Do país dos banguelas ao Brasil Sorridente: foco na prevenção mudou cenário, mas ainda é preciso ir além
A primeira e única política pública de saúde bucal da história do Brasil completa duas décadas neste mês com avanços igualmente históricos, mas obstáculos que ainda precisam ser vencidos.
Nos primeiros dez anos de implementação, o programa Brasil Sorridente atendeu cerca de 80 milhões de pessoas e consolidou o movimento que tirou do Brasil o apelido de país dos banguelas.
Os dados mais recentes mostram que o avanço também foi observado entre 2010 e o ano passado. Mas a cobertura de saúde bucal em território nacional ainda é inferior à metade da população. O Ministério da Saúde tem como meta sair dos 45% registrados em 2023 para mais de 62% ainda este ano.
Em conversa com o podcast Repórter SUS, a presidenta da Associação Brasileira de Saúde Bucal Coletiva, professora Helenita Ely, afirma que o Brasil saiu de uma cultura em que a extração era colocada como solução na maioria das vezes para uma realidade que fortalece a atenção primária e a prevenção.
Ela ressalta, entretanto, que para continuar avançando é preciso investir em inovação, procedimentos de alta complexidade, formação de técnicos e técnicas e no combate à desigualdade.
“Hoje nós conseguimos uma baixa prevalência (de cáries), com diferenças regionais. Estados do Norte, Nordeste e Centro-oeste, ainda apresentam média mais alta. Com certeza existe uma desigualdade regional e entre classes para a qual precisamos nos atentar.”
O Brasil convive com a cárie desde o período colonial. As más condições de saúde bucal da população estão descritas em pesquisas, livros e estudos. Essa realidade começou a mudar consideravelmente a partir da década de 1980, com a fluoretação da água. Mas até 2004, o acesso ao atendimento odontológico era restrito.
A política pública de atenção à saúde bucal estabelecida com o Brasil Sorridente avançou nesse aspecto e ampliou consideravelmente a cobertura. No ano passado, o governo federal instituiu que o programa passaria a fazer parte estrutural do Sistema Único de Saúde (SUS), o que obriga que estados e municípios garantam atendimento.
Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde Bucal (SB Brasil), em 2023, 53,17% das crianças de até 5 anos não tinham nenhuma cárie. O índice é 14% maior do que o registrado no último estudo, em 2010. Entre os adolescentes de 12 anos, 49% não apresentavam o problema.
“Esse levantamento mostra que os investimentos realizados para redução da doença estão dando certo. Nós temos avançado no número de pessoas livres de cárie, na redução dos dentes perdidos. Tínhamos idosos que chegavam aos 60 ou 70 anos sem nenhum dente”, pontua Helenita Ely.
Os dados da SB Brasil mostram que o chamado CPO-D, índice que mede a proporção de pessoas com dentes cariados, perdidos ou obturados, caiu entre adultos e idosos desde 2010. Ainda assim, metade das pessoas entre 35 e 44 anos apresentam cáries não tratadas. Entre quem tem mais de 65 anos a proporção é de um terço.
Nesse período, a necessidade de uso de próteses também diminuiu nos dois grupos. No entanto, mais de 70% da população idosa e metade dos adultos de 35 a 44 anos precisam usar próteses dentárias.
O Ministério da Saúde anunciou R$ 4,3 bilhões de investimentos em saúde bucal para 2024. O valor representa crescimento de 123% em relação ao ano passado. A pasta tem planos de aumentar em 6 mil o número de equipes do Brasil Sorridente e implementar 100 Centros de Especialidades Odontológicas. Além disso, o custeio para especialidades será ampliado em mil desses centros.
Mais de R$ 187,8 serão destinados para a compra de equipamentos para atendimento de estudantes do ensino básico das escolas públicas. A meta é alcançar 26 milhões de crianças e adolescentes.
*O Repórter SUS é uma parceria entre o Brasil de Fato e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz).
Fonte: Brasil de Fato