Gonzalo Vecina Neto comenta dados do Tribunal Superior Eleitoral, que dão conta de que mais de 22 mil candidatos nesta eleição são trabalhadores da saúde, só na enfermagem, oito mil
Há ainda muitas barreiras na chegada ao Poder Executivo. O professor Gonzalo Vecina Neto, do Departamento de Política, Gestão e Saúde da Faculdade de Saúde Pública da USP, médico sanitarista e ex-diretor da Anvisa, analisa o cenário e a importância do interesse dos profissionais da saúde nas Prefeituras e Câmaras municipais. De acordo com dados de uma plataforma do Tribunal Superior Eleitoral, quase 5% dos candidatos nesta eleição são trabalhadores da saúde, entre pessoal da enfermagem e demais agentes, a maioria composta por mulheres.
O especialista entende que o período pandêmico foi importante para fortalecer os agentes de saúde, mas que o interesse em participar da política vem de um longo histórico. “Boa parte deles desenvolvem atividades voltadas para a área da gestão. Para fazer assistência à saúde, nós temos que ter alguém comandando as operações, para coordenar as funções no hospital, é uma atividade que envolve muitos comandos. É de se esperar que se tenha uma participação grande. Aliás, essa participação não começou agora, mas já vem de um histórico. Então, eu acho que tem um componente da crise sanitária que nós vivemos com a pandemia da covid-19, mas, ao mesmo tempo, tem algo muito natural, que é o fato de que a saúde tem uma presença muito grande no mundo do trabalho e, segundo, que parte importante desse pessoal do mundo do trabalho são lideranças que têm que executar comandos. E, portanto, no momento em que você está elegendo o legislador e o executivo, é natural que exista a presença de muitos profissionais de saúde buscando se transformar ou em vereadores ou em prefeitos”, explica.
Maioria feminina
Além do grande número de profissionais da saúde compondo o número de candidatos eleitorais, outro diferencial deste ano é o grande número de mulheres na candidatura. “Essa é uma outra característica do emprego na área da saúde. O grosso do emprego na área são mulheres e, no caso da enfermagem, muitas delas envolvidas com atividades de comando. Eu não tenho a estatística exata, mas uma boa parte das nossas unidades básicas de saúde, cerca de 50 mil, é coordenada por enfermeiras.”
Os enfermeiros existem também, mas a categoria é predominantemente feminina. Aliás, em grande parte das profissões de saúde, o sexo feminino é predominante, afirma o professor. Vecina Neto ainda acrescenta que o mercado da saúde está cada vez mais equiparado. Segundo o pesquisador, há um aumento de mulheres no curso de medicina. Em contrapartida, nutrição e enfermagem, cursos predominantemente femininos, agora contam com a participação de mais homens, o que demonstra uma distribuição mais igualitária nos cursos de saúde.
Experiência profissional
Segundo o médico sanitarista, existem vantagens em profissionais da área da saúde ocuparem cargos políticos. O professor destaca que esses profissionais possuem habilidades que são necessárias na política e cita três aspectos principais:
“Primeiro, as profissões ligadas à saúde têm uma predominância feminina, exceção feita aos médicos, cujo perfil começa a ser transformado agora. Segundo, uma parte importante da profissão exerce cargos de chefia. Qualquer atividade humana tem que ter chefia, então é natural que uma parte desses profissionais de saúde esteja em posições de chefia. Terceiro, nós, profissionais de saúde, sabemos as dificuldades que temos para conseguir acesso a recursos que façam frente às necessidades da população. Então é natural que exista uma vontade de fazer com que isso mude, e que mude, na nossa opinião, para uma coisa melhor.”
No centro dos programas defendidos pelos candidatos está a melhoria no Sistema Universal de Saúde (SUS). O ex-diretor da Anvisa ainda discorre sobre a desigualdade social brasileira: “O Brasil é um país muito díspar. Provavelmente esse seja o problema mais importante do País, a desigualdade. Então, as consequências em termos da saúde, enfrentamento de filas para resolver problemas como câncer, doenças cardíacas, é muito relevante, e nós, profissionais de saúde, somos afetados por isso. Sentimos muito essa dificuldade que a população tem para ter acesso àquilo que é um direito fundamental, que é o direito à ciência e à saúde”.
Vecina Neto acredita que o aumento de profissionais da saúde na política terá impacto positivo no Estado brasileiro. “Então são profissionais que estão se candidatando a cargos eletivos, em grande medida, não com uma perspectiva de nova vida, mas com uma perspectiva de eventualmente contribuir para uma melhoria das condições da sociedade. Eu acho que essa é uma questão muito importante. Então, acho que esses componentes fecham um pouco o quadro da importância da participação dos profissionais de saúde na condução de uma nova vida, de uma nova sociedade, a partir de cargos eletivos”, conclui.
Fonte: Jornal da USP