Por Franciele Rodrigues, Gustavo Batista e Leiliani Peschieira
Os jovens estão interessados em participar de outra votação, bem mais ampla que as enquetes do Instagram
Nos períodos em que o Brasil vai às urnas, grande parte dos adolescentes não fazem questão de aderir ao voto, que é facultativo para quem possui entre 16 e 17 anos. Com a atual configuração política, no entanto, muitos não aguardaram a maioridade para contribuir com o futuro do país.
Conforme informações do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), 86.128 pessoas abaixo dos 18 anos estão habilitadas a votar em 2022 no Paraná. O TRE antecipa que a real quantia será ainda maior, já que se encontravam em análise algumas solicitações para a obtenção do título de eleitor. Trata-se de um aumento relevante, considerando que eram apenas 36.725 inscritos na mesma situação em 2020.
A guinada no número de jovens eleitores veio após uma ampla campanha nas redes sociais. A população tinha até 4 de maio para estar em dia com a Justiça Eleitoral e, assim, conseguir votar. Com o prazo cada vez mais próximo, celebridades com alto poder de influência incentivaram o seu público a exercer a cidadania. A mobilização chegou a receber apoio internacional, já que até o ator Leonardo DiCaprio pediu que a juventude brasileira participasse do processo.
O primeiro turno das eleições ocorre no dia 2 de outubro, mas os concorrentes já parecem buscar uma boa aceitação entre o público de menos idade. O ex-presidente Lula (PT) abriu espaço em sua agenda para participar do podcast Podpah. Sob o comando de Igor Cavalari (Igão) e Thiago Marques (Mitico), a atração virou um fenômeno entre os jovens e já acumula mais de cinco milhões de inscritos no YouTube. A entrevista com o petista foi assistida por cerca de nove milhões de internautas.
O perfil de Bolsonaro (PL) no Twitter vem vinculando o que alguns chamam de “meme”. O presidente também abriu conta no TikTok, aplicativo que virou febre desde a pandemia. As estratégias são vistas por muitos como uma tentativa de trazer o eleitorado jovem para mais perto.
Mas nenhuma postagem antenada à nova linguagem das redes o fará receber o apoio de Rayane Rodrigues, de 19 anos. A estudante de Psicologia vai votar pela primeira vez em 2022 e afirma que não se vê representada pelo atual mandatário. Ela reprova a postura do governo federal tanto nas medidas contra a pandemia do novo coronavírus como nos setores da educação, saúde e economia. “Os valores dos combustíveis e produtos nos supermercados estão extrapolados, enquanto o salário é reduzido. O valor que recebemos não é condizente com o total que precisamos gastar. Eu espero um candidato alinhado com os verdadeiros interesses da população brasileira e preocupado com o bem-estar do país”, diz ela.
A promotora de vendas Larissa da Luz, de 19 anos, se diz insatisfeita com os preços cobrados nos insumos básicos e também reclama da saúde pública. Diante dessas dificuldades, a jovem vê nas eleições uma chance de mudança. “Espero muito que as pessoas repensem suas decisões na hora de votar e escolham um candidato melhor para todos nós. Precisamos de melhorias nos hospitais, sobretudo nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), nas escolas e no preço dos alimentos”, completa.
Juventudes e política
Para a socióloga e professora, Letícia de Oliveira, é necessário olharmos para as juventudes – no plural. Isto porque, segundo a pesquisadora, marcadores sociais como renda, pertencimento étnico-racial, gênero, religião, localização, são elementos que influenciam na trajetória dos jovens, nas formas como organizam suas vidas e visões de mundo.
Os dados divulgados pelo TRE-PR ainda não permitem uma leitura mais atenta sobre o perfil dos jovens que desejam ir às urnas, mas é importante considerar que, sobretudo, “as juventudes periféricas são as que mais sofrem com as políticas de austeridade comandadas por Bolsonaro e Ratinho Júnior (PSD)”, afirma Oliveira.
Para ela, o crescimento do eleitorado jovem em todo Brasil, também contribui para a desconstrução do estigma de que as juventudes não possuem interesse por política: “há uma ideia muito difundida de que os jovens são apáticos, que eles não se envolvem nas questões políticas, que não se preocupam com o futuro do país, mas eles têm demonstrado que isso não é real”, pontua.
Como lembra Oliveira, em diversos momentos da história, a exemplo do período de vigência da ditadura civil-militar (1964-1985), os jovens formaram um dos grupos de maior resistência frente às violências perpetradas. Naquele período, o movimento estudantil tomou as ruas, propôs debates, organizou jornais que se tornaram expoentes da imprensa alternativa (Em Londrina, estudantes criaram o periódico “Terra Roxa”). Tudo para chamar a atenção da população e mobilizá-la nas lutas contra a repressão.
Passadas mais de três décadas, entre 2015 e 2016, novamente jovens foram protagonistas na política nacional ao ocuparem escolas em diferentes estados (como São Paulo, Paraná) contra a reforma do ensino médio, fechamento de turmas, entre outras ações que, conforme denunciaram à época, levariam ao sucateamento ainda maior da educação pública. Este momento denominado de “primavera secundarista”, também foi importante para “demonstrar que as juventudes não estão alheias ao debate público”, avalia a pesquisadora.
O sinal está fechado para eles que são jovens?
Em 2019, o país somava 47,2 milhões de jovens de 15 a 29 anos, ou seja, 28% da população ativa acima de 15 anos. Entretanto, os jovens totalizavam mais da metade dos trabalhadores desempregados, chegando a 54%. Em todo o mundo, 67,9 milhões de jovens não estavam inseridos no mercado de trabalho. Os dados foram levantados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
Com o avanço da crise econômica, agravada pela pandemia do novo coronavírus, informações recolhidas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) apontam que houve aumento no nível de desocupação, principalmente, em decorrência de jovens que desistiram de procurar emprego por não terem esperanças de que irão encontrar. Oliveira destaca que tem sido recorrente o uso da expressão “geração nem-nem” para referir-se aos jovens que não trabalham e nem estudam.
Mas, para ela, esta classificação pode dificultar o entendimento mais aprofundado da realidade enfrentada pelas juventudes no país. De acordo com a pesquisadora a ideia de “geração nem-nem” culpabiliza os jovens pelas próprias dificuldades sofridas “ao responsabilizá-los pela falta de perspectivas profissionais, estamos olhando apenas para a consequência do problema. O que leva os jovens a desistirem de estudar, de desejarem construir uma carreira e construírem uma vida? Precisamos enxergar os motivos que os conduzem a este cenário”, sinaliza.
Para Oliveira, a falta de políticas públicas nas áreas da educação, trabalho, cultura e lazer é uma das justificativas, o que atinge, sobretudo, as juventudes pobres e negras. “Como cobrar que este jovem tenha perspectiva e sonhe com um amanhã se ele não possui acesso a direitos básicos hoje?”, ela questiona. De acordo com a estudiosa, a indignação com o atual contexto político do país, marcado pela precarização das relações trabalhistas, aumento das desigualdades socioeducacionais, criminalização das artes, entre outros fenômenos, pode explicar a maior procura das urnas pelas juventudes.
“Sabemos que pensar que todos os jovens são revolucionários e desejam mudança também é um estigma. Existem jovens conservadores que apoiam as políticas neoliberais, das quais são uma das principais vítimas ao considerarmos que elas afetam diretamente investimentos em áreas fundamentais como educação. Ainda é muito cedo para definir em qual sentido estes jovens irão caminhar. Mas o que muitos deles têm evidenciado é a insatisfação com o quadro atual e isso, penso que é algo, sim, transformador”, ela conclui sorrindo.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.