Democrático Trabalhista), PcdoB (Partido Comunista do Brasil), PV (Partido Verde), PT (Partido dos Trabalhadores) e diversos movimentos sociais como MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e Coletivo de Sindicatos.
Laurito Porto de Lira, secretário de formação do Sindicato dos Bancários de Londrina e Região destacou a importância da união entre os movimentos sociais, forças sindicais em prol da soberania popular e dos direitos da classe trabalhadora.
“Quando a gente vai olhar o contexto social, não só de Londrina, mas do Brasil inteiro, a gente acaba percebendo que nós não estamos nos entendendo como uma classe só. Nós não adquirimos ainda consciência de classe, que todos nós somos trabalhadores, independente do que faz. Seja trabalhador não remunerado, que é o caso dos estudantes, donas de casa, todos nós, até o pessoal que está em cargo público alto, é trabalhador. Se tem que levantar todo dia para fazer alguma coisa, para se manter de pé, para conseguir seu sustento e para comer, é trabalhador”, afirma.
A liderança reforça o papel de ações que fomentem a consciência da classe e o compartilhamento das reivindicações independentemente da categoria. Ele também pontua a articulação dos grupos no enfrentamento às forças reacionárias cujas ações precarizam cada vez mais as condições de vida das camadas mais vulneráveis.
“Nós não pautamos as nossas lutas comuns e nós não defendemos aquilo que nos é mais caro, que é o direito de estar vivo, presente e defender os nossos interesses, que isso é possível dentro da democracia, por isso que eu fiz aquele apelo, que é algo tão necessário e é preciso que todos os atores que estão na cidade entendam isso e passem a se articular para conseguir fazer essa consciência de classe ocorrer e a gente defende nossos interesses frente à extrema-direita que está aí, que é representada pelos empresários, o agronegócio, que colocam agrotóxico na nossa mesa e que tiram todo dia, ficam lutando para tirar os direitos trabalhistas e para nos colocar no chão”, acrescenta.
Lutar contra o esquecimento
Lenir de Assis, vereadora pelo Partido dos Trabalhadores (PT) reforçou a necessidade da manifestação para a construção da memória de um dos momentos mais frágeis da história do país após a redemocratização.
“Precisamos valorizar a presença das pessoas às ruas desse 8 de janeiro. Há um ano, nós vivemos dos atos mais trágicos, mais violentos contra a democracia, contra o estado democrático direito e contra a nação brasileira. O que aconteceu ali foi uma sucessão de crimes organizados para que o Brasil passasse por um golpe e nós tivéssemos aí a democracia arrasada. Isso não aconteceu porque houve há tempo os poderes se organizando, se fortalecendo, a presença do presidente Lula liderando a luta contra esses atos golpistas e o golpe não aconteceu”, diz.
Os participantes também são contrários a anistia dos invasores bem como financiadores dos atos golpistas. Proposto pelo senador Hamilton Mourão (Republicanos) tramita no Congresso Nacional, Projeto de Lei nº 5064. A resolução prevê que acusados e condenados pelo ataque não sejam punidos.
“Voltar às ruas no 8 de janeiro é fazer memória desse ato e de tudo que aconteceu ali, em todas as partes do Brasil, é um sinal de resistência, é um sinal de luta, um sinal de unidade, porque o Brasil todo hoje está na rua, lutando por direitos, associações, movimentos, todos, justamente mostrando que a democracia é importante, que o estado de direito é fundamental e nós só conseguiremos fortalecê-los com a unificação das nossas lutas. É por isso que estar aqui hoje, unificados nessa luta e dizendo sim à democracia é um ato extremamente importante e que certamente ficará nos livros e na memória do povo brasileiro para sempre”, complementa Lenir.
Pelo menos 15 cidades aderiram ao ato em todo o país. Pesquisa realizada pela Quaest, entre os dias 14 e 18 de dezembro de 2023, ouviu 2.012 pessoas com 16 anos ou mais em 120 municípios e identificou que nove em cada dez brasileiros reprovaram as invasões de 8 de janeiro. Também de acordo com o estudo, para quase metade dos participantes, Bolsonaro teve influência no ato golpista (47%).
Reunidos em Brasília para o ato institucional “Democracia Inabalada”, os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, e da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foram uníssonos em afirmar que as tentativas golpistas serão punidas e que não há espaço no país para retrocessos antidemocráticos.
O presidente da Câmara dos Deputados e do Senado, Arthur Lira (PP) também havia confirmado presença, mas cancelou a participação na manhã desta segunda-feira. Segundo a assessoria de Lira, o político seguia em Alagoas na manhã desta segunda e não retornaria à capital federal em razão de “problemas de saúde na família”.
Até o momento, o Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos do Ministério Público Federal (MPF) denunciou 1.413 pessoas. Entre eles, 1.156 incitadores, 248 executores, oito agentes públicos e um financiador dos atos criminosos. O STF já condenou 30 pessoas a partir de denúncias apresentadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Aumento da tarifa também é pauta
O reajuste do transporte público em Londrina também foi lembrado pelos manifestantes. Conforme anunciado pelo Portal Verdade, em plenária realizada na última sexta-feira (5), representantes de mais de 20 coletivos aprovaram uma agenda de mobilização contra o aumento que atinge quase 20%. O valor da passagem saltou de R$4,80 para R$5,75 a partir de 1º de janeiro.
Entre as atividades, estão previstas panfletagem e manifestação nesta próxima quinta-feira (11) em frente ao Terminal Central de Londrina a partir das 16h (saiba mais aqui).
Danilo Leati Nunes, membro do Levante Popular da Juventude também esteve no ato. Ele assinala a resistência das instituições e população face ao ataque, reiterando a legitimidade do resultado das urnas. Também avalia que o ato possibilita chamar atenção para problemas enfrentado no Paraná e em Londrina.
“Hoje foi uma festa, foi uma celebração por todas as vitórias que nós tivemos nas urnas, elegendo Lula, depois do 8 de janeiro, com toda a união de todas as instituições do povo brasileiro em defesa da democracia e também um momento de denúncia contra todos os problemas que nós enfrentamos aqui em Londrina, no Paraná, com o prefeito, com o governador, que vem várias vezes seguidas atacando os direitos da população”, observa.
A educadora Isabel Diniz relembra a trajetória de lutas pela qualidade do transporte público na cidade. Em 2024, o Comitê pelo Passe livre, Redução da Tarifa e Estatização do Transporte em Londrina completa 19 anos. Ela também repercuti relatos que indicam que grande parte da população foi pega de surpresa com o novo valor.
“Todo o conjunto de questões que envolve o transporte público em Londrina é histórico. Temos um histórico de certa forma bonito, robusto, consolidado, que atravessaram diversas administrações, no entanto, ele não está vencido. O transporte público é um direito, envolve não só a mobilidade, mas a qualidade ambiental, estruturação da cidade e, principalmente, custo. Isso que está sendo dito que pegou a todos de surpresa, precisa ir para a pauta de discussão do poder Legislativo”, indica.
*Colaborou a estagiária Joyce Keli.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.