Em treinamento, trabalhadores reclamam de falta de pagamento e estrutura ruim; IBGE admite problemas
Após dois anos de embargo por conta da pandemia e da inércia do governo federal, o Censo Demográfico finalmente tem data para começar. Nesta segunda-feira (1º), 180 mil recenseadores iniciam o período de visita aos 76 milhões de domicílios brasileiros para coleta dos dados da população, que servirão de subsídios para que estados, municípios e a União possam formular políticas públicas.
Responsável pela organização e divulgação do Censo, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informou que esta primeira fase, de coleta dos dados, seguirá por três meses.
A ida às ruas foi precedida de um calendário apertado do IBGE. A três dias do início da pesquisa, o órgão lançou, na última quinta-feira (27), um edital de contratação de 15 mil recenseadores, que serão treinados enquanto outros 180 mil já estarão nas ruas coletando dados da população.
Por conta dos adiamentos sucessivos, os dois editais de contratação de recenseadores foram cancelados. No entanto, o terceiro concurso não teve o sucesso esperado pela direção do instituto e o número de vagas preenchidas ficou abaixo das 200 mil esperadas.
Precarização
Os treinamentos, previstos para ocorrerem em cinco dias, com carga horária de 25 horas, estão sendo aplicados em cinco mil locais. No edital de contratação, o IBGE afirma que os trabalhadores receberão, após o período do curso, uma ajuda de custo de R$ 40, desde que tenham comparecido a 80% das aulas.
Trabalhadores relataram ao Brasil de Fato atrasos no recebimento desse valor. Além, disso, em diversas unidades os recenseadores relatam falta de água potável, lanche e estrutura.
“Toda nossa equipe está sem receber ajuda de custo, nem mesmo alimentação, tem gente que passa o dia inteiro sem comer” afirma uma recenseadora que está recebendo treinamento na Praia Grande, no litoral de São Paulo. “Não sabemos nem mesmo onde vamos trabalhar, não fui informada. Passei uma semana no curso e não falaram nada sobre os cuidados na pandemia, por exemplo.”
Em nota, o IBGE reconheceu que há dificuldades em pagar a ajuda de custo. “Alguns relatos podem ser referentes a problemas pontuais ou isolados no sistema de pagamentos, ou erro de cadastro de conta, ou CPFs inativos, dentre outros. No momento, todos os esforços estão direcionados para garantir a regularidade de todos os compromissos administrativos e operacionais do Censo 2022.”
O Sindicato dos Trabalhadores do IBGE (ASSIBGE) criticou a direção do órgão. “O IBGE, até o momento, não pagou os valores integralmente”, explica Cleiton Batista, da executiva nacional do sindicato.
“Muita gente acreditava que teria alguma ajuda para transporte, tíquete ou algo assim. É um raciocínio razoável, já que R$ 40 não parece ser algo que dê para muito mais do que a alimentação. Ter de pagar o deslocamento durante todo o período foi o que complicou a vida de muitos”, lamenta o sindicalista.
Orçamento e crise
A aplicação do Censo Demográfico ocorre a cada dez anos no país. A última edição foi em 2010 e a seguinte deveria ter ocorrido em 2020. No entanto, por causa da pandemia, o levantamento foi adiado para 2021 e, em seguida, novamente postergado para 2022.
Em 2018, antes de Jair Bolsonaro (PL) assumir a Presidência da República, o orçamento mínimo considerado pelo IBGE para realizar o Censo em 2020 era de R$ 3,4 bilhões. No ano seguinte, já na atual gestão, o órgão derrubou para R$ 2,3 bilhões o montante disponível para a realização da pesquisa.
Na primeira versão do texto da proposta do Orçamento de 2021, enviado em dezembro de 2020 ao Congresso Nacional, o governo sugeriu outro corte, que derrubaria o montante para R$ 2 bilhões.
Então, o Sindicato dos Trabalhadores do IBGE (ASSIBGE) criou a campanha “Em defesa do Censo”, para explicar as implicações dos seguidos cortes no resultado da pesquisa. Diante do impasse, os sindicalistas pediram o adiamento do Censo para 2022.
No Orçamento de 2022, aprovado no Congresso Nacional, foi garantido o mínimo pedido pelos trabalhadores do IBGE, R$ 2,3 bilhões, para a realização do Censo. No entanto, a inflação pulverizou o valor.
Um exemplo da desvalorização do orçamento é a frota de carros que deve garantir o transporte de recenseadores pelo país. Além dos alugueis dos veículos, o instituto terá que arcar com os custos da gasolina, que subiu 69%, entre 2019 e 2022.
Por isso, o governo federal já trabalha com a ideia de que terá que complementar o orçamento, com um novo aporte financeiro, ainda não definido pela equipe econômica.
“Já temos uma sinalização positiva do Ministério da Economia. Na época, o secretário responsável pelo IBGE era o Esteves Conlago (secretário especial do Tesouro e Orçamento). E, em um seminário técnico ele colocou isso para o IBGE, de que era esperado o processo de complementação do Orçamento para realização do Censo e chegou até a afirmar que, uma vez começado o Censo, ele vai terminar. Isso foi muito importante”, afirmou Cimar Azeredo, diretor de Pesquisa do IBGE, em uma conferência online com jornalistas, realizada para explicar o Censo 2022.
Censo
O Censo Demográfico é realizado desde 1872 no Brasil e, desde 1920, acontece decenalmente, sempre em datas fechadas. Antes de 2020, a pesquisa havia sido adiada outras duas vezes: em 1930, por conta do levante daquele ano que permitiu a chegada de Getúlio Vargas ao poder; e em 1990, quando foi prorrogado para 1991, por atraso do governo de Fernando Collor, que tentou evitar a contratação dos recenseadores. O então presidente queria recrutar servidores federais para a função, mas foi impedido pela Justiça.
Fonte: Brasil de Fato