O financiamento público da saúde tornou-se um padrão desde o fim da segunda guerra nos países europeus, principalmente, Inglaterra e França. Isso se deu principalmente pela força que os trabalhadores alcançaram naqueles países. Os donos do dinheiro estavam se reestruturando em nações recém saídas do conflito e cederam a pressões da sociedade, de forma que parte do imposto arrecadado passou a financiar a saúde. Que, diga-se de passagem, é um modo extremamente eficaz de distribuição de renda.
E distribuir renda, por sua vez, é um pilar do estado de bem estar social. O conflito se dá quanto a quem vai financiar o bem estar. Quanto mais justo e democrático um país, mais o benefício dos impostos é distribuído entre a população. No Brasil, demorou chegarmos próximo disso com o SUS, que aliás, é baseado no sistema inglês. O SUS apesar de suas imperfeições é um sistema gigantesco de justiça social.
Temos hoje uma crise política e econômica crescente no mundo. No bojo dessa crise, a ideia de que a eficiência de tudo está na iniciativa privada, em contraponto aos sistemas públicos. Áreas essenciais para a vida vem sendo sistematicamente agredidas. Só vale, querem eles, o que vier da tal iniciativa privada.
Privatiza-se tudo. Energia, ensino, saúde, e ultimamente até moedas (bitcoins não são mais que moeda sem controle do estado). Daí vermos crescer no Brasil (e no mundo), grandes fundos financeiros investindo na compra de redes hospitalares, em equipamentos de alto custo, na indústria farmacêutica.
O problema é que ao deslocar o foco e o objetivo da assistência ao paciente para a eficiência financeira e maximização de lucros, o sistema como um todo afunda. Essa distorção vem aumentando em progressão geométrica. Não se trata aqui de racionamento de gastos, rigor administrativo ou evitar desperdícios, apesar de que a crueldade é exercida exatamente em nome disso. E o paciente fica desprotegido. Porque, via de regra, é óbvio que pacientes e médicos querem e precisam de bom resultado. E ambos são prejudicados por esse desvio.
Esse conflito de interesses aparece nas decisões do dia a dia. Seja na escolha dos materiais utilizados (opção por materiais mais baratos, que não cumprem exigências de segurança), seja na qualidade dos medicamentos, na diminuição do corpo técnico, com demissões. Apenas como exemplo.
No Brasil, grandes grupos associados a fundos financeiros internacionais estão ocupando grande parte da rede privada, a chamada assistência médica suplementar, que hoje atende em torno de quarenta milhões de pessoas. E a população fica à mercê de um serviço público cronicamente subfinanciado e serviços suplementares ineficientes e caros. Profissionais de saúde caem numa vala comum de baixa remuneração, trabalho exaustivo e prática médica ruim. Com evidentes prejuízos aos pacientes.
A solução para isso é complexa. Mas o fio condutor ainda é o aumento do financiamento público da saúde. Aperfeiçoar o SUS e ter como meta a universalização da assistência, como vários países citados. Por outro lado, através de mecanismos de controle, fiscalizar os serviços de saúde suplementar.
Em outras palavras, fazer o movimento exatamente oposto ao pensamento dominante.
Texto: Dr. Marco Antônio Fabiani, cardiologista