Campanha de prevenção ao suicídio é fundamental, mas a saúde mental precisa de atenção o ano todo, especialmente, entre grupos mais vulneráveis
O Setembro Amarelo é uma campanha de conscientização sobre a prevenção ao suicídio e promoção de saúde mental criada em 2014. Esse mês é reconhecido internacionalmente como um período dedicado à discussão sobre a saúde psicológica. A origem da campanha está ligada à necessidade de promover uma maior conscientização sobre o tema, que historicamente é cercado de estigmas e tabus.
Desde sua origem em 2014, a iniciativa ganhou destaque global, incentivando discussões cruciais e iniciativas de suporte emocional. No entanto, para além deste mês de intensa visibilidade, persistem desafios estruturais que influenciam profundamente o adoecimento mental, especialmente, quando consideramos as marcantes desigualdades sociais de um país como o Brasil.
A saúde mental está intrinsecamente ligada à realidade social de cada indivíduo, influenciada por suas experiências, o ambiente em que vive, a dinâmica de sua família, entre outros inúmeros fatores. Por isso, é fundamental direcionar uma atenção ainda maior às populações mais vulneráveis, que lidam com violências e enfrentam obstáculos maiores para acessar cuidados e suporte.
Desigualdades em foco
As desigualdades de gênero, por exemplo, desempenham um papel significativo no adoecimento mental. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), as mulheres têm mais chances do que os homens de desenvolverem transtornos mentais, como ansiedade e depressão, além de serem mais propensas a sofrerem de transtornos relacionados ao estresse, como síndrome do pânico.
Da mesma forma, pessoas negras enfrentam uma prevalência maior de transtornos mentais, muitas vezes associados ao impacto do racismo estrutural, acesso limitado a recursos de saúde mental e estigmas sociais persistentes. Um estudo realizado pelo Ministério da Saúde e divulgado em 2018 indicou que jovens negros do sexo masculino, com idades entre 10 e 29 anos, apresentam maior risco de morte por suicídio. A probabilidade de suicídio nesse grupo é 45% superior à dos jovens brancos na mesma faixa etária.
A psicóloga Vitória Abranches, que pesquisa as relações étnico-raciais e saúde mental, destaca que “existem diversos estudos e pesquisas que falam sobre os impactos da estrutura e da estratificação social, baseada em marcadores de gênero, raça e renda, afastam as pessoas da possibilidade de acessar determinados serviços, inclusive os de saúde”.
Pessoas em grupos subalternizados são acometidas por violências, como o racismo, que marcam seu “corpo psíquico” e são difíceis de atenuar.
“Só com muito trabalho psicológico de escuta atenta e qualificada para que tais violências passem a ser menos pesadas”, explica a psicóloga.
Abranches explica que é necessário reconhecer que essas violências atingem a sociedade como um todo: “Então pensar essas desigualdades enquanto diferenças, pensar que enquanto exista uma estrutura que oprima e produza violências para grande parte das pessoas, toda a população brasileira perde. Pensar nisso de uma forma mais englobar todos os corpos, enquanto um corpo social mesmo, acredito que seja vantajoso para que toda a sociedade avance”, complementa.
A profissional destaca que, caso o tema da saúde mental não seja debatido abertamente, ele permanece em um campo místico, distanciado da realidade das pessoas. Essa falta de discussão faz com que muitos não reconheçam a existência de uma fragilidade emocional que necessita de cuidado. “Existe essa ideia de senso comum que vem nos acompanhando historicamente, enquanto sociedade brasileira, de que ir ao psicólogo, ir a profissionais de saúde, ir ao CAPS, muitas vezes coloca a pessoa numa posição de sujeito louco”, conclui Abranches.
Participação da sociedade e responsabilidade pública
A sociedade pode desempenhar um papel ativo na promoção da saúde mental, principalmente, no que se refere ao combate dos estigmas que ainda cercam esse tema. “Eu acredito que a sociedade possa contribuir se inserindo nos espaços de discussões e de debates políticos, em espaços que possibilitem a discussão pública, falando sobre o processo, como é que se sente quando vai a determinado serviço, como é ser usuário de um serviço de saúde pública, ou se dentro da saúde privada se existe um cuidado, se é de qualidade, como é que faz para acessar, divulgando essa possibilidade de cuidado, normalizando o acesso a esse tipo de serviço”, destaca a profissional.
O papel das políticas públicas também é algo essencial, já que o tratamento terapêutico é extremamente custoso. Por isso, as redes de assistência psicossocial, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e os Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) são de grande relevância para o tratamento de doenças mentais.
Dentro dessas instituições, é possível encontrar uma equipe multidisciplinar qualificada para atender as demandas da população cujo acesso a profissionais como psiquiatras e psicólogos seja restrito.
“A prevenção do suicídio está muito atrelada ao desempenho desses braços da política pública”, reforça Abranches.
Para a profissional, é necessário um investimento contínuo em saúde mental, e não apenas durante o Setembro Amarelo. “O que falta em termos de suporte para saúde mental seria justamente o investimento contínuo do poder público e das esferas superiores no repasse de verbas para essas iniciativas públicas, ao invés de só investimento na esfera privada. Acredito que seria um suporte muito eficiente para a população”, adverte.
Como buscar ajuda
Em todo o país, o Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece apoio emocional e prevenção ao suicídio através de um serviço voluntário disponível 24 horas por dia pelo telefone 188. Para mais informações sobre todos os serviços prestados pelo CVV, acesse o link: https://cvv.org.br/.
Em Londrina, a população pode buscar ajuda nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que oferecem atendimento gratuito para pessoas em sofrimento psíquico. Dentre as opções disponíveis, estão:
- CAPS I para Infância e Adolescência, com atendimento de segunda a sexta-feira, das 7h30 às 18h. Fica na Rua Joá, nº 46 – São Cristovão e pode ser contatado pelo telefone (43) 3379-0130.
- CAPS III Conviver, com atendimento 24 horas. O centro está localizado na Rua Alba Bertoletti Clivati, 186, Jardim Alto da Boa Vista. Para mais informações, o telefone é (43) 3378-0121 ou (43) 3347-8758.
- CAPS AD para Álcool e Drogas, que oferece atendimento de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h, e está localizado na Av. Juscelino Kubitscheck, nº 3.421. Contato pelos telefones (43) 3379-0877 ou (43) 3379-0785.
Matéria da estagiária Fernanda Soares sob supervisão.