A mostra “Movimento em Construção” celebra os oito anos da Ocupação com 84 fotos que retratam o cotidiano, provocando reflexões políticas e sociais
O Coletivo FotoFlores, composto por adolescentes de 10 a 18 anos da Ocupação Flores do Campo, na zona Norte de Londrina, inaugura neste próximo sábado (5) sua segunda exposição fotográfica, “Movimento em Construção”. O evento, que ocorre em um imóvel reformado pela comunidade e transformado em centro cultural, celebra os oito anos da Ocupação e estará aberto para visitação até 19 de outubro.
A mostra, com curadoria da UEL (Universidade Estadual de Londrina), apresenta 84 fotos que retratam o cotidiano da comunidade e promove uma reflexão político-social sobre o exercício da cidadania, além de arrecadar fundos para atividades futuras do Coletivo.
O Coletivo FotoFlores
Um dos objetivos do Coletivo é servir como um espaço de acolhimento e construção de vínculos. “Criamos um ambiente, onde os participantes podem mergulhar em um processo de autoconhecimento e explorar a fotografia”, afirma Gabriel Melhado, idealizador do Coletivo.
O FotoFlores também busca desconstruir as visões estigmatizantes frequentemente associadas à região. “Se fala muito sobre a violência, sobre as carências, sobre as faltas da Ocupação Flores do Campo, mas aqui também tem muita vida, tem muita produção de coisas boas, muitos trabalhadores, muita energia circulando por aqui, um esforço e uma luta muito grande para transformar esse bairro num lugar melhor”, explica Melhado.
O Coletivo nasceu em 2019, após um encontro entre o idealizador, que havia ido a convite de um amigo para cobrir um almoço servido para a comunidade e alguns jovens do Flores do Campo. “Enquanto eu estava fotografando alguns jovens me perguntaram se eu dava aula de fotografia e etc. Eu respondi que não, estava começando ali, mas disse que eu me comprometeria, se eles quisessem, vir aqui na ocupação no sábado seguinte para a gente explorar junto a fotografia. Eu vim, eles estavam lá me esperando e daí nasceu a ideia de construir um coletivo”, relembra.
A partir desse encontro, o grupo começou a se reunir regularmente, utilizando câmeras analógicas doadas, e, após alguns meses fotografando o cotidiano do bairro, surgiu a ideia de organizar a primeira exposição fotográfica.
O Coletivo conseguiu financiar a exposição por meio de uma vaquinha online e, em dezembro de 2019, realizou sua primeira mostra fotográfica. O evento aconteceu no barracão da Ocupação, espaço de convivência local. A exposição, com 42 fotos, atraiu grande visibilidade tanto da comunidade quanto de pessoas externas. “A gente conseguiu circular na imprensa e inclusive foram as primeiras notícias positivas sobre a ocupação, que naquele momento vivia um período muito tenso”, destaca.
“Movimento em construção”
As fotografias expostas na mostra “Movimento em Construção” refletem o cotidiano da Ocupação sob a ótica dos jovens que vivem ali. “Isso está muito dado, muito evidente quando a gente olha para o conjunto das fotografias, que são fotografias que falam desse espaço e que são feitas por pessoas que estão aqui no dia a dia, tem intimidade aparecendo nas fotos, tem diversidade de momentos, de emoções”, afirma Melhado.
Embora a exposição “Movimento em Construção” seja um marco importante, o objetivo do FotoFlores vai além. O grupo tem como missão manter o Coletivo ativo, oferecendo cultura, incentivando, valorizando e homenageando a Ocupação Flores do Campo. A exposição que estreia neste sábado marca um grande passo na história do Coletivo, pois inaugura o primeiro centro cultural e comunitário da comunidade.
“É um espaço novo, não existe similar aqui no bairro. E muita vida, muitas atividades estão sendo pensadas para que aconteçam aqui, não só operadas pelo Coletivo FotoFlores, mas também por outros agentes culturais, por outras pessoas da comunidade. Então, tem muita coisa para acontecer”, conta.
Com o novo espaço, o Coletivo pretende expandir suas ações e atividades, buscando novos recursos para garantir a continuidade do projeto. “A gente continua buscando financiamento público, eventualmente privado, quando falo privado são editais privados, mas é financiamento no geral para continuar as nossas atividades. Tudo fica mais fácil e mais potente com esse novo espaço que a gente está construindo aqui”, acrescenta.
A exposição é também é um convite para que a população externa se conecte com a realidade do Flores do Campo, um espaço deixado às margens.
“Nossa expectativa é que exista uma integração, um contato entre a população externa, que não costuma vir ao Flores do Campo, porque é uma periferia, é um lugar muito isolado. Então, é um convite para que as pessoas possam viver, conhecer esse espaço em primeira mão, conhecer esse centro cultural que está sendo inaugurado e um pouco da história da própria ocupação e do Coletivo FotoFlores”, destaca.
O objetivo é criar uma experiência imersiva para os visitantes, que terão a chance de “pisar nesse chão de barro e viver, pelo menos temporariamente, algumas experiências da ocupação”, segundo Melhado.
Além disso, é uma oportunidade para que outros agentes culturais e políticos se envolvam nas lutas e melhorias necessárias para a comunidade. “Esperamos que as pessoas se sintam convidadas a realmente participar mais da vida do Flores do Campo. Existem inúmeras demandas de melhorias para esse espaço, e muitas delas passam pelo envolvimento de outras pessoas, pelo engajamento da comunidade interna”, assinala.
A iniciativa é também uma ação política, embora não apresente uma propaganda política explícita em seu discurso. “Ainda que a gente não apareça no nosso discurso, não apareça nas nossas fotografias uma agitação, uma propaganda política de qualquer tipo. Não é isso, mas o próprio ato que estamos realizando de fazer uma exposição, de convidar as pessoas, de trazer pessoas para esse espaço, ele é, em si, político” conclui Melhado.
A ocupação Flores do Campo
Em 2016, a área do Flores do Campo foi ocupada por aproximadamente 800 famílias de baixa renda que lutavam por moradia. O Flores do Campo deveria ser um residencial do programa Minha Casa Minha Vida, mas teve suas obras interrompidas após a falência da construtora responsável. A área, pertencente à Caixa Econômica Federal, está sob disputa judicial, com um processo de reintegração em andamento. Hoje, cerca de 500 famílias vivem no local, que deveria ter sido entregue em 2015.
As moradias encontram-se em diferentes estágios de construção e a infraestrutura é extremamente precária. As dificuldades dos moradores são agravadas pela falta de pavimentação e de serviços essenciais nas proximidades, como escolas, postos de saúde, coleta de lixo e transporte público.
Programação
A programação da exposição no Flores do Campo inclui, além da exibição das fotos, uma sessão de cinema organizada pelo Coletivo de Cinema Negro de Londrina (COCINE), no dia 17 de outubro, às 19h.
Já no dia 19 de outubro, durante o encerramento da mostra no bairro, haverá uma festa coproduzida pelos coletivos Quizomba e FotoFlores, das 13h às 18h, com diversas atrações voltadas à difusão de manifestações artísticas populares e de matriz africana.
Durante a exposição o Coletivo irá comercializar itens como cartazes, pôsteres, fotografias e cartões postais. Com o objetivo de arrecadar fundos que serão usados para manter e expandir as atividades do grupo.
Após a mostra no Flores do Campo, a exposição seguirá para outros locais: entre os dias 26 de outubro e 3 de novembro, poderá ser visitada no Canto do Marl, na avenida Duque de Caxias, nº 3241, e de 9 de novembro a 13 de dezembro, as fotografias serão exibidas na Divisão de Artes Plásticas da UEL, localizada na rua Pernambuco, nº 540, ambas na área central de Londrina.
Serviço
Lançamento exposição “Movimento em Construção” Coletivo FotoFlores
Dia: 05/10/2024
Horário: 13h às 18h
Local: No centro cultural e comunitário sede do Coletivo FotoFlores e da associação de moradores do bairro
(O Residencial Flores do Campo fica continuação da avenida Saul Elkind, no sentido Ibiporã, logo após a rotatória com a Angelina Ricci Vezozzo, nas proximidades da empresa Bemis)
Entrada gratuita
Matéria da estagiária Fernanda Soares sob supervisão.