Com multas em queda na Amazônia, representante da categoria diz que continuidade do movimento depende do governo
É uma questão de tempo até que a paralisação dos servidores ambientais, que começou em 1º de janeiro, tenha impactos nos números de desmatamento no Brasil. E as atividades de fiscalização nos biomas só serão retomadas quando houver acordo entre governo e categoria, que reivindica a restruturação na carreira e melhores condições de trabalho.
Essa é a avaliação da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema Nacional), que representa mais de 5 mil servidores do Ibama, do ICMBio e do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), além de técnicos do Ministério do Meio Ambiente.
“A mobilização só vai parar no dia que um acordo for assinado. Se os pontos centrais não forem contemplados, certamente haverá um recrudescimento do movimento, podendo resultar até em greve geral da área ambiental”, afirmou em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato o diretor da Ascema, Wallace Lopes.
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Após três semanas de paralisação, Lopes, que também é fiscal do Ibama, fez um balanço da mobilização que congelou as operações em campo e os processos de licenciamento, com adesão de 90% da categoria.
Segundo ele, desde o início do ano houve uma queda de 93% nas multas pelo Ibama e pelo ICMBio. Caso o governo não faça um aceno positivo, a Ascema não descarta uma greve geral da categoria, que vive uma “insatisfação geral” com a falta de condições de trabalho.
“Claro que não é isso [aumento do desmatamento] que a gente deseja, afinal a gente tem trabalhado duro para mudar essa realidade, especialmente na Amazônia. Mas se o desmatamento voltar a subir, essa conta recai sobre quem tem o poder de resolver os problemas”, prosseguiu o servidor, em entrevista disponível na íntegra a seguir.
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Os servidores pedem a reestruturação da carreira, com equiparação salarial aos técnicos da Agência Nacional de Águas (ANA), e incentivos para quem atua em áreas remotas ou de conflitos ambientais.
A negociação é conduzida pelo Ministério da Gestão e Inovação (MGI), que afirmou seguir em diálogo com os servidores e ter a recomposição da força de trabalho como pauta prioritária, porém dentro de “limites orçamentários”. O MMA também considerou o tema prioritário e declarou que tem trabalhado para dar “desdobramento” à pauta da categoria.
Sob pressão dos servidores, o MGI marcou data para a retomada das negociações, em 1º de fevereiro.
“O fato é que essa mobilização forte dos servidores foi sentida pelo governo, e a segunda rodada de reuniões da mesa temporária foi marcada para o dia 1º de fevereiro. É uma sinalização positiva, mas que é fruto da nossa luta”, disse o servidor.
Entrevista na íntegra:
Brasil de Fato: Qual é o impacto da paralisação dos servidores ambientais e qual a porcentagem de adesão da categoria?
Wallace Lopes, diretor da Ascema e agente do Ibama: Praticamente todas as operações de fiscalização ambiental previstas para acontecerem em Janeiro de 2024 foram canceladas por falta de efetivo. Houve uma queda de 93% na lavratura de multas pelo Ibama e pelo ICMBio em janeiro. E essa queda só não é de 100% porque estamos dando encaminhamento em processos de infrações antigas que estavam pendentes, justamente por estarmos sempre priorizando as ações de campo.
A estimativa da Ascema Nacional é de uma adesão de mais de 90% da categoria. É meramente uma questão de tempo que isso tenha reflexo nas taxas de desmatamento e degradação ambiental em todo o país.
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Claro que não é isso que a gente deseja, afinal a gente tem trabalhado duro para mudar essa realidade, especialmente na Amazônia. Tanto que ajudamos a entregar uma taxa de redução de desmatamento surpreendente em 2023, com a mesma estrutura herdada do governo anterior. Isso é, incontestavelmente, fruto do nosso esforço, dedicação e da nossa lealdade não correspondida pelo governo.
Mas se o desmatamento voltar a subir, essa conta recai sobre quem tem o poder de resolver os problemas graves que estamos desde sempre indicando e apresentando soluções. O que não dá é para nós continuarmos arriscando as nossas vidas em campo sem as devidas condições de trabalho e sem o mínimo de dignidade. A gente tem dado o nosso sangue, mas não vamos entregar as vidas.
Após a paralisação, o governo sinalizou a retomada das negociações. Qual a chance de um acordo?
O fato é que essa mobilização forte dos servidores foi sentida pelo governo, e a segunda rodada de reuniões da mesa temporária foi marcada para o dia 1º de fevereiro. É uma sinalização positiva, mas que é fruto da nossa luta. Mesmo assim, não há garantias de que seremos atendidos em nossas reivindicações.
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Por isso, o movimento continua crescendo com servidores de vários setores dos órgãos ambientais federais informando ações para continuar pressionando o governo a apresentar respostas positivas em relação à reestruturação da carreira. Isso deve acontecer até o dia da reunião com MGI.
A continuidade do movimento depende exclusivamente da resposta que iremos receber do governo. Se os pontos centrais da nossa proposta não forem contemplados, certamente haverá um recrudescimento do movimento, podendo resultar até em greve geral da área ambiental.
A gente percebe claramente o sentimento de união e solidariedade entre os servidores e de insatisfação geral com as condições atuais de trabalho. Por isso, mobilização só vai parar no dia que um acordo for assinado.
A categoria tentou diálogo com o governo antes de paralisar a fiscalização?
A nossa proposta de reestruturação da carreira foi apresentada ao governo ainda em 2017 e desde então ela ficou engavetada. Nós atualizamos essa proposta em maio de 2023 e em agosto o MMA analisou, referendou e encaminhou para o MGI. A mesa de negociação temporária para discutir a reestruturação foi instalada e no dia 06 de outubro ocorreu a primeira de três reuniões previstas com o MGI.
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O prazo estabelecido pelo próprio MGI para as três reuniões ocorrerem era de 30 dias, mas isso não ocorreu. Foram várias tentativas em vão de retomada das negociações junto ao MGI. Mesmo assim, víamos mesas de outras carreiras avançando.
Houve uma tentativa de chamar a atenção para o problema durante a COP-28…
Durante a COP-28 enviamos uma carta às autoridades do governo informando a necessidade de retomada das ações de fortalecimento das instituições ambientais para que aquele discurso de proteção ambiental não fosse visto como vazio. Informamos que a continuidade das atividades externas pelos servidores estava em risco se nenhuma providência fosse tomada.
Mesmo assim, continuamos sem resposta. O ano estava chegando ao fim e os próprios servidores começaram a se manifestar pelas redes sociais dizendo que em 2024 não participaram de atividades externas e concentrariam esforços apenas nos enormes passivos administrativos.
Logo no início de janeiro uma nova carta foi produzida e assinada por 1500 servidores do Ibama e quase 700 servidores do ICMBio comunicando a paralisação de ações de campo. Desde então o movimento dos servidores só tem crescido.
Fonte: Brasil de Fato