Ao entrar em uma loja de brinquedos em busca de presentes para duas crianças, um menino e uma menina, o caminho mais comum é escolher um carrinho ou super-herói para ele e uma boneca bebê ou conjunto de panelinhas para ela. O azul seria predominante no item para o menino, e o rosa, para a menina.
A construção social do gênero está presente em muitas áreas da vida, inclusive na economia. É disso que Regina Madalozzo trata em seu novo livro, “Iguais e Diferentes”, lançado pela Zahar. O tema é foco das pesquisas e publicações da economista, mestre pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e doutora pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos.
A autora faz uma jornada pela economia feminista e usa as lentes econômicas tradicionais para elaborar análises sob a perspectiva de gênero. “Quando a gente fala de economia feminista, a gente continua falando de economia, mas é agora pelo olhar feminista, no sentido de que é um olhar mais amplo para essas questões”, afirma.
Na microeconomia, área na qual Madalozzo se debruça no livro, é notável que a escolha de profissões esteja ligada à forma como mulheres e homens são tratados socialmente e se comportam no mercado de trabalho.
“Na hora em que eu digo que menina veste rosa e menino veste azul, é como se eu dissesse que existem alguns lugares e profissões que são para meninas e outros que são para meninos”, afirma. “Os meninos podem ser engenheiros, médicos, e as meninas vão ser o quê? Professoras e enfermeiras, porque são as profissões ligadas ao cuidado.”
Madalozzo, que também tem formação em psicologia, traz exemplos de cursos considerados femininos pela desproporção de mulheres matriculadas. É o caso da pedagogia, que, em 2017, para cada 10,75 alunas matriculadas, havia apenas um homem. Enquanto isso, na engenharia civil, a proporção é de 0,45 mulher para cada homem inscrito no mesmo período.
Além disso, profissões historicamente dominadas por homens tendem a ser menos valorizadas à medida que mais mulheres entram nelas. “Então esse rosa e esse azul acabam tendo impacto financeiro na vida de todas as pessoas”, diz.
Ela cita os anos 1960 e 1970, quando a área da computação tinha baixa remuneração. A partir do momento em que a profissão se torna masculina, por ter mais homens do que mulheres, passa a ter outro status.
“A gente sabe que as mulheres estão alocadas em profissões que pagam menos, mas a grande pergunta é: elas estão nas profissões que pagam menos porque escolheram as profissões menos valorizadas ou porque, quando tem muita mulher em uma certa profissão, essa profissão acaba desvalorizada?”, questiona a autora.
Desigualdades sociais
As desigualdades salariais, então, não seriam frutos de escolhas individuais. No Brasil, homens ganham até 3,9 vezes o salário de mulheres na mesma ocupação, de acordo com análise da Folha de S.Paulo com base na Rais (Relação Anual de Informações Sociais) de 2022.
Para a economista, dados como esse e os obtidos a partir dos relatórios de transparência entregues por empresas ao Ministério do Trabalho e Emprego exigidos pela Lei de Igualdade Salarial são importantes para que o cenário mude.
“Essa lei existe para que esses números chamem a atenção do que precisa ser feito”, diz. “A diferença salarial não é algo proposital, mas sim uma consequência cultural.”
A autora afirma que políticas públicas mais amplas ainda são necessárias para abordar questões interseccionais de gênero e raça no mercado de trabalho. “Se você pegar os dados do relatório do governo, você vê que, na média, os homens negros têm salários menores do que as mulheres brancas.”
Trabalho reprodutivo
O livro também explora o chamado trabalho reprodutivo – dos cuidados diários que toda pessoa requer, mas que, na maioria das vezes, é oferecido por mulheres.
“Grande parte desse trabalho não é remunerada nem reconhecida e gera uma responsabilização muito maior para as mulheres do que para os homens, inclusive por essa segregação ocupacional”, afirma Madalozzo. “É como se fosse uma tarefa das mulheres cuidar da casa e da família, e dos homens, ganhar dinheiro no mercado de trabalho.”
A economista mostra, a partir de exemplos e pesquisas, que a carga desproporcional desse trabalho sobre mulheres impacta a sua participação no mercado de trabalho.
Por isso, afirma que olhar a economia por meio de lentes de gênero pode frear desigualdades e até mesmo evitar casos de violência doméstica. Quando a mulher não consegue se manter financeiramente, ela depende do agressor e fica presa em um ciclo de violência.
“A lente de gênero envolve tudo isso, desde educação até produção de petróleo. Tudo pode ser olhado com uma lente de gênero para que a gente não aprofunde as desigualdades”, diz.
Fonte: Folha de Londrina