Leio, em cada mídia social que visito, um considerável número de comentários acerca do programa Pé de Meia, deflagrado pelo Governo Lula. Há muito elogio e alguma grita…
O programa incentiva a permanência dos jovens na escola (ensino médio), estabelecendo o pagamento de uma poupança aos estudantes que estejam regularmente matriculados na rede pública. É requisito do incentivo a inscrição da família no cadastro único, além de renda per capta (ou mensal) igual ou menor a $218 (duzentos e dezoito reais).
Com a deflagração do programa, o governo oferta ferramenta econômica em favor da educação. Nessa mesma semana leio que o governo (pela atuação da Receita Federal) suspendeu a ‘isenção’ de impostos que o desgoverno anterior havia concedido a líderes evangélicos, naquilo que, no apagar das luzes de seu mandato, o messias ampliou a isenção de contribuição previdenciária das igrejas evangélicas sobre a remuneração de pastores e líderes religiosos.
Há, aqui, uma sonora grita, levantada pelas viúvas do messias. Há, inclusive, movimento político deflagrado no Congresso, para rever a medida. Noves fora e por amor ao debate, lembro que o Padre Júlio Lancellotti não detém qualquer incentivo econômico por seu monumental trabalho social – tampouco recebe dízimo…
Isso tudo referido, vamos ao entendimento que me incomoda, sem deslembrar da diferença fabulosa entre as medidas de um governo de compromisso social e um desgoverno de arcabouço mercadológico, cujo talento exclusivo repousa no uso político da máquina pública em favor dos interesses econômicos das elites.
A grande vítima dos governos de direita é o pobre. E é esse mesmo pobre quem abastece a economia dos nababescos templos neopentecostais Brasil afora, fazendo do pagamento do dízimo a fortuna do pastor. Também é esse pobre, dependente de serviço de transporte, quem paga o olho da cara no preço da passagem.
Então e assim, entre a efetivação de uma medida de notório alcance social (programa Pé de Meia) e a correção do prumo de um imenso equívoco social (extensão da isenção do imposto das igrejas) deflagrado no desgoverno anterior, vamos caminhando para alguma composição social – ainda que siga distante a pacificação que o estado de bem-estar social possa validar.
Foi para isso que eu fiz o L, estão dizendo vários amigos e muitos desconhecidos país afora. E eu concordo em gênero, número e grau com a fala dos entusiastas.
Passa, outro tanto, que não posso calar a ignomínia da grita política que o Congresso movimenta, na tentativa de restabelecer o odioso privilégio em favor dos pastores evangélicos. É que espero, das pessoas, mais que a canalha de sempre em busca de um arranjo entre os neo canalhas de agora.
As igrejas evangélicas, de notória atuação política, sem embargo de pensamento diverso, tem que repensar o custo operacional de seu negócio. Sim, seu negócio, ou você acha que malafaia e companhia bela estão pelando a salvação de sua alma à poder de reza, fé e contrição…
Deveras, a fé das pessoas não pode ser tangida ‘ao infinito e além, performando um Buzz Lightyear descompassado e à serviço das pautas conservadoras de sempre, conduzidas sobre e pelos mesmos argumentos que vêm, há séculos, atrasando as discussões de conteúdo e interesse social.
Nem estou criticando o pagamento dizimal por quem, muitas vezes, não tem comida na mesa. Vivemos em um país livre e cada um faz o que quer da própria vida, correto? Em partes…
Para os evangélicos está correto até a página dois, bem observado que a página um está toda ela justificada no interesse da igreja e de seus pastores. Já a página dois está aberta à discussão, por exemplo, do aborto ou do casamento homo afetivo.
É dizer: em se tratando de pautas reacionárias (isenção tributária) não há nada mais progressista do que uma igreja evangélica (extensão da isenção para o pagamento do pastor); todavia, quando a pauta é de fato e de direito progressista (questão racial; casamento homo afetivo; aborto; distribuição de renda; descriminalização da maconha), os pastores e suas ovelhas abraçam o atraso, prejudicando quem precisa de políticas públicas.
A pauta do atraso, no Brasil, deveras, tem amarras severas na exploração da fé, notadamente entre os mais carentes – e, por isso mesmo, mais vulneráveis. Assim, quando o Congresso grita pelo restabelecimento de um privilégio injusto e de todo imoral, o que fica gravado no GPS da história é o descompromisso sócio econômico de vários congressistas, capturados e movidos pelo interesse econômico alinhado às igrejas evangélicas.
Não questiono, como já disse, pagamento de dízimo à milionário travestido de pastor. É que sigo acreditando viver em uma democracia que me tutela a liberdade de manifestação, sempre que eu não venha manifestar fake news, praticando, assim, crimes através do conceito equivocado de uma imunidade criminal escondida sobre o manto falso das hipóteses de liberdade de expressão.
O que pega, a meu ver, é o desserviço que os pastores políticos desencadeiam com sua interpretação esquálida do mundo e da vida. Para os malafaias de plantão mais vale (valia?) arregimentar likes (votos) do que interpretar racionalmente a fala do Papa Francisco em favor de se abençoar os casais homo afetivos. Assim, tome-lhe ofensa. Tome-lhe verborragia disfuncional e tratamento segregatório.
Aqui seguimos, berrante à mão, espreitando o gado a ser tangido.
De toda sorte, não vou deixar de celebrar a conquista significativa desenhada no programa Pé de Meia, naquilo que a ferramenta ofertada tem tudo para melhorar as condições de permanência do jovem socialmente exposto no ensino médio.
Ademais, saúdo a derrocada da extensão da isenção ao vencimento dos pastores, uma vez que a medida corrige severa distorção econômica estabelecida pela política de compadrio suscitada pelo messias – aguardo o fim da isenção de impostos às igrejas.
Averbo, todavia, minha felicidade, naquilo que os jovens estudantes possam se dedicar, efetivamente, ao estudo, conquanto a realidade então vigente os obriga sair das escolas para fazer frente às necessidades econômicas das famílias.
Essa é uma história tão antiga quanto o tempo, suposto que educar jamais foi desiderato dos governos de direita. Paulo Freire estabelece o parâmetro definitivo sobre o tema, quando afirma que as elites não convivem com a formação e o desenvolvimento acadêmico dos pobres, porque isso os faria questionar a manutenção do status quo.
Como disse o poeta mineiro: viver é subir montanha para apagar estrela.
Tristes e esperançosos trópicos.
Saudade Pai!
João dos Santos Gomes Filho para o Canto do Locco
João Locco
João dos Santos Gomes Filho, mais conhecido pelo apelido João Locco. Advogado, corintiano, com interesse extraordinário em conhecer mais a alma e menos a calma.