Está em vigor no Brasil desde a primeira semana deste ano a mais recente Classificação Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial da Saúde (OMS). Uma das principais novidades do documento é a inclusão do burnout na lista de doenças ocupacionais.
A síndrome causa sintomas como esgotamento físico e mental em decorrência de situações relativas ao trabalho. No Brasil, ela já era motivo de afastamentos e até mesmo aposentadoria com respaldo do INSS e da justiça. A adoção da classificação da OMS consolida o burnout como uma questão de saúde pública no país.
De acordo com dados da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt), cerca de 30% das pessoas ocupadas em território nacional sofrem com a doença de ordem mental. O país ocupa a segunda posição no ranking mundial de casos.
“Já há algum tempo o aumento na frequência de afastamentos do trabalho vem sendo um tema do capitalismo internacional. A OMS e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), vêm apontando os transtornos mentais como um problema de risco no trabalho na atualidade”, afirma a professora e pesquisadora Cláudia Osório, da Universidade Federal Fluminense (UFF).
A especialista em psicologia e saúde de trabalhadores e trabalhadoras participou do mais recente episódio do podcast Repórter SUS. Na conversa, ela ressalta o peso do pensamento neoliberal e das dinâmicas do capitalismo nessa equação.
“O modo de pensar neoliberal do capitalismo é claramente responsável pelo aumento da frequência de depressão e burnout, principalmente. Mas temos também outras doenças (associadas a esse cenário), como infartos do miocárdio, casos de morte súbita nos corredores da empresa, suicídios de executivos na Europa em suas mesas de trabalho. Tudo isso está no mesmo pacote”.
Nas palavras da professora, a gestão por metas – cada vez mais comuns nos ambientes de trabalho – tende a desconsiderar as condições reais da vida e do trabalho. “A tal da política de excelência coloca uma situação em que as pessoas estão sempre devendo em termos de bom desempenho no trabalho”, pontua.
Os sintomas de burnout podem se manifestar de diversas formas e impactam a saúde física, emocional e social. Na lista de sinais que exigem atenção estão a sensação persistente de esgotamento e falta de energia, dificuldade de concentração, irritabilidade e ansiedade.
Além disso, pessoas acometidas pela doença podem apresentar alterações no sono, como insônia ou sonolência excessiva, dores de cabeça frequentes, tensão muscular e problemas gastrointestinais. O desinteresse pelas atividades laborais e a perda de motivação também são comuns.
Em casos mais graves, o burnout pode levar à depressão, isolamento social e pensamentos suicidas. “Não é qualquer depressão, é um tipo muito específico; por isso, merece a diferenciação. Não são os ossos do ofício. Não é normal que o trabalho leve alguém a um ponto de esgotamento em que um fim de semana não te deixa descansado para retomar na segunda-feira”, alerta a pesquisadora.
O cinismo também é um dos sintomas do burnout. Ele se manifesta em comportamentos de indiferença e descaso pelo trabalho. Com o tempo, essa situação pode levar a uma perda total de sentido na função exercida.
“Essa é uma característica que pode até aumentar o preconceito, um tipo de depressão muito focado no trabalho. A pessoa pode ter ânimo para ir ao cinema, estar com a família, brincar com os filhos, e não ter ânimo para trabalhar. É um mecanismo de defesa para a pessoa não desmoronar de vez”, explica Cláudia Osório.
A especialista afirma que a solução para o problema está na garantia de participação de trabalhadores e trabalhadoras e na coletividade. Segundo ela, é necessário se pensar em novas relações de trabalho.
“Uma gestão mais participativa de fato – não por enquete, não por pesquisas de clima, mas sim participação de fato – é muito importante. Vemos sindicatos bem intencionados querendo proteger a saúde de seus trabalhadores e brigando por atendimento psicológico, terapia, psicoterapia. Muito mais importante é a mudança das normas de trabalho, do grau de participação dos trabalhadores, da possibilidade da existência de coletivos de trabalhadores fortes no dia a dia de trabalho”.
Fonte: Brasil de Fato