Docentes que lecionam no Colégio relatam que também foram impedidos de levantar questionamentos para a pasta
Na última terça-feira (22) representantes da APP-Sindicato (Sindicato dos Professores e Funcionários de Escola do Paraná) visitaram o Colégio Estadual Dom Geraldo Fernandes, em Cambé, região metropolitana de Londrina.
O intuito foi acompanhar reunião convocada pela SEED (Secretaria Estadual de Educação) para apresentar o programa “Parceiro da Escola” aos docentes, funcionários, estudantes matriculados na instituição e seus responsáveis. No entanto, os professores vinculados à APP-Sindicato, foram proibidos de entrar.
“Estamos aqui no Colégio Dom Geraldo, em Cambé, onde foi nos negado o direito de entrar na escola, em uma reunião da comunidade escolar. A escola ainda é pública e nós temos o direito também, respeitamos sim a opinião deles [SEED], mas não concordamos, então, os pais também têm direito de ouvir as duas versões, é uma prática antissindical dos dirigentes do Núcleo Regional de Educação, da SEED e, principalmente, da direção da escola, que infelizmente, nos negaram a entrada”, relata Elisabete Eva Almeida Dantas, representante da Secretaria de Funcionárias e Funcionários da APP-Sindicato.
Normativa para a implementação do programa “Parceiro da Escola” nas instituições de ensino da rede estadual estabelece que devem ocorrer “reuniões com a comunidade escolar e a divulgação da consulta pública em todas as instituições”.
Conforme informado pelo Portal Verdade, ao longo desta semana, a APP-Sindicato tem visitado as sete escolas selecionadas para implementação do programa “Parceiro da Escola”, em Londrina e municípios vizinhos, a fim de apresentar os impactos da medida à população.
O objetivo é dialogar com os membros da SEED, que tem organizado encontros nas escolas, procurando retirar dúvidas e emitindo contrapontos ao projeto que pretende repassar a gestão de pelo menos 204 escolas públicas para a iniciativa privada.
Regido pela Lei nº 22.006, o programa proposto pelo governador Ratinho Júnior (PSD) autoriza que a gestão, inclusive financeira, de escolas estaduais seja repassada para a iniciativa privada. Isto quer dizer que serviços como merenda, segurança, limpeza deixarão de ser responsabilidade do estado e passarão a ser competência de empresas particulares.
Esta é a segunda escola na qual dos diretores da APP-Sindicato estiveram. Na segunda-feira (21), as lideranças visitaram o Colégio Estadual San Rafael em Ibiporã. Na instituição, embora a entrada tenha sido permitida, os docentes não puderam se manifestar, ou seja, foram impedidos de questionar a equipe da SEED e dialogar com os pais (saiba mais aqui).
As visitas compõem a programação da campanha “Não venda minha escola”, lançada pelo coletivo em julho deste ano, durante o 14º Congresso Estadual.
“Nós, em Curitiba, nos Núcleos de Ponta Grossa, União da Vitória, Foz do Iguaçu, temos uma receptividade melhor. O Núcleo de Londrina, infelizmente, tem essa prática antissindical e trata o sindicato como se fosse um inimigo. Mas nós somos educadores e estamos aqui porque pensamos no bem-estar dos alunos”, avalia Dantas.
A professora defende que a escola pública deve ser inclusiva, respeitando as diversidades e abrindo espaço para a pluralidade de ideias. “Os empresários querem levar uma parte da educação pública, um dinheiro que já é pago dos impostos e que é para ser investido. Então, se o governo do estado do Paraná e o secretário [de educação], Roni Miranda, não dá conta de gerir a educação, que eles saiam”, adverte.
Ministério Público de Contas pede exoneração de Roni Miranda
Ainda em julho, a pedido da deputada Ana Júlia Ribeiro (PT), o secretário Roni Miranda foi chamado na ALEP (Assembleia Legislativa do Paraná) para fornecer mais informações sobre o programa “Parceiro da Escola”. Porém, apesar de ter confirmado presença, ele não compareceu, desmarcando de última hora.
Uma auditoria técnica do TCE (Tribunal de Contas do Paraná), concluída em setembro, apontou sete irregularidades na contratação das duas escolas-piloto em que o projeto foi implementado, a saber: Colégio Estadual Anita Canet, em São José dos Pinhais, e Colégio Estadual Anibal Khury, em Curitiba.
As informações foram reveladas pela parlamentar durante sessão na última terça-feira. Além da auditoria, a deputada apontou que, neste mês, o Ministério Público de Contas, órgão que atua no combate à corrupção e má gestão dos recursos públicos, endossou o parecer do TCE e pediu a condenação do secretário de Educação.
Entre as irregularidades, o TCE concluiu que o Programa Parceiro da Escola, instituído no ano passado, usou de maneira indevida a modalidade de credenciamento na licitação. Além disso, houve ausência de dotação orçamentária específica; de estudo técnico preliminar, e detalhamento dos custos na formação de preços, prejudicando a análise da viabilidade econômica. A SEED não conseguiu comprovar a origem de recursos para um programa que já custou R$ 220 milhões aos cofres públicos.
O TCE pediu que Roni Miranda e outros envolvidos sejam condenados ao pagamento de multa administrativa, nos termos do regimento interno do tribunal.
Professores e funcionários também são impedidos de questionar SEED
Marcos Vinícius Kloster, professor de geografia há mais de 30 anos, classifica a reunião como “lamentável”. O docente, que compõe o quadro da escola, compartilha que mesmo os professores que lecionam no Dom Geraldo não puderam retirar suas dúvidas. “A maneira como escolheram conduzir, cerceando, principalmente, a fala dos professores da escola, foi totalmente antidemocrático e com ares de autoritarismo. Eu mesmo tentei fazer perguntas várias vezes, levantando a mão, e não foi concedida essa oportunidade”, afirma.
“Eu vendo a reunião fiquei muito indignada desde o início. Algumas pessoa pediram a palavra e foi negado”, conta Maria Helia Pereira dos Santos, mãe de uma estudante do 7º ano.
Kloster destaca que se nem os questionamentos puderam ser levantados, tampouco houve espaço para debate. “Tudo estava organizado para que realmente a gente não tivesse oportunidade nem de questionar o projeto e muito menos de dar nossa opinião e colocar o contraditório. Acho muito triste para a educação pública no Paraná, que tem um histórico de décadas de debates privilegiando a gestão democrática. Os governos sempre deram espaço até para os sindicatos se posicionarem, mas agora não, é totalmente cerceado o direito de falar nas reuniões”, analisa.
Ainda segundo o professor, a restrição ao diálogo tem sido prática reiterada. “A direção da escola, provavelmente orientada pelo Núcleo de Educação e Secretaria de Educação, não oportunizou um debate interno. As conversas nós que temos feitos entre professores principalmente, e alguns funcionários, mas informalmente, não houve até o momento, um espaço para que a gente pudesse analisar e debater o projeto”, observa.
Josemar Lucas, funcionário no Colégio Estadual Dom Geraldo Fernandes há mais de 20 anos, acrescenta que, mediante a ausência de orientações da SEED, a saída tem sido a busca de informações por conta própria.
“Nós que buscamos informações sobre processos de privatização de outros estados e países, por parte do SEED, não temos recebido instruções. Essa reunião com os pais fiquei sabendo ontem [segunda-feira] que seria hoje, a Secretaria não veio conversar conosco internamente para ver quais seriam as nossas dúvidas e saber porque temos resistência ao projeto”, pontua.
Porta trancada
Para inviabilizar a entrada dos professores e da imprensa, a porta da escola foi trancada, dificultando a movimentação, inclusive, de pais que chegavam para o encontro. Responsáveis que chegaram ao colégio, após o início da reunião, ficaram aguardando do lado de fora até que alguém viesse atendê-los. Aqueles que desejaram sair antecipadamente também tiveram de pedir liberação.
“O sindicato é o representante legal da categoria dos professores. Então, foi uma atitude absurda. Eu sei que parece que em outras escolas houve também um cerceamento, mas fechar a porta e deixar para fora, ainda considerando que antes estava chovendo, foi um desrespeito muito grande”, observa Kloster.
Um professor, representando o NRE (Núcleo Regional de Educação) chegou a ficar no portão observando os sindicalistas que, durante as duas horas de reunião ficaram na calçada, debaixo de chuva, panfletando e tentando abordar pais que chegavam à escola.
“Eu fico triste porque eu vejo que as pessoas que estavam lá são professores também. Estão em cargos, direção, núcleo, secretaria de educação, mas são professores. É difícil entender o que leva essas pessoas que têm cargo, uma posição de comando, a se posicionarem contra a sua própria categoria”, reflete.
Sem comunicado prévio, a equipe de comunicação da SEED também filmou os professores, representantes da APP, conversando com os pais na porta da escola.
Terceirização já é realidade
Atualmente, o Colégio Estadual Dom Geraldo Fernandes oferta educação em tempo integral para aproximadamente 300 alunos, distribuídos entre o 6º ano e o 3º ano do ensino médio. Segundo Kloster, o grupo de funcionário da escola é formado por uma parcela significativa de trabalhadores terceirizados.
Em 2020, Ratinho Júnior extinguiu uma série de cargos da administração pública, entre eles os de agente educacional I e agente educacional II (Lei nº 20.199). Desde então, os funcionários de escola são substituídos por profissionais contratados por empresas. Os lotes com os Núcleos Regionais de Educação são disputados em pregões eletrônicos.
Levantamento da APP-Sindicato demonstra que há no estado 7.374 agentes de nível I e 7.467 de nível II, um total de 14.841 servidores. Hoje, em todo o Paraná, metade do quadro já é composto por terceirizados. Os cargos mais ocupados são de servente de limpeza e assistente administrativo.
O professor chama atenção para as condições de trabalho ainda mais precarizadas, incluindo a alta rotatividade dos funcionários. “Salário péssimo e contrato totalmente precário, não têm garantia que vão continuar trabalhando na escola. Esse é um problema que as pessoas não percebem, o quanto é importante o funcionário ter vínculo com a escola para poder entender melhor os alunos, a equipe, o projeto da escola”, diz.
Josemar Lucas também aponta que com o aumento das contratações intermitentes, os funcionários de escola deixaram de ser considerados como “educadores”.
“Nós vínhamos na construção de que todo funcionário de escola é um educador, mas quando terceiriza, passamos a ser apenas números e somos tratados como trabalhadores do comércio e da indústria, o trabalho educativo se perde”, lamenta.
Para ele, um dos principais riscos do programa é o sucateamento ainda maior da carreira docente, visto que o “Parceiro da Escola” permite a contratação de professores via regime celetista, ou seja, sem a realização de concurso. Além disso, possibilita que licenciandos, que estejam no último ano da graduação, acompanhem os alunos.
“Hoje, o governo tem por obrigação, quando um professor fica doente ou pega licença, de contratar um outro professor graduado para fazer a reposição, o programa irá contratar estagiários, que estão se formando para que possam dar aula, vai cair a qualidade de ensino. Esse profissional ainda não terminou o curso, não passou por outras formações, não pegou a turma como regente, esse será um impacto a curto prazo”, assinala.
“Falaram que serão professores estagiários, que não serão nem professores com a formação completa, eu acho péssimo, porque eles não entendem o quanto é difícil você ter um domínio de turma, você ter o domínio de conteúdo, o quanto é importante a experiência, o vínculo com a escola, com os alunos, então, na cabeça deles acham que quando algum professor tiver alguma falta por atestado, por exemplo, que uma pessoa totalmente sem experiência vai lá, entrar na sala de aula e vai dar conta dos alunos, é uma falta de visão da realidade”, complementa Kloster.
O professor também demonstra preocupação com o impacto do programa no processo de aprendizagem dos estudantes. “Para mim, vai provocar uma queda na qualidade. É incomparável um professor de 20, 30 anos de experiência com alguém que ainda não concluiu a graduação”, sinaliza.
O atual corpo docente do Colégio Estadual Dom Geraldo Fernandes já é formado por professores temporários. Kloster evidencia que a maioria dos docentes estão contrários à implementação do projeto. “A maioria é PSS [Processo Seletivo Simplificado] com contrato precário. Eles não têm garantia nenhuma se vão continuar na escola”, observa.
Para Maria Helia Pereira dos Santos, o trabalho desenvolvido por toda equipe pedagógica é focado no desenvolvimento dos estudantes e não há necessidade de mudanças na estrutura escolar. A única crítica apontada pela mãe refere-se ao excesso de plataformas e avaliações, que além de sobrecarregar os alunos, também dificulta a rotina dos professores. “São tantas provas paralelas que os professores quase não está tendo tempo para realmente focar no conteúdo a ser repassado”, sugere.
Para a mãe de outra estudante do 7º ano, que prefere não se identificar, o ensino ofertado pela escola atende as expectativas. Um ponto de atenção, segundo ela, é o atendimento oferecido aos estudantes com deficiência, a exemplo de salas de aula com mais acessibilidade.
Ainda, ela desacredita que todos os supostos benefícios apresentados pela SEED se concretizem. “Será que vai funcionar? A preocupação é com nossos filhos porque não acho que vai beneficiar eles nem os professores, penso que o ensino vai piorar”, desabafa.
Segundo a responsável, esta é a segunda vez que a direção da escola apresenta o projeto, a primeira foi durante a entrega de boletim, em “uma reunião de 20 minutos”, compartilha.
Gestão democrática da educação
Kloster salienta que a gestão democrática da educação, princípio garantido pela Constituição Federal de 1988 e Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, tem sido frequentemente desrespeitada pela gestão Ratinho Júnior.
“O processo democrático ajuda a fortalecer as ideias, a criar um espírito de equipe, de grupo, e a chance das coisas acontecerem de uma maneira mais efetiva, na minha opinião, é quando existe a gestão democrática. Infelizmente, não é só pelo Parceiro da Escola, mas o governo do estado, de uma maneira geral, com a indicação de diretores, sem o processo democrático de consulta à comunidade colocou um regime de autoritarismo”, compreende.
Professores, pais e estudantes têm se queixado de uma série de arbitrariedades desde o anúncio do programa “Parceiro da Escola”. Entre as principais divergências estão as normas para consulta pública. Conforme Decreto 7.235/24, publicado em setembro, nas escolas em que o quórum não for atingido, “será vedada a divulgação do conteúdo das urnas” e, portanto, o programa será implementado compulsoriamente.
“Porque chamar os pais para votarem, então, se no fim, serão eles que vão decidir?”, questiona uma das mães.
Ela complementa sinalizando que os pais gostariam de saber a opinião dos professores sobre o projeto, o que foi impossibilitado pela SEED durante a reunião. “Muita falta de democracia, de empatia e de respeito porque muitos dos pais que estavam presentes gostariam de ter ouvido os professores, mas eles ignoraram”, relata.
“A gente não tem mais a possibilidade de falar. Tudo vem pronto e uma cobrança enorme de que as coisas aconteçam do jeito que foi planejado lá nas distâncias superiores sem considerar a realidade da escola porque nem sempre aquilo que é planejado lá tem a ver com o cotidiano do ambiente escolar”, adverte Kloster.
Em Londrina, cinco escolas foram selecionadas para consulta pública que deve ocorrer na primeira quinzena de novembro: Colégio Estadual Professora Cleia Godoy Fabrini da Silva, Escola Estadual Professora Kazuco Ohara, Escola Estadual Nossa Senhora de Lourdes, Colégio Estadual Doutor Willie Davids e Colégio Estadual Professora Ubedulha Correia de Oliveira. Em Ibiporã, passará pelo processo, o Colégio Estadual Jardim San Rafael, e em Cambé, o Colégio Estadual Dom Geraldo Fernandes.
A redação solicitou à Secretaria Estadual de Educação o posicionamento da pasta sobre a proibição de professores e lideranças sindicais acompanharem as reuniões e se manifestarem, mas até o momento, não obteve retorno.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.