Representantes do Núcleo Regional de Educação alegaram que a reunião seria restrita aos pais de estudantes matriculados no Colégio, impedindo a presença de moradores e professores vinculados à APP-Sindicato
Na sexta-feira, 25 de outubro, representantes da APP-Sindicato (Sindicato dos Professores e Funcionários de Escola do Paraná) e lideranças de movimentos sociais visitaram o Colégio Estadual Professora Cleia Godoy Fabrini da Silva, na zona Sul de Londrina.
O intuito foi acompanhar reunião convocada pela SEED (Secretaria Estadual de Educação) para apresentar o programa “Parceiro da Escola” à comunidade escolar. No entanto, tanto os docentes filiados à APP-Sindicato como os moradores foram impedidos de entrar.
“Eu fui barrado na entrada, onde estava ocorrendo a reunião, fui impedido de participar, não pude contribuir nem com reflexões e muito menos para dirimir as dúvidas que tenho”, relata Padre Dirceu Fumagalli, vigário social da Arquidiocese de Londrina, integrante da coordenação colegiada da Comissão Pastoral da Terra Regional Paraná.
Padre Dirceu ressalta que, apesar de não ter um vínculo direto com a escola, a unidade está localizada próximo à Paróquia. Além disso, sua atuação é marcada pela defesa de políticas públicas em diferentes áreas como direito à moradia, saúde, transporte e, principalmente, à educação popular.
Mesmo assim, sua entrada, bem como de outras lideranças de coletivos e movimentos sociais, foram impossibilitadas por um grupo de professores vinculados ao Núcleo Regional de Educação de Londrina que estavam na portaria controlando a presença dos participantes. De acordo com eles, apenas pais de alunos poderiam ingressar no Colégio.
“Como padre sempre atuei na região a achei que teria alguma legitimidade para participar, mas fui barrado por professores [representantes do Núcleo Regional de Educação] que disseram que não poderíamos participar da reunião porque não éramos pais de alunos da escola. Eu questionei, uma vez que eu sempre acompanhei debates, inclusive, sobre educação naquele território, achei que pudesse ser mais aberto, coloquei que a educação não se restringe apenas a comunidade, é um bem público”, observa.
“Questionei se os professores [que estavam bloqueando a entrada] eram de lá e disseram que não. Também disseram que não moravam na região e nem eram pais de alunos e, claro, que eu fui questionar que legitimidade eles teriam de barrar nossa entrada se não eram professores dali e nem pais dos alunos, portanto, não entendo por que estavam bloqueando nossa entrada. Um professor [representante do Núcleo Regional de Educação de Londrina] foi muito arrogante dizendo que participavam porque estavam ali, independentemente de ser da comunidade escolar. Falou também que se eu quisesse participar de uma reunião, que eu medisse minha popularidade e convocasse uma [reunião] para ver se as pessoas iriam”, adverte.
Regido pela Lei nº 22.006, o programa proposto pelo poder Executivo autoriza que a gestão, inclusive financeira, de escolas estaduais seja repassada para a iniciativa privada. Isto quer dizer que serviços como merenda, segurança, limpeza deixarão de ser responsabilidade do estado e passarão a ser competência de empresas particulares.
Conforme Decreto 7.235/24, publicado em setembro pela SEED, a implementação do programa “Parceiro da Escola” nas instituições de ensino da rede estadual está condicionada ao desenvolvimento de “reuniões com a comunidade escolar e a divulgação de consulta pública em todas as instituições”.
Além disso, com base na normativa, nas escolas em que o quórum não for atingido, “será vedada a divulgação do conteúdo das urnas” e, portanto, o programa será implementado compulsoriamente.
“Eu acho que a forma que está sendo conduzida essa consulta, esse programa, é absurda. É um absurdo porque, de fato, o governo teria mais dificuldade de um controle da comunidade geral do que ter um controle sobre os professores, sobre a direção da escola, sobre pais. Então, essa forma de restringir a participação no debate é uma forma extremamente autoritária. Acho que o programa em si vai na contramão do direito à educação como bem público e a forma que está sendo conduzida é extremamente absurda e antidemocrática”, assinala.
Como demonstrado pelo Portal Verdade, a APP-Sindicato tem enfrentado resistência na visita às escolas. O grupo aponta dificuldades na interlocução com docentes, funcionários, alunos e pais, evidenciando o cerceamento à atividade sindical e gestão democrática da educação, princípios garantidos pela Constituição Federal de 1988.
Comunidade às margens
Padre Dirceu defende a necessidade de ampliar o debate, visto que a educação é um direito que deve ser garantido pelo estado de maneira universal. “Compreendemos que a educação não é mercadoria, é um bem público e, por ser um bem público, pertence de fato à sociedade. Eu acho um equívoco, um absurdo, por exemplo, você instituir um programa que se chama Parceiro da Escola e consultar apenas os pais dos alunos, pois são pais de alunos hoje, mas daqui três, dois ou um ano, eles já não serão mais. Quem tem que opinar essas questões, se fosse para consultar mesmo não seria só a comunidade escolar, a escola não é um bem dos professores e nem dos pais dos alunos. A escola é um bem público, então, é o público que tem que ser consultado”, afirma.
“Quando se fala, por exemplo, que a empresa vai ganhar na eficiência, na expertise, então, isso já está localizando um tom de exploração, os profissionais envolvidos nesse processo, eles serão ainda mais precarizados, quer seja com contratos duvidosos. Baixos salários, sobrecarga de trabalho, porque a empresa não vai ter regras, elas vão seguir regras de mercado e não é isso que está colocado para o processo educacional”, analisa Antônio Marcos Rodrigues Gonçalves, professor de matemática, representante da Secretaria de Assuntos Municipais da APP-Sindicato e membro da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação).
O docente da rede estadual, lotado em Rolândia, também chama atenção para o comprometimento da qualidade do ensino ofertado. “Não há garantia nenhuma de aprendizado, porque a gente tem visto em várias atividades que estão sendo feitas, como audiência pública para os empresários tirarem dúvidas sobre o projeto, que a preocupação deles não é com o aprendizado ou com o conhecimento, mas sim com o lucro e isso é muito ruim para o serviço público”, diz.
Gonçalves pontua que, após muita insistência, ele e outro professor conseguiram entrar no Colégio Estadual Professora Cleia Godoy Fabrini da Silva. Porém, avalia que as reuniões têm sido “esvaziadas de senso realidade”. “Eles [SEED, Núcleo Regional de Educação] falam que vão viabilizar uma série de elementos que são importantes aos pais, dizem que a empresa vai ser responsável por uma série de melhorias, e a gente sabe que isso tem condições de ser viabilizado pelo estado, então, não precisa de uma empresa. Se houver interesse, uma política educacional voltada de fato à cidadania, ao aprendizado, pode ser proporcionada e deve ser proporcionada com a estrutura do estado. Não há necessidade de se contratar uma empresa”, reforça.
“Só que os demais diretores [da APP-Sindicato] que estavam presentes não conseguiram participar, eu acho isso uma truculência, uma falta de democracia muito grande, inclusive, outros membros da comunidade local, mesmo que não pertençam à escola, teriam interesse em participar e não puderam, por exemplo, teve o padre, o presidente da associação de moradores. Isso nos faz questionar qual é o segredo que eles [SEED, Núcleo Regional de Educação] têm para dizer que não pode ser dito de forma geral para a comunidade?”, reflete.
“Eu percebo como a sociedade está totalmente a parte desse processo. As organizações populares não são consultadas, não participam, elas são inviabilizadas, as igrejas, as pastorais, os partidos”, acrescenta Padre Dirceu.
Esta é a quinta visita que o grupo realiza às escolas selecionadas para implementação do programa. No Colégio Estadual Jardim San Rafael, localizado em Ibiporã, região metropolitana de Londrina, os professores foram impedidos de questionar a SEED sobre privatização das escolas (veja aqui). Já em Cambé, no Colégio Estadual Dom Geraldo Fernandes, a porta chegou a ser trancada para inviabilizar a presença dos docentes e da imprensa (saiba mais aqui).
Em Londrina, no Colégio Estadual Nossa Senhora de Lourdes, pais foram convocados para “entrega de boletins”, mas se deparam com reunião para propagandear o programa “Parceiro da Escola” (confira aqui). Já na zona Norte, no Colégio Estadual Professora Ubedulha Correia de Oliveira, moradores foram impedidos de participar da reunião para discutir o projeto. A direção acusou “manipulação” dos moradores por parte da APP-Sindicato (relembre aqui).
Padre Dirceu evidencia o caráter privatista das políticas adotadas pelo governador Ratinho Júnior (PSD). “Querem colocar esse nome fantasia, Parceiro da Escola, mas todos nós sabemos que não é verdade, é um saque de recursos públicos imenso, inclusive, para o bolso do empresariado da educação. Acho que isso é extremamente preocupante, e a gente vê a sociedade passiva sobre isso. Já fizeram isso com os hospitais estaduais, agora fazem com a questão das escolas”, avalia.
“Não sei por que ter governador ou prefeito se não vai ser para fazer a gestão da coisa pública, porque aquilo que é público está sendo privado. O grande problema é esse, como que vai privatizando, a sociedade vai normalizando essas questões, e não é normal, as pessoas estão perdendo”, complementa Padre Dirceu.
“A escola é da comunidade na qual ela está inserida, então, isso eu vejo como um equívoco muito grande da condução desses processos por parte da SEED ou até por uma imposição dos agentes públicos do Núcleo Regional de Educação que estão organizando esse processo, finalizando a organização desse processo nas escolas”, pondera Gonçalves.
Empresas já pedem valores adicionais
Conforme apontado pela APP-Sindicato, durante audiência pública realizada pelo Setor de Licitação da Secretaria de Estado da Educação, no último dia 23 de setembro, gestores de empresas que demonstraram interesse em assumir a administração das escolas estaduais, solicitaram a revisão dos valores.
As organizações querem também a previsão de pagamentos extras para cobrir supostas despesas que não estariam incluídas no cálculo de R$ 800 por aluno. Caso isso não aconteça, afirmam que “poderão ter prejuízo e que o programa não vai funcionar”.
Ainda, discordaram de resolução que estabelece que parte da remuneração das empresas deve estar atrelada ao resultado pedagógico dos estudantes.
Em Londrina, cinco escolas foram selecionadas para consulta pública que deve ocorrer na primeira quinzena de novembro: Colégio Estadual Professora Cleia Godoy Fabrini da Silva, Escola Estadual Professora Kazuco Ohara, Escola Estadual Nossa Senhora de Lourdes, Colégio Estadual Doutor Willie Davids e Colégio Estadual Professora Ubedulha Correia de Oliveira. Em Ibiporã, passará pelo processo, o Colégio Estadual Jardim San Rafael, e em Cambé, o Colégio Estadual Dom Geraldo Fernandes.
A redação solicitou à Secretaria Estadual de Educação o posicionamento da pasta sobre a proibição de professores e lideranças sindicais acompanharem as reuniões e se manifestarem, mas até o momento, não obteve retorno.
Deputado aciona Tribunal de Contas do Paraná
O deputado Professor Lemos (PT) protocolou na última sexta-feira (1) uma medida cautelar no TCE-PR (Tribunal de Contas do Paraná) pedindo a suspensão imediata do Programa “Parceiro da Escola”. Segundo o parlamentar, o projeto ameaça a transparência e a qualidade da educação no estado, caracterizando um movimento de privatização da educação pública.
O deputado também ressaltou que a implementação do programa ocorreu sem consulta à comunidade escolar e sem um estudo técnico prévio.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.