A última sexta-feira, 2 de fevereiro é considerado Dia de Iemanjá. Cultuada pelas religiões de matriz africana, como umbanda e candomblé, a divindade é conhecida como “rainha do mar”. Assim, face ao sincretismo que marca o campo religioso brasileiro, ela é associada no catolicismo, à Nossa Senhora dos Navegantes. Juliana de Almeida, licenciada em História pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e pesquisadora das religiões afro-brasileiras, explica que a tentativa de correspondência entre orixás e santos foi caracterizada por extrema opressão.
A pesquisadora lembra que frequentemente a imagem de Iemanjá é retratada através de uma mulher branca, porém originalmente, trata-se de uma divindade negra. Para ela, o embranquecimento corresponde à uma violência, resultante de racismo, que tenta deslegitimar os saberes e estética de negras e negros, descaracterizando-os a fim de enquadrá-los no padrão eurocentrado.
“As religiões dos povos originários, de matriz africana foram criminalizadas e impedidas de se manifestarem durante até a proclamação da República, quando o Estado passou a garantir, ao menos em tese, a liberdade religiosa. Para sobreviver durante estes períodos de perseguição, as manifestações não hegemônicas passaram por processos de assimilação com as expressões dominantes, eminentemente o catolicismo. Foram movimentos marcados por violências”, afirma a historiadora.
E desde então as opressões não cessaram. De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), embora o catolicismo esteja perdendo adeptos no país, a religião ainda mantém a liderança no país, com cerca de 123 milhões de fiéis. Em seguida estão os evangélicos, com aproximadamente 113 milhões. Já adeptos das religiões de matriz africana, representavam apenas 0,3% no último Censo. Porém, pesquisadores da área alertam para defasagem dos dados e subnotificação, visto que muitos membros não se declaram frequentadores por receio de serem vítimas de intolerância.
Os seguidores de religiões africanas estão em ascensão na América do Sul, segundo informações disseminadas pela Agência Brasil nesta segunda-feira (5). No Uruguai, por exemplo, o número de pessoas que pratica uma religião de origem africana mais do que dobrou em 12 anos, atingindo 2,1% da população em 2020, em comparação com 0,7% em 2008.
Intolerância
Em 2018, foram registradas 615 denúncias de intolerância religiosa no Brasil. O número saltou para 1.418 em 2023, um aumento de 140,3%. Já o número de violações (diversos tipos de violência relatados) passou, no mesmo período, de 624 para 2.124, um salto de 240,3%.
Entre 2022 e 2023, o aumento das denúncias foi de 64,5% e, o de violações, de 80,7%. Os estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia são os que mais têm denúncias. A intolerância religiosa representa um terço (33%) dos processos por racismo em tramitação nos tribunais brasileiros, segundo levantamento da startup JusRacial. A organização identificou 176 mil processos por racismo em todo o país.
A Renafro (Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde), em parceria com o centro de candomblé Ilê Omolu Oxum, lançou uma pesquisa inédita para mapear casos de racismo religioso no Brasil. O estudo faz parte do projeto “Respeite meu terreiro”, que pretende localizar e entender como se dá a violência contra os povos de religiões de matriz africana no país. O formulário está disponível aqui.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.