Maria de Fátima Beraldo, gestora de Política de Igualdade Racial de Londrina considera que a aprovação do recurso possibilita ações de combate ao racismo e fortalecimento de políticas públicas
Na última terça-feira (28), a Câmara Municipal de Londrina (CML) aprovou, em primeiro turno, projeto de lei que cria o Fundo Municipal da Promoção da Igualdade Racial. A medida contou com 14 votos favoráveis e quatro contrários. Apoiadores acompanharam a sessão e ostentaram faixas com dizeres como “Londrina clama por justiça ao povo negro”. O recurso visa subsidiar atividades do Conselho Municipal da Promoção da Igualdade Racial, criado em 2007.
De caráter consultivo e propositivo, o órgão tem como finalidades desenvolver estudos e propor ações políticas dedicadas a inclusão das populações negras, indígenas, entre outras etnias vulnerabilizadas, valorizando suas culturas e conhecimentos. Agora, poderão ser apresentadas emendas nos próximos sete dias úteis antes da votação em segundo turno.
Maria de Fátima Beraldo, professora, mestranda em Sociologia pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) e gestora de Política de Igualdade Racial de Londrina, explica a importância da iniciativa: “o Fundo Municipal da Promoção da Igualdade Racial é fundamental para a captação de recursos a serem empregados na construção de políticas públicas que de certa forma assegurem aos povos historicamente discriminados e em situação de vulnerabilidade a superação das desigualdades raciais e sociais pelas quais eles são atingidos”.
Para Beraldo reconhecer a existência do racismo e combatê-lo, é primordial a fim da superação de desigualdades reproduzidas na sociedade brasileira há séculos. Assim, ela pontua que o financiamento contribuirá para a construção de ações voltadas à superação do preconceito, da discriminação racial e do racismo na cidade garantindo melhores condições de vida não apenas para coletivos subalternizados como negros e indígenas, mas para a população em geral, pois propicia a ampliação na oferta de políticas públicas.
Beraldo explica também que a disponibilidade e aplicação do Fundo segue normativas que estão em consonância com legislações estaduais e nacionais, a exemplo da Lei nº 12.288 que estabelece o Estatuto da Igualdade Racial. “São recursos que vem de fundo para fundo, então, para que Londrina possa receber qualquer investimento seja do governo federal ou do governo estadual, precisa criar um fundo municipal, do contrário, não tem como acessar estes valores”. Segundo informações da Agência Estadual de Notícias, em 2021, o Fundo Estadual de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Paraná possuía cerca de R$ 2 milhões em caixa.
A urgência de sermos antirracistas
Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022 demonstram que, entre 2018 e 2021, os crimes de racismo no Brasil saltaram de 1.429 para 6.003, representando aumento de 31%. Além disso, a pesquisa aponta que, apesar do número de mortes violentas ter recuado 6% no ano passado ante ao anterior, 2020 (foram 47,5 mil ocorrências em 2021 e 50 mil em 2020), a população negra continua sendo a mais vitimada no país. Dos homicídios notificados, 77,9% das vítimas eram negras e a maioria (91,3%) do gênero masculino.
No Paraná, os registros de injúria racial recuaram de 1.020 em 2020 para 1.010 em 2021. Já as queixas de racismo aumentaram de 95 casos em 2020 para 158 em 2021, indicando crescimento de 65,2%. A explosão dos ataques racistas também é lembrada por Beraldo durante entrevista: “Nós temos observado recentemente não só na UEL, também nas escolas estaduais, municipais e em todos os espaços da sociedade, um aumento muito grande de crimes de racismo. Parece que, de repente, as pessoas resolveram mostrar para a sociedade o que elas têm de pior”.
Em 2021, o Ministério Público (MP) expediu recomendação para que a UEL adotasse medidas de combate ao racismo no meio acadêmico após denúncia de que uma docente do curso de Letras utilizou expressões de cunho racista. Em maio 2022, inscrições racistas e de apologia ao nazismo foram identificadas em banheiro do Centro de Ciências Exatas da Universidade, o que levou a organização de uma marcha antirracista e pela diversidade no campus.
Também neste ano, o MP determinou que uma escola estadual da cidade realizasse atividades em prol da igualdade racial após denúncias de racismo contra estudantes. Mediante o crescimento de ocorrências, a gestora compreende que o Fundo pode cooperar, por exemplo, para a efetivação da Lei nº 10.639, que determina a obrigatoriedade do ensino sobre história e cultura afro-brasileira.
De acordo com Beraldo, o cumprimento da legislação ainda é um desafio em todo o país: “a garantia das discussões sobre diversidades nas escolas é fundamental para garantir direitos às crianças negras, mas também para assegurar o direito de aprendizagem e conhecimento a toda comunidade escolar”. Outra ação que poderá ser mediada é o investimento em formação de servidores públicos com o intuito de extinguir o racismo institucional e estrutural, opressão que dificulta o acesso a direitos e serviços públicos.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.