Bolsonaristas inconformados com linguagem neutra utilizada em cartaz pedem a retirada do material instalado pelo Néias no Legislativo
Fonte: Rede Lume de Jornalistas
Uma palavra escrita em linguagem neutra foi a justificativa para os dois principais representantes do bolsonarismo na Câmara Municipal de Londrina, os vereadores Jessicão e Santão, exigirem a retirada de uma exposição montada na Casa em homenagem a mulheres londrinenses vítimas de feminicídio.
A exposição havia sido instalada no Legislativo na semana passada pelo Néias-Observatório de Feminicídios Londrina, com autorização da Procuradoria Especial da Mulher e da direção da Câmara. Ao observarem o nome do memorial, “Nenhume a menos”, ambos os vereadores começaram a insuflar suas militâncias pelas redes sociais contra o que chamam de desrespeito às mulheres.
E não pararam por aí. Fizeram um abaixo-assinado com apoio de outros sete colegas exigindo que a direção da Câmara retirasse a exposição. Segundo Néias, o diretor da Casa, Leandro Rosa, convocou as representantes do movimento na quinta-feira, dia 9, para solicitar a retirada do material, que aconteceu nesta segunda-feira (13).
“Nós recebemos essa ordem de retirada com muita surpresa e indignação. É um trabalho para dar visibilidade às mulheres que foram vítimas de feminicídio nesta cidade, desde 2015. Temos ali 42 mulheres e duas crianças. O nosso trabalho é zelar pela memória dessas mulheres”, disse a representante do Observatório, Silvana Mariano, ela mesma afetada diretamente pelo feminicídio. Foi o assassinato de sua irmã, Cidneia Aparecida Mariano, que motivou a criação da entidade.
Questionada em entrevista coletiva se considerava que a linguagem neutra estaria sendo tratada pelos vereadores como um assunto mais importante que a morte das mulheres, ela respondeu: “Com certeza. A relevância que os termos da linguagem neutra ganhou para esses vereadores significa que são pessoas para as quais os feminicídios ali representados não importam, não contam.”
A vereadora Sônia Gimenez, procuradora da Mulher no Legislativo, lamentou o posicionamento dos colegas. “Outras questões, para mim, são supérfluas quando nós pensamos nas mortes dessas mulheres, na situação de violência que elas passaram. Então, esse é o foco. O foco é a questão da violência contra a mulher.”
E elogiou o trabalho do Observatório. “O Néias tem feito um trabalho brilhante, trazendo à tona aquelas peças que os processos muitas vezes escondem. Temos meninas, jovens, senhoras. E nós temos um grupo representativo para dizer basta, chega de violência.”
Exaltado, o vereador Santão não gostou de ser questionado pela Rede Lume se a linguagem neutra era mais importante que a morte das mulheres: “Para mim, é. A minha mãe não é nenhume, a minha avó não é nenhume, a minha filha não é nenhume. A minha mãe não é pessoa que menstrua, a minha mãe não é pessoa que tem buraco bônus”, reclamou.
Ele também se irritou ao ser questionado se o ato de retirada configuraria censura.
“Obviamente que não. Por quê? Censura é essas coisas que você prega aí, entendeu? Eu conheço você, você não é da Rede Lume? Então, censura é aquilo que você prega lá nas suas redes sociais”, criticou, sem dizer que tipo de censura a Rede Lume realiza.
Jessicão também atacou o Néias. Para ela, ao utilizar a linguagem neutra, o Observatório estaria desrespeitando as mulheres.
“A gente poderia hoje estar aqui falando sobre todas as mulheres que estavam coladas nessa parede, mas elas (representantes do Observatório) tentaram usar a linguagem neutra para lacrar e acabaram jogando no chão uma luta tão importante que é a defesa das mulheres.”
Ela também negou a prática da censura. “Claro que não. Tirar uma coisa que não existe? Linguagem neutra não existe. É um devaneio para a cabeça de uma pessoa mal intencionada e que faz com que essas lutas percam totalmente a sua força.”
No fim da tarde, a Câmara Municipal emitiu nota, assinada pelo diretor Leandro Rosa, na qual afirma que, na reunião com as representantes do Néias foi apresentada a possibilidade de levar a Plenário, para votação, a permanência do memorial.
“Esta proposta permitiria que os 19 vereadores votassem e decidissem sobre a continuidade do painel conforme está. A proposta, contudo, foi rejeitada e o Néoas optou pela retirada do manifesto.”, diz a nota.
Néias, porém, emitiu nota posterior apontando que a versão não corresponde aos fatos. De acordo com a entidade, a possibilidade de votação em Plenário partiu de uma das representantes do Observatório.
“A proposta de a Procuradoria da Mulher fazer requerimento para a manutenção do memorial e levar para votação do Plenário partiu de Paula (Vicente), ao que o diretor da CML respondeu que o memorial deveria ser retirado antes de se propor a votação. Esta possibilidade de retirada e posterior votação não foi acataca por Néias, por considerarmos um insulto a expulsão por si só.”, finaliza a organização.