Em dez anos, quantidade de funcionários caiu de 39 mil para 19 mil, sendo a aposentadoria o principal motivo
Um dos principais desafios do país, na área trabalhista, é zerar o tempo de espera na fila do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), órgão que, assim como outros, foi intensamente sucateado nos últimos anos, conforme aponta Viviane Peres, assistente social, servidora do INSS em Londrina e membra da diretoria da FENASPS (Federação Nacional de Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social).
“O INSS enfrentou um desmonte imenso nos últimos anos, como as demais políticas públicas que foram atacadas. O INSS continua aprofundando o desmonte sem uma perspectiva real de reestruturação das condições de trabalho, de fortalecimento do atendimento nas agências”, adverte.
Em 2022, ainda sobre a gestão de Jair Bolsonaro (PL), o INSS sofreu corte de R$ 988 milhões, o que à época, equivalia a 41% do orçamento da pasta. Ao mesmo tempo, os pedidos de benefícios como aposentadorias, abono salarial, seguro-desemprego e BPC (Benefício de Prestação Continuada) não param de chegar.
Em dezembro de 2022, eram um pouco mais de 1 milhão de solicitações em análise. Já no mesmo período de 2023, o número chegou a mais de 1,5 milhão de pedidos aguardando resposta. Em julho último, novo aumento: 1,8 milhão de trabalhadores esperavam retorno.
No discurso de posse do mandato em curso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), prometeu acabar com a fila. O compromisso foi reiterado pelo ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, porém com a ressalva de que zerar a fila seria “impossível”, mas que diminuir o tempo de espera seria a prioridade da autarquia.
O desafio é alcançar a espera de 30 dias para a concessão de benefício, ainda que a quantidade em análise permaneça alta. Nos últimos meses, o prazo diminuiu, mas ainda permanece superior a meta. Em janeiro de 2023, em média, o requerente aguardava 79 dias para ser atendido, ou seja, quase três meses. Já em dezembro do mesmo ano, a espera regrediu para 47 dias.
O mandatário entregou seu 2º governo, em dezembro de 2011, com tempo médio de espera de 27 dias. O petista chegou ao seu menor número em dezembro e novembro de 2008, com espera de 21 dias. Os dados são do BEPS (Boletim Estatístico da Previdência Social).
Em julho do ano passado, o governo federal iniciou uma força-tarefa para a redução do tempo de espera. O presidente editou Medida Provisória nº 1.181/2023, que foi sancionada como lei, em novembro (Lei nº 14.724) e estabeleceu a criação do Programa de Enfrentamento à Fila da Previdência Social.
Déficit de servidores
Para tentar diminuir a espera, o governo federal tem investido cada vez mais no uso de inteligência artificial. Como exemplo, programas da Dataprev, empresa de tecnologia e informações da Previdência, têm feito varreduras em atestados médicos enviados pela internet para dar entrada em pedidos de benefício por incapacidade temporária.
Porém, as dificuldades são maiores. Atualmente, o INSS tem mais vagas desocupadas do que servidores em atividade. O déficit chega a 21 mil cargos em aberto. Em dez anos, quantidade de funcionários caiu de 39 mil para 19 mil, sendo a aposentadoria o principal motivo.
Além disso, o fechamento de agências e a falta de condições básicas de trabalho como acesso à internet de qualidade também dificulta o atendimento. “O INSS fez uma modernização imensa no processo de trabalho dos servidores, no entanto, não investiu nas condições físicas, a gente tem sistemas com inconsistências constantes, internet extremamente frágil. É preciso investir nesta infraestrutura e reestruturar o INSS”, acrescenta Peres.
De acordo com a liderança, entre as mesas temporárias abertas para negociação dos planos de carreira e recomposição salarial dos servidores federais, uma está concentrada nas demandas do INSS. Porém, até o momento, as reivindicações da categoria não foram atendidas.
“Teve uma primeira reunião da mesa específica do INSS e o governo ficou de nos dar uma resposta, agendando uma segunda reunião há 20 dias, estamos cobrando o governo, estamos em estado em greve, construindo a greve, caso a gente não tenha esse processo de negociação é muito provável que a gente construa uma greve forte”, afirma.
Conforme informado pelo Portal Verdade, após perdas acumuladas desde 2016, o funcionalismo público federal solicita recomposição salarial de 22% a ser paga pelos próximos três ano, já começando em 2024. No entanto, o Palácio do Planalto anunciou ‘reajuste zero’ neste ano, indicando apenas a possibilidade de mudanças nos valores de benefícios como auxílio-alimentação e auxílio-creche.
A medida é criticada pelas entidades sindicais das diferentes categorias que apontam, entre outros prejuízos, que o reajuste somente dos benéficos não contempla grande parte do segmento: as aposentadas e aposentados (saiba mais aqui).
Rejeitando a proposta, servidores de institutos e universidades federais localizados em diferentes regiões do país, paralisaram as atividades deste o início deste mês. A possibilidade de uma greve geral de todo funcionalismo federal não está descartada.
“Precisamos de negociação efetiva, de reestruturação da carreira, do INSS, que é uma das maiores políticas públicas desse país, responsável por atender milhares de brasileiros, por redistribuir renda para o povo”, ela observa.
Adoecimento da categoria
Ainda, a servidora chama atenção para o adoecimento, sobretudo, psicológico da categoria, o que tem levado a grande contingente de afastamentos. “Nós vivemos hoje no INSS um alto índice de adoecimento da categoria. Ante à logica privada que foi implementada, lógicas abusivas de produtividade. Os poucos servidores que restaram no INSS, parte está adoecida, muitos servidores com adoecimento mental diante das medidas adotadas e assédio moral institucionalizado”, diz.
Em 2019, período em que é implantado bônus por produtividade, os servidores passam a ampliar a jornada para 10, 12 e até 15 horas. A sobrecarga de trabalho gerou o afastamento de mais de 64% dos trabalhadores do INSS desde então.
Em novembro de 2022, assim que foi instituída equipe de transição de governo, a FENASPS apresentou um dossiê do caos vivido no INSS (veja aqui) ao Ministério da Previdência Social. Entre as reivindicações apresentadas pelo coletivo estão incorporação da GDASS (Gratificação de Desempenho de Atividade do Seguro Social) no vencimento básico, exigência de nível superior para ingresso na carreira e realização de concurso público.
“É preciso que o governo Lula chegue no INSS, a impressão que temos é que o governo Lula não chegou na maior autarquia desse Brasil. Seus servidores merecem respeito bem como a população que necessita de seus benefícios também merece respeito”, finaliza.
Mutirão em Londrina
Nos próximos sábado e domingo (dias 27 e 28 de abril) das 7h às 17h, o INSS de Londrina promove um mutirão para agilizar o processo de perícia e diminuir o prazo de espera que chega a três meses na cidade.
Ao todo, são 1.400 vagas disponíveis. Os agendamentos podem ser feitos pelo telefone 135. As avaliações acontecerão na Rua Visconde de Mauá, nº 161 e na Avenida Duque de Caxias, nº 1.135.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.