Durante todo o mês, atividades evidenciam desigualdades e resistência pelo país
25 de julho é considerado Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e o Dia Nacional de Tereza de Benguela, líder quilombola, símbolo de resistência contra a escravidão e em favor da liberdade do povo negro. A data foi reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1992. Já no Brasil, o marco foi instituído em 2014 com o estabelecimento da Lei 12.987 por Dilma Rousseff (PT).
Para Thaís Oliveira, antropóloga, estudiosa das questões étnico-raciais com enfoque nas condições da mulher negra na sociedade brasileira, a dedicação de um mês é extremamente relevante para trazer mais visibilidade para as opressões múltiplas que afetam mulheres negras, porém, ela também destaca que a discussão não deve ficar restrita a apenas este momento.
“A mulher negra sofre processos de exclusão e violência advindos do sexismo, ou seja, pela condição de ser mulher em uma sociedade patriarcal e do racismo, por ser negra em uma ordem social cuja branquitude é sinônimo de poder. Julho das Pretas é muito importante para os movimentos de mulheres negras, pois salienta estas desigualdades e ao mesmo tempo aponta as diversas formas de resistência criadas por elas, mas é fundamental que o debate não fique margeado nos demais meses do ano, até porque as desigualdades não cessam”.
Violências
Dos 1.341 crimes de feminicídio registrados no Brasil em 2021, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a maioria das vítimas (62%) era mulheres negras. Também entre as 66.020 ocorrências de estupro e estupro de vulnerável no último ano, as vítimas mais recorrentes (52,2%) eram negras. Informações coletadas pela ONG Criola e reunidas no Dossiê Mulheres Negras e Justiça Reprodutiva 2020 – 2021, demonstram que no Brasil, das 209.520 internações por aborto, 100.520 foram de mulheres negras, atingindo 48%.
Entre os óbitos decorrentes de aborto, mulheres negras representam 45,2%. Já entre os índices de mortalidade materna, mulheres negras correspondem a 66% dos registros. Para além da cisgeneridade, dados disseminados pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), identificaram que, em 2021, predominantemente as vítimas de assassinatos e violências eram pretas ou pardas, totalizando 81% das mortes causadas por crimes contra pessoas trans no país.
Desigualdade de renda
Ainda, de acordo com estudo desenvolvido pela ONG Criola, mulheres negras constituem o maior segmento (39,8%) em situação de extrema pobreza no Brasil. Enquanto o rendimento médio da população atinge R$2.426, entre mulheres negras a renda mensal cai para R$1.573, colocando-as na base da pirâmide social. Por outro lado, com valor acima do rendimento médio nacional e atingindo mais do que o dobro da renda mensal das mulheres negras, encontram-se homens brancos, R$3.484.
Investigação realizada pela empresa de consultoria Gestão Kairós evidencia que, entre 900 entrevistados em cargos de liderança, apenas 25% são mulheres e entre elas, somente 3% são negras. Segundo Oliveira, a persistência das desigualdades intragênero, ou seja, entre mulheres, ressalta a necessidade dos feminismos negros cuja atenção é voltada, especificamente, para a realidade das mulheres negras.
“Não se trata de criar hierarquizações, mas desenvolver um olhar mais aprofundado e cuidadoso sobre as condições de vida das mulheres negras que são ainda mais vulnerabilizadas do que as brancas, seja nos índices de violência, inserção no mercado de trabalho, meios de comunicação, espaço no qual ainda são minoria e quando aparecem são estigmatizadas, majoritariamente, em papeis de subalternidade, com menor prestígio social. Há uma exploração do corpo da mulher negra que é abordado de maneira hipersexualizada”, explica.
Política
Oliveira lembra que, embora, mulheres negras representem 28% da população, referenciando dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), elas são um dos segmentos com menor inserção e representação na política institucional. Informações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) indicam que nas eleições de 2016, apenas 691 das candidaturas às prefeituras (4,1%) eram de mulheres negras e destas somente 180 foram eleitas, totalizando 3,2%. Em números absolutos, isto indica que de 649 mulheres eleitas prefeitas, 10 eram negras. Por sua vez, negras representaram apenas 15,4% das candidaturas a vereadora (71.066), e destas, apenas 5% (2.870) foram eleitas.
No pleito de 2020, o índice de representativa cresceu ante a 2016, mas ainda permaneceu extremamente baixo, apenas 8% das mulheres negras que se candidataram ao Executivo municipal foram eleitas, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU) – Mulheres Brasil. “Nas últimas eleições municipais, observamos um aumento de candidaturas de mulheres negras, indígenas, pessoas trans. Mas ainda é necessário avançar muito, até porque, estes grupos subalternizados enfrentam diversas dificuldades que perpassam desde a possibilidade de lançarem suas candidaturas, serem eleitos até alcance da governabilidade e constituição de alianças para consigam encaminhar as pautas”, afirma Oliveira.
Para a pesquisadora é fundamental que mulheres negras, entre outros coletivos subrepresentados, estejam em espaços de poder (como a política) para que consigam participar das decisões e possam trazer as reinvindicações de seus grupos para o debate público. Oliveira relembra de Marielle Franco, mulher negra, representante da comunidade LGBTQIA+, eleita vereadora pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) no Rio de Janeiro e assassinada em 2018, juntamente com seu motorista Anderson Gomes, quando cumpria agenda oficial.
“Potências como Marielle [Franco] demonstram que assim como dito por Ângela Davis, filósofa estadunidense, ‘quando uma mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela’. Porém, estes corpos ainda são vistos como não pertencentes aos espaços decisórios seja na política, universidades. E quando os ocupam, não raro, são recebidos com violência. Por isso, a necessidade de avançarmos na postura antirracista”, pontua.
Quantas mulheres negras você lê?
Oliveira também ressalta a urgência de construímos um modelo de educação que valorize os saberes produzidos por mulheres negras, rompendo com a lógica de ensino eurocentrado e orientado pelas ideias e interesses de grupos dominantes. “Conhecemos a história sempre a partir dos grupos de estão no poder, dos vencedores. Isto leva ao desconhecimento da cultura, dos saberes criados pelos povos subjugados e perdemos muito”, adverte.
Ela cita pensadoras como Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento, Sueli Carneiro, Djamila Ribeiro, Conceição Evaristo, Carolina Maria de Jesus – todas mulheres negras – que trazem contribuições para conhecermos os Brasis superando discursos hegemônicos, universalistas e pouco representativos. “A própria Ângela Davis, ícone dos feminismos negros no mundo, disse quando esteve no Brasil ‘Eu aprendo mais com Lélia Gonzalez do que vocês comigo’, ressalta Oliveira.