No estado, registros de assédio sexual aumentaram quase 25% e de importunação sexual 36%. No Brasil, ocorrências saltaram 7% e 18%, respectivamente
Os crimes de assédio sexual cresceram cerca de 7% no Brasil entre 2020 e 2021. Foram notificadas 4.544 ocorrências contra 4.922, respectivamente. No Paraná, em 2020, ocorreram 663 casos, saltando para 833 em 2021, variação de 25%. O índice é três vezes maior ao aumento registrado em âmbito nacional.
Desde 2001, assédio sexual é considerado crime no país. Conforme estabelecido no Código Penal corresponde à: “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”.
Por se tratar de relações hierarquizadas, tais crimes são mais recorrentes em ambientes de trabalho ou em escolas e universidades, envolvendo professores e estudantes. No início deste mês, uma série de denúncias de assédio sexual contra Pedro Guimarães, ex-presidente da Caixa Econômica Federal, foi acolhida pelo Ministério Público, após queixas de funcionárias da estatal.
“Ele se utilizava do cargo, inclusive de promoções, para viajar, chamar funcionárias da Caixa para fazer sauna e trocar favores sexuais por ascensão na carreira. Tivemos funcionárias da Caixa que até pediram demissão do cargo para se afastar dele”, comentou Felipe Pacheco, membro do Sindicato dos Bancários de Londrina e diretor da Federação dos Bancários do Paraná em entrevista ao Portal Verdade.
Importunação sexual
De acordo com informações apresentadas pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, os casos de importunação sexual no país passaram de 16.190 registros em 2020 para 19.209 em 2021, representando variação de 18%. No Paraná, em 2020, foram contabilizadas 1.281 ocorrências. Já no ano seguinte, 2021, foram 1.760, indicando aumento de 36%, ou seja, os casos no estado cresceram o dobro face ao cenário nacional.
Em 2018, foi sancionada a Lei 13.718, transformando em crime casos de importunação sexual, antes considerados como infrações de menor potencial ofensivo. A mudança na legislação ocorreu após a repercussão de uma ocorrência no transporte público de São Paulo, em 2017, quando um homem ejaculou no pescoço de uma passageira.
De acordo com o Código Pena, a violência é tipificada como: “Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro.” São considerados crimes de importunação sexual, por exemplo, cantadas indesejadas, toques não consentidos ou tentar forçar um beijo. A reclusão pode variar de um a cinco anos, se a prática sexual não constituir crime mais grave.
Da cantada ao feminicídio
Cristina Fibe, jornalista, autora do livro “João de Deus: O abuso da fé”, em entrevista ao podcast O que elas pensam? pontua que a cultura do estupro está envolta em toda a sociedade e sustenta violências diversas de gênero desde situações consideradas mais brandas como insinuações até outras mais graves como agressões, abusos sexuais e feminicídios.
Fibe lembra de recente caso envolvendo o anestesista Giovanni Bezerra, acusado de estupro durante parto no Rio de Janeiro. Na última terça-feira (19) a Delegacia de Atendimento à Mulher de São João de Meriti, na Baixa Fluminense, indiciou o médico por estupro de vulnerável, crime cuja pena varia de oito a 15 anos de prisão. Outros cinco possíveis casos de estupro cometidos por Bezerra são investigados pela Polícia Civil.
“Permeia desde a maneira de como a gente é educado, a socialização de gênero, qual é o papel dos homens e qual é o papel das mulheres na sociedade. E isso vai entranhando de tal maneira que até uma mulher em situação de parto está correndo o risco de ser violentada por um médico que deveria estar zelando pela vida dela diante de uma equipe. Esse destemor do homem de achar que pode ser dono do corpo da mulher, não se trata de desejo sexual, mas de demonstração de poder. Há a banalização do corpo da mulher que o homem usa como quer e que vai terminar em feminicídio em última instância, por isso, que a piada machista não é tolerada, ela é a base”, afirma.
Segundo Fibe, é urgente que os homens se envolvam no combate às violências de gênero. “Nossa grande dificuldade é falar com os homens, que eles entendam e entrem nessa batalha porque se eles continuarem se comportando da maneira como se comportam a gente vai continuar sendo estuprada e assassinada”, adverte. Para ela, devido ao fortalecimento dos movimentos feministas no Brasil e em outras partes do mundo, as mulheres estão identificando as violências de que são vítimas e denunciando mais. “Nós estamos falando ‘basta, não dá mais’.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.