A medicina sempre se apoiou em dois pilares: na ciência e na arte, no equilíbrio delicado entre abrangência e precisão. Com esse duplo apoio é que ela avançou desde a antiguidade. E atualmente, com os avanços enormes da tecnologia incorporados à medicina moderna, a precisão, a quantificação passou a ser seu lado mais evidente. Ganhamos todos com isso.
O problema é que a tecnologia agregada aos diagnósticos e tratamentos encarecem os cuidados de saúde e estão impactando profundamente a forma de financiar a saúde. Com a diminuição do aporte financeiro público, a assistência médica torna-se cada vez mais dependente de financiamento privado. Em última instância, investimento que precisa entregar resultados, ou seja, lucro. A conta não fecha.
O atendimento médico precisa parâmetros técnicos, cientificamente comprovados. A assistência médica sob controle de fundos financeiros precisa, agressivamente, cortar custos. Isso inclui, claro, cortar a remuneração do trabalho profissional. Daí um achatamento no ganho dos profissionais que precariza o exercício da medicina.
Plantões intermináveis, multiplicação de locais de trabalho com aumento do número de consultas, piora no atendimento hospitalar (que por conta do corte de custos diminuem o salário do pessoal e optam por compra de materiais de má qualidade) e uma atmosfera de insatisfação no sistema todo.
Esse sistema disfuncional, com subfinanciamento público, encarecimento da assistência médica e financeirização da saúde está cavando um fosso enorme, onde uma medicina altamente qualificada e cara está sendo oferecida a camadas ricas da sociedade, excluindo parcelas grandes da sociedade.
Na outra ponta uma medicina de baixa qualidade, esperas intermináveis, hospitais mal equipados e mesmo assim cara para quem paga parte do cuidado em saúde. Importante ressaltar que os problemas crônicos do serviço público estão começando a se tornar rotina nos serviços privados.
A medicina se assenta sobre um conceito humanístico. Ela nasce da necessidade de cuidar do outro, da mão estendida. Sedar a dor humana é um trabalho divino, sentenciado há mais de vinte e cinco séculos no juramento hipocrático. E há uma arte nisso. A tecnologia deve estar submissa a um bem maior. E não o inverso. A virtude da técnica não pode perder de vista de que ela só se justifica se o objetivo final a ser alcançado é o bem do paciente. E não balanços brilhantes de fundos financeiros.
Texto: Marco Antônio Fabiani, cardiologista