Entidades denunciam o desmantelamento da modalidade de ensino no estado que perdeu mais de 90 mil alunos nos últimos quatro anos
No início deste mês, a SEED (Secretaria Estadual de Educação) publicou novas orientações para o reconhecimento e a utilização de ausência justificada por critérios, a AJUS, na educação de jovens e adultos (acompanhe documento disponível aqui).
Entre as instruções, a normativa estabelece que a ausência justificativa deverá ser “utilizada para estudantes que necessitam se ausentar da instituição de ensino em aulas ou dias específicos devido a motivos laborais, familiares, sociais, econômicos, de saúde, jurídicos, de transporte e de intempéries da natureza, passando a ser reconhecidas como justificativas de ausência”.
Ainda, a resolução prevê que os estudantes matriculados na modalidade poderão requerer a ausência justificada a partir do momento em que ultrapassar o limite de 25% de faltas, porém não devem exceder 50% de faltas. Ainda, solicita a realização de atividades pedagógicas complementares domiciliares.
A diretriz tem sido criticada por educadores que consideram mais uma forma de aligeirar a formação dos alunos. Para os especialistas, a medida anunciada por Ratinho Júnior (PSD) visa atingir apenas melhores índices de frequência e nas avaliação de larga escala. Resultados que frequentemente não significam aprendizagem efetiva.
Ivo Ayres, professor de História, integrante do Fórum Paranaense de Educação de Jovens Adultos (EJA) e diretor da APP-Sindicato (Sindicato dos Professores e Funcionários de Escola do Paraná) – Núcleo Sindical de Londrina, destaca que já há algum tempo, as duas entidades vem denunciando o desmonte desta modalidade da educação básica, iniciado ainda nos governos de Beto Richa (PSDB) e que vem sendo fortemente intensificado no decorrer das gestões de Ratinho Júnior.
“O golpe fatal na educação voltada ao atendimento de jovens e adultos pertencentes, em sua maioria, à classe trabalhadora, ocorreu quando da implantação, em 2020, do atual modelo de organização por blocos de disciplinas em regime semestral, com cinco aulas diárias e horários rígidos de entrada e saída da escola, extinguindo a oferta de aulas por disciplinas autônomas que possibilitava aos estudantes optar por matricular-se nas formas de atendimento coletivo ou individual e que, desse modo, respeitava suas necessidades e especificidades, como seus dias e horários disponíveis para estudar”, pontua.
O docente lembra que a aprovação pelo Conselho Estadual de Educação do atual modelo, no final de 2019, foi realizada em curtíssimo prazo e sem discussão com as comunidades escolares. De acordo com ele, naquele momento, o Fórum Paranaense de EJA e a APP-Sindicato já anunciavam que esta oferta resultaria no aumento da infrequência e na queda de matrículas nas escolas da EJA (saiba mais aqui).
Este anúncio foi comprovado pelo Censo Escolar de 2023, indicando que as matrículas dessa modalidade na rede estadual despencaram de 125.881 para apenas 31.743, representando uma queda de 75% no número de estudantes, comparado com a quantidade que havia em 2019.
“O fato é que o governo de Ratinho Júnior, via SEED-PR, ao tentar adaptar o sistema escolar que atende crianças e adolescentes à modalidade da EJA, criou uma forma de organização curricular que já nasceu condenada. Com as quedas de matrículas, as ações de governo têm sido as de fechar turmas, turnos e até mesmo escolas desta modalidade de educação, incluindo CEEBJAs [Centros de Educação Básica para Jovens e Adultos], que são instituições criadas especificamente para atuar com a educação de jovens e adultos”, adverte.
Comunidades escolares são assediadas
Ayres pontua que o documento vem ‘oficializar’ uma situação que já tem ocorrido nas escolas: a aprovação compulsória. A prática tem levado a intensificação da precarização do trabalho docente e a casos de assédio.
“Porém, como o governo estadual tem por obrigação constitucional garantir processos de escolarização para jovens e adultos, o faz com constantes mudanças de orientações, sempre com o objetivo de garantir índices que favoreçam politicamente o seu mandatário, ou seja, ações que visam maquiar a realidade. A mais nova é a orientação de ‘ausência justificada’ para EJA, que nada mais é do que regulamentar o que já vem sendo praticado há muito tempo nas escolas. Frente ao atual modelo, muitos estudantes trabalhadores matriculam-se no começo do semestre, mas não conseguem estar presentes todos os dias da semana na escola e nem cumprir o horário imposto das 18h20 às 22h40 e acabam faltando muito às aulas ou desistem”, acrescenta.
Segundo o professor, por pressão da SEED, os professores são ‘convidados’ a fazer busca ativa em suas horas atividades, que deveriam ser utilizadas para estudo e planejamento de aulas. Quando alguns destes estudantes ausentes retornam, mesmo às vésperas do final do semestre, fazem alguns trabalhos e ganham notas e presenças suficientes para progredir à próxima etapa escolar.
“Evidentemente que se trata de aprovação compulsória, que visa aumentar os índices de pessoas escolarização no Paraná e maquiar resultados para subsidiar o poderoso esquema de marketing do governador”, observa.
Novos dados do Censo Demográfico de 2022, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que o Paraná continua liderando o ranking de analfabetismo na região sul do Brasil. O estado possui 4,3% da população com 15 anos ou mais que não sabem ler nem escrever, o que representa mais de 398 mil pessoas.
O docente ressalva que é fundamental não culpabilizar os professores, pois estes também são vítimas do processo de desmantelamento da EJA no estado.
“Tal prática se traduz para os professores como um total desrespeito à sua profissão, mas não é possível culpá-los, pois são praticamente obrigados a passar seus alunos que pouco ou quase nada frequentaram as aulas. Para os estudantes que usufruem desta prática, resta apenas sua certificação vazia, desprovida de conhecimentos escolares”, diz.
Ainda, segundo Ayres, o Fórum Paranaense de Educação de Jovens e Adultos tem denunciado os ataques à modalidade de ensino no estado, priorizando o diálogo com o governo federal, via Fóruns EJA Brasil. Além disso, o debate sobre a EJA no Paraná comporá a programação do Congresso da APP-Sindicato, cuja etapa regional acontecerá no dia 15 de junho em Londrina.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.