No panorama jurídico contemporâneo, a luta pela igualdade de direitos e pelo respeito à dignidade humana tem ganhado novos capítulos significativos.
Recentemente, no último dia 22 de abril, sentença publicada no processo de nº 0000025-03.2023.5.09.0011, que tramitou na 11ª Vara do Trabalho de Curitiba — 9ª Região, se destacou como um marco na batalha contra a discriminação transfóbica no ambiente de trabalho, trazendo à tona a importância da proteção dos direitos das pessoas transgênero.
Este caso envolve uma ação trabalhista na qual uma empresa foi condenada a pagar R$ 20 mil por danos morais devido a atitudes discriminatórias e transfóbicas. A autora da ação, uma colaboradora transgênero, enfrentou situações vexatórias quando a empresa se recusou a aceitar seu nome social, mesmo após a apresentação de um atestado médico que o continha. A empresa exigiu que ela obtivesse um novo atestado com seu nome de nascimento, desconsiderando completamente sua identidade de gênero, o que gerou um ambiente de trabalho hostil e humilhante.
É crucial destacar que a legislação brasileira, conforme estabelecido na Constituição, especialmente nos artigos 1º, III e 5º, X, assegura e reconhece o direito ao nome social de pessoas transgênero. O artigo 1º, III da CF estabelece a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República, enquanto o artigo 5º, X garante a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. Negar esse direito não apenas infringe esses princípios fundamentais, mas também constitui um ato flagrante de discriminação, que é vedado pelo artigo 7º, XXX da CF, que proíbe qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência ou não.
A recusa em respeitar o nome social da colaboradora transgênero é uma manifestação clara da transfobia estrutural presente em nossa sociedade. A CLT também protege contra discriminações no trabalho, estabelecendo que é vedada a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade.
Na sentença, o magistrado aplicou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, conforme previsto na Recomendação 128/2022 e na Resolução 492/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O protocolo estabelece que o Poder Judiciário deve decidir os casos sob o viés pragmático de destruição da desigualdade de gênero estruturalmente enraizada na sociedade, rompendo dogmas preconceituosos e discriminatórios. Esse julgamento com perspectiva de gênero não rompe com a imparcialidade do Juízo, mas adota uma técnica judicial que visa a compensar a desigualdade historicamente excludente que recai sobre os mais diversos gêneros, conduzindo a um julgamento mais legítimo, democrático e justo.
Além disso, o magistrado destacou a conduta de litigância de má-fé por parte da empresa. A preposta da ré, em seu depoimento pessoal, afirmou que o supervisor da demandante, que poderia esclarecer todos os fatos narrados na inicial, foi dispensado seis meses antes da audiência de 6 de fevereiro de 2024. No entanto, o depoimento de uma testemunha evidenciou que o supervisor foi dispensado apenas no final de março de 2024, poucos dias antes de sua oitiva.
Isso demonstrou a tentativa da parte ré de opor resistência injustificada ao andamento do processo, levando à procrastinação da solução do litígio. Assim, o juiz considerou configurada a litigância de má-fé, nos termos do artigo 793-B, IV, da CLT. Em razão disso, aplicou à ré uma multa por litigância de má-fé no valor de 5% do valor atualizado da causa, conforme o artigo 793-C da CLT, sendo a quantia revertida à parte autora.
Papel pedagógico da sentença
A decisão judicial é emblemática não apenas pelo reconhecimento do direito da autora à sua identidade de gênero e à sua saúde, mas também pelo seu papel pedagógico. A indenização por danos morais no valor de R$ 20 mil funciona não só como uma compensação à vítima, mas também como um instrumento preventivo, demonstrando que práticas discriminatórias não serão toleradas. Esse montante, apesar de não reverter os danos emocionais e psicológicos sofridos, serve como um alerta significativo às empresas sobre as consequências de suas ações.
Adicionalmente, o pedido de demissão da autora foi convertido em rescisão indireta. A autora alegou que foi compelida a pedir demissão devido aos danos morais sofridos e reivindicou diferenças nas verbas rescisórias e FGTS. Inicialmente, a defesa alegou que o contrato de experiência foi encerrado em seu termo e que todas as verbas rescisórias e o FGTS foram pagos corretamente. No entanto, a análise dos fatos demonstrou que a extinção do contrato não ocorreu por pedido da autora, mas sim de forma abusiva no término do contrato de experiência. Foi comprovado que houve desconto indevido de faltas e diferenças nas verbas rescisórias e FGTS. Dessa forma, foi deferido o pedido para que as verbas rescisórias fossem recalculadas, sem o desconto das faltas, e as diferenças de FGTS recolhidas.
Este caso reitera a importância de combater a discriminação de gênero e a transfobia, não apenas no ambiente de trabalho, mas em todas as esferas da sociedade. A conscientização e a educação são cruciais para criar um ambiente mais inclusivo e respeitoso para todos. A aplicação efetiva da legislação antidiscriminatória, conforme previsto nos artigos 1º, III, 5º, X e 7º, XXX da CF, é fundamental para garantir a igualdade de direitos e o respeito à dignidade humana, promovendo um ambiente de trabalho justo e inclusivo.
A luta pela igualdade de direitos para pessoas transgênero requer um compromisso contínuo com a conscientização e a implementação de políticas inclusivas. Somente através de uma abordagem integrada e contínua, que inclua a formação e sensibilização de empregadores e colegas de trabalho, poderemos construir uma sociedade verdadeiramente equitativa e respeitosa para todas as pessoas, independentemente de sua identidade de gênero. É necessário que todos compreendam e respeitem as normas jurídicas vigentes, contribuindo para um ambiente onde a dignidade humana seja plenamente respeitada e protegida.
Fonte: CONJUR / NCSTPR