Gestantes e mães que deram à luz comentam sobre dificuldades enfrentadas com maternidade e cobrança pela performance de um perfil “feliz”
Ao se tratar da maternidade, principalmente no Dia das Mães, comemorado no último domingo (12/5), é comum ver esse laço de parentesco ser resumido a um momento exclusivamente de alegrias. No entanto, para uma em cada quatro pessoas que dão à luz no Brasil, essa pode ser uma experiência angustiante, traumática e solitária.
Elaborado pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP-Fiocruz), o estudo Nascer no Brasil, maior pesquisa de parto e nascimento feita no país até o momento, revela que 26,3% das gestantes do país apresentaram algum sintoma de depressão após o parto.
O dado é maior, inclusive, do que a expectativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) para países de baixa renda, que é menor que 20%.
Entre os sintomas da depressão pós-parto estão: insônia, perda de apetite, apatia, falta de disposição, irritabilidade intensa e sentimentos de pânico. Na maioria dos casos, os sinais costumam ser identificados entre os seis e 12 primeiros meses após o nascimento dos bebês.
Os motivos para o número elevado de casos são diversos. Em primeiro lugar, há as alterações fisiológicas por quais passa o corpo de uma pessoa grávida. “Durante a gestação, ocorre uma variação do estrogênio e da progesterona, os ‘hormônios femininos’, que têm efeito neuroendócrino: afetam o corpo, mas, também, o centro de humor da gestante”, afirma a especialista em ginecologia e obstetrícia, Janice Bauab.
Além disso, nos dois primeiros meses pós-gravidez, ocorre uma readaptação dos níveis hormonais conhecida popularmente como “baby blues“. A fase costuma se distinguir pela variação de humores da pessoa no puerpério, bem como por sinais de apatia e falta de disposição. No entanto, o quadro não se configura necessariamente como uma depressão.
Para Janice, apesar de essas alterações serem suficientes para colocar gestantes “em uma posição de fragilidade emocional e psicológica”, outros fatores podem ter papel considerável para desenvolvimento do quadro depressivo.
“Em média, 70% das mulheres que passam pela depressão pós-parto têm ou tiveram algum outro diagnóstico [da doença] ao longo da vida. Outras condições, como diabetes ou o histórico familiar, também podem ter um papel muito importante. E, claro, fatores psicossociais, como o contexto da gestação, a insuficiência de recursos ou a falta de uma rede de apoio, fortalecem ainda mais essa condição”, completou a médica.
Abandono
Diagnosticada com depressão pós-parto, Darla Rodrigues, 21 anos, não teve uma gestação como esperava, especialmente pela falta de apoio da família e do pai da criança.
“Eu ia às consultas, escutava o coração do bebê e queria contar para alguém, mas ninguém fazia questão. Meu pai duvidava de mim e de que eu fosse cuidar de meu filho, porque eu era muito jovem e não tinha um relacionamento com o genitor [do bebê]. Para mim, era como se fosse o fim da linha, e eu sentia uma culpa muito grande de estar grávida”, desabafou a mãe de Leonam, 5 meses.
Além da solidão provocada pela própria família, Darla lidou com a perda de amizades e com a mudança de tratamento das pessoas com ela, conforme a gestação avançava. “Eu esperava que fosse ser mais amada, mas as pessoas viam apenas uma barriga. Cada vez que minha ela crescia, eu era mais deixada de lado. Os outros se interessam, tocam-na e até conversam com ela, mas se esquecem de você. Então, eu comecei a ter crises ainda piores. Várias vezes cheguei a pensar em fazer algo comigo, se não fosse pelo bebê”, confessou a jovem.
Apoio materno
Devido às crises e a um histórico prévio de necessidades psicoterapêuticas, Darla teve de ser internada na 30ª semana de gestação. Durante o período no hospital, ela conheceu o serviço de atendimento perinatal oferecido pelo Sistema Unificado de Saúde (SUS), onde conheceu a psicóloga Lorena Alves, 31, que estava no sétimo mês de gravidez.
Apesar das expectativas que tinha pela maternidade, Lorena engravidou em um momento que não estava preparada. “Eu tinha perdido minha irmã havia menos de um ano e passava por uma depressão. Em nenhum momento da gestação eu via aquela criança como minha. Eu tinha liberdade para trabalhar, viajar, e aquela fase era como uma sentença. Eu sentia muita culpa e que não tinha lugar neste mundo”, relatou.
A mãe de Lara, 4 meses, contou que, assim como Darla, teve pensamentos de autoextermínio. O quadro só não levou a consequências graves devido a uma internação e ao apoio de Divânia, avó materna da criança. “Ela fez o enxoval e me levou para todas as consultas. Eu não tinha forças nem disposição para lidar com aquilo, mas eu via que isso a fazia superar o luto [pela morte da outra filha], então continuei”, completou a psicóloga.
Subnotificação
Entre as várias consequências da depressão pós-parto, o suicídio aparece nas pesquisas como uma das mais graves. Dados do Painel de Monitoramento da Mortalidade Materna estimam que, em cada 100 mil gestações, o número de mães que tiraram a própria vida é o dobro daquele referente às mortes por hemorragia no parto e maior do que os casos de infecção puerperal.
E, quando não são fatais, os efeitos da depressão pós-parto podem durar décadas, segundo a psicóloga perinatal e de parentalidade Alessandra Arrais. “Um dia, uma paciente de 40 e poucos anos chegou a meu consultório, disse ter um sentimento de pânico muito grande e que sentia isso desde que a filha nasceu. Quando perguntei a idade da menina, ela respondeu: ‘É essa moça de 20 anos que veio me deixar na consulta’”, detalhou a especialista.
Ainda segundo a psicóloga, relatos como esse não são incomuns no Distrito Federal. Seja na rede pública ou privada, ainda é perceptível a falta de conscientização de profissionais e da população, o que faz da depressão pós-parto uma doença com altos índices de subdiagnóstico.
Alessandra destacou, porém, ser possível identificar esses sintomas nos os primeiros meses da gestação. No entanto, os estereótipos sobre a maternidade dificultam a percepção dos sinais. “Comentários como ‘Não há motivo para você ficar triste’ ou ‘Não era você quem queria ter filho?’ ou ‘Você se arrependeu de ser mãe?’, ditos principalmente pelos parceiros ou pela família da gestante, fazem com que ela se esqueça de cuidar de si ou se sinta culpa por isso”, alertou a psicóloga.
Efeitos prolongados
Grávida há cinco meses, a universitária Lays Justo, 21, conta com o namorado, João Pedro, 22, e as famílias de ambos, mas ainda se sente despreparada para lidar com esse momento.
“Tenho medo de não cuidar do meu filho, não consigo dormir pensando nisso e não tenho mais disposição. Não me sinto eu mesma nem pronta para ser mãe”, desabafou.
A psicóloga Rita Rocha, 48, também enfrentou a inexperiência e a sensação de despreparo para ser mãe quando engravidou do primeiro filho, aos 17 anos. “Eu não cogitava engravidar nessa idade nem tinha segurado um bebê no colo antes [à época]. Não conseguia nem ficar com meu filho sozinho, pois tinha medo de que não fosse capaz de mantê-lo vivo”, recordou-se a mãe.
Outro ponto que provoca angústia para muitas mães é o fato de que os sintomas da depressão pós-parto não afetam apenas a elas, como também o desenvolvimento social, afetivo e cognitivo dos bebês. Os efeitos ainda podem se prolongar durante a infância e a adolescência dos filhos.
Por causa disso, Rita lidou com os sintomas da doença até a segunda gestação. Só depois de seis anos e dois filhos, ela superou medos e encontrou autoconfiança, segundo relatou. “Encontrei meu propósito na dor, voltei a estudar e me formei, junto a meu filho, em psicologia. Hoje, atendo outras mães, para que elas tenham um apoio que, naquela época, eu não tive”, completou.
Atualmente, Rita atende mães e adolescentes em seu próprio instituto, que leva seu nome, em Taguatinga. Rita também apresenta um podcast voltado à maternidade; e é uma das coordenadoras do movimento Maio Furta-Cor, que chama a atenção para o cuidado com a saúde mental materna. Após dois anos de campanha, a iniciativa tem mais de 300 representantes nas cinco regiões do Brasil e em 17 países.
Fonte: Metrópoles