Veja quem são os 11 deputados com gastos suspeitos; presidente Traiano responde por R$ 76 mil em gastos contestados
Pelo menos 11 deputados e ex-deputados estaduais do Paraná enfrentam ações na Justiça por gastos suspeitos reembolsados pela Assembleia Legislativa (Alep) entre 2011 e 2019. As notas fiscais sob contestação ultrapassam R$ 1,03 milhão, em valores não atualizados. Trata-se de despesas exclusivas com alimentação, muitas das quais rubricadas em bares, choperias e restaurantes de menus caros de Curitiba.
Os processos sobre os gastos suspeitos começaram a tramitar por ações civis públicas movidas entre 2018 e 2019 pela Organização da Sociedade Civil Vigilantes da Gestão Pública. A entidade pede devolução do montante aos cofres do Legislativo. Até agora, porém, a maioria dos processos ainda não chegou à sentença em 1ª instância. Os elementos que subsidiam os questionamentos levados à Justiça foram extraídos do Portal da Transparência da Alep – canal retirado do ar em meados de agosto (veja abaixo).
A organização que entrou com os processos alega que deputados pediram ressarcimento de gastos com refeições em Curitiba, sede da Assembleia Legislativa – não só para eles, como também para convidados. A ONG mostra que o texto até então regulamentador do uso das verbas de ressarcimento previa, literalmente, reembolsos com alimentação “do parlamentar e de assessores em viagens no exercício da atividade parlamentar”.
Planilhas de notas anexadas aos autos dos processos mostram ainda pagamentos bastante altos em restaurantes e estabelecimentos badalados de Curitiba. Refeições acima de R$ 1,8 mil em churrascarias, notas frequentes em fondues – onde os cardápios costuram ser bastante caros – e em restaurantes de chefs renomados. A entidade também colocou sob contestação consumos em locais bastante conhecidos pela vida noturna curitibana, como o Gato Preto. Há também refeições pagas com dinheiro público em fins de semana e feriados, como os de carnaval, em restaurantes do Litoral.
Novo sistema
Tanto nos autos como em manifestação à reportagem, a Assembleia nega qualquer irregularidade nos reembolsos aprovados pelo órgão técnico da Casa. Mas logo depois de os primeiros processos sobre os gastos suspeitos começarem a tramitar, a Assembleia Legislativa apreciou uma remodelagem nas regras de utilização das verbas de ressarcimento. A discussão foi aberta na retaguarda de Inquérito Civil aberto pelo Ministério Público do Paraná, que instaurou o procedimento para apurar a compatibilidade das regras de reembolso com as possíveis irregularidades nos pagamentos citadas nas ações civis públicas. O órgão ainda recomendou mais transparência na divulgação dos dados da Casa.
Aprovada em plenário, a nova resolução atrelou limite de gastos à Unidade Padrão Fiscal, com correção automática de defasagens. O teto de ressarcimento geral (não apenas de alimentação) passou de R$ 31.470 para 302 UPF/PR por deputado, algo em torno de R$ 39 mil no indicador mais recente fixado pelo governo. O documento também amarrou a compensação das verbas de refeições a 8% da unidade padrão, cerca de R$ 3.120 na conversão de setembro.
Algumas das notas enviadas pela Justiça mostram não raras vezes, quando não havia limite para esta despesa, reembolsos com serviços de fornecimento de alimentação acima de R$ 5 mil por mês, com pares de acumulados mensais beirando os R$ 10 mil por alguns eleitos. Semanticamente, o termo “em viagem” desapareceu da redação do parágrafo, e a premissa passou a ser que a despesa esteja relacionada à atividade parlamentar.
O texto elaborado pela Mesa Diretora unificou todos os atos e resoluções que já versavam sobre o tema isoladamente. Afirmava-se ser um caminho para simplificar regras, contemplar a divulgação de todos os gastos e, como orientou o MPPR, aumentar a transparência – embora este tenha sido justamente o ponto atacado pelo ato recente da Assembleia, agora já revertido.
Gastos suspeitos
A resolução hoje em vigor foi publicada no Diário Oficial com assinatura do presidente do Legislativo, Ademar Traiano (PSD), candidato à reeleição e réu em uma das ações. A ação movida contra ele pelos gastos suspeitos com alimentação questiona o reembolso de R$ 76.091,58 por refeições em Curitiba entre 2011 e 2019 quando as regras de ressarcimento ainda condicionavam, ao menos literalmente, devoluções para gastos em viagens.
O pedido feito pela entidade à Justiça é de que as cifras incompatíveis com as regras em vigor até 2019 sejam integralmente devolvidas pelos deputados.
Na atual legislatura, também se defendem de ações semelhantes por gastos suspeitos com refeições outros sete deputados: Mauro Moraes (União), por reembolso de R$ 287.525,73 entre 2014 e 2018; Anibelli Neto (MDB), R$ 175.790 entre 2014 e 2019; Plauto Miró (União), por R$ 164.987,86 entre 2014 e 2019; Francisco Buhrer (PSD), R$ 82.870,68 entre 2015 e 2018; Marcio Nunes (PSD), R$ 32.483,83 entre 2015 e 2018; Wilmar Reichembach (PSD), por R$ 13.036,99 entre 2015 e 2018); Professor Lemos (PT), R$ 12.371,22, de 2015 a 2018.
Se juntam ao grupo parlamentares já fora da Casa. Do ex-deputado André Bueno, o pedido recai sobre o reembolso de R$ 41.327,88 de despesas entre 2015 e 2018. Para o agora deputado federal Felipe Francischini (União), retornaram R$ 103.240,44 de gastos nos mesmos critérios.
Todas as informações constam nos autos dos processos, movidos individualmente contra cada deputado e que são públicos. A exceção é do atual deputado estadual Ricardo Arruda (PL), cujo processo tramita em segredo de Justiça a pedido da defesa do próprio parlamentar. Dele, se acatado em sentença, o retorno aos cofres da Alep deveria de ser de R$ 40.303,98.
Até agora, duas das ações sobre os gastos suspeitos já foram consideradas improcedentes em 1ª instância. Nos processos que aparecem como réus os deputados Plauto Miró e Francisco Buher, o juiz de Direito Substituto Jailton Juan Carlos Tontini, da Vara da Fazenda Pública, acatou argumento das defesas e da própria Assembleia de que as supostas irregularidades seriam, na verdade, interpretações equivocadas dos textos regulamentadores, sendo o ressarcimento de despesas uma espécie de “indenização” pelos gastos “imprescindíveis para o exercício da função pública”.
Gastos suspeitos estariam dentro das regras
Dentro desta lógica, o magistrado entendeu não haver ilegalidade nas despesas ressarcidas dos réus, independentemente do local dos gastos e do período. Considerou, portanto, que notas “emitidas em finais de semana e durante período de recesso parlamentar também, por si só, não evidenciam ilegalidade”, pois “as atividades parlamentares vão além daquelas inerentes ao processo de apresentação, aprovação e finalização das leis”. E ressaltou o processo de aprovação interna ao qual são submetidos os pedidos de reembolso.
Pelas regras, as prestações de contas dos parlamentares da Assembleia Legislativa do Paraná são analisadas por uma comissão própria, a de Tomada de Contas, que é quem emite o relatório dos pagamentos para a Diretoria Financeira do legislativo após análise individual das notas. A norma prevê acúmulo de gastos, ou seja, o que um deputado não usa em um mês fica como “crédito” para o mês seguinte, exceto em período pré-eleitoral.
Na próxima semana, o Tribunal de Justiça aprecia recurso interposto pela ONG contra a decisão de não condenar o deputado Plauto Miró a ressarcir os cofres da Alep pelos gastos questionados na ação. Em nota ao Plural, o parlamentar defendeu que as notas “foram consideradas regulares tanto pela Assembleia Legislativa, quanto pelo próprio Poder Judiciário, em primeiro grau”, e que vai aguardar a decisão do Judiciário sobre a apelação na instância superior “para se manifestar em mais detalhes, se for necessário”.
Em defesa dos gastos
Francisco Buhrer também citou a improcedência determinada pelo juiz de 1ª instância. “Importante destacar que a sentença é clara no sentido de demonstrar a correição da conduta do Deputado, constando expressamente que a decisão judicial ‘é no sentido de corroborar que o reembolso – cabível no caso do réu conforme já exposto – de fato passou por todas as etapas necessárias à sua eficaz realização’”, afirmou, também em nota.
Anibelli Neto, o parlamentar com o segundo maior gasto levado à Justiça, disse confiar no sistema judiciário e ter certeza de que a ação será arquivada, “principalmente considerando que de imediato já obtivemos encaminha uma decisão favorável, derrubando a liminar que havia sido inicialmente concedida [sic]”. A fala faz referência a decisões que barraram limiares dadas para garantir o bloqueio de bens dos parlamentares citados.
Muitas destas liminares foram suspensas a partir de pedido da própria Alep e acatado pela presidência do Tribunal de Justiça. “O ressarcimento de despesas é inerente à atividade parlamentar e os gastos ressarcidos estavam perfeitamente de acordo com as normas da Assembleia Legislativa, que tem autonomia para definir seus limites. Tais despesas foram aprovadas pela Comissão de Tomada de Contas da Assembleia, pelo seu Plenário e pelo Tribunal de Contas do Estado”, acrescentou Neto.
Marcio Nunes, ex-secretário de Desenvolvimento Sustentável, também contesta as irregularidades apontadas na ação – à que se refere como “proposta com interesses escusos, visando denegrir sua imagem e sua ilibada reputação” – e afirma estar confiante na Justiça. Segundo ele, todo o ressarcimento dos gastos de seu primeiro mandato foi apurado com rigor de acordo com o regimento interno da Assembleia e aprovados pela Comissão Permanente de Tomada de Contas, “até porque não ultrapassam o montante de R$ 800 por mês, em média, conforme já demonstrado ao Juízo competente para julgamento da causa”.
Em contato com a reportagem, a defesa do parlamentar professor Lemos disse que a contestação promovida pelas ações deixa de lado a prática do Legislativo. “A questão é se a norma [a que a entidade se refere] parece ter sido mal redigida, e parece que foi, tanto que a Assembleia corrigiu e justificou. Os reembolsos sempre aconteceram, os gastos em Curitiba estão de acordo com o regulamento da atividade parlamentar”, afirmou Miguelângelo Rodrigues Lemos.
Ainda segundo o advogado. a média dos gastos do deputado questionados na Justiça – em torno de R$ 260 por mês – é um preço praticável também de acordo com as normas da casa. Seria diferente, portanto, de valores mais altos taxados em processos contra outros parlamentares. “Embora sempre tenha sido possível pedir reembolso, também não é qualquer reembolso, de qualquer lugar”.
Em nome do Legislativo e do presidente da Casa, o deputado Ademar Traiano, a Alep ressaltou as duas sentenças de 1ª instância que consideraram improcedentes os pedidos feitos pela ONG. De acordo com a Assembleia, as decisões comprovam não ter havido irregularidades e que a análise das contas prestadas pela Casa é no sentido de corroborar que o reembolso de fato passou por todas as etapas necessárias à sua eficaz realização.
“Ademais, os processos que aguardam decisão de mérito, contudo, é prudente reforçar que em casos análogos o judiciário entendeu pela improcedência dos pedidos, reconhecendo que a utilização das verbas ora questionadas estava diretamente relacionada com o exercício do mandato parlamentar.”
Os demais deputados e ex-deputados citados nos processos dos gastos suspeitos não se retornaram o contato feito pela reportagem na última sexta-feira (2).
Falta de transparência
Durante alguns dias, usando como pretexto a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), o presidente Ademar Traiano (PSD) decidiu que informações públicas sobre gastos dos deputados não deviam ficar disponíveis. A LGPD, aprovada em 2018 pelo Congresso Nacional, regulamentou o tratamento de dados pessoais por agentes públicos e privados. Devido a manobras como a da Assembleia paranaense, a própria Justiça já vem definindo limites quando se trata de bases de interesse coletivo e usadas como instrumento de controle social dos poderes e suas instituições.
Apesar das ressalvas, o Legislativo paranaense restringiu conteúdos disponíveis como forma de “estabelecer uma política de privacidade adequada aos novos desafios propostos pela LGPD em consonância ao proposto na Lei de Acesso à Informação (LAI)”. A medida só caiu após repercussão. O Ministério Público (MPPR) pediu explicações, e a Inspetoria de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR) exigiu o restabelecimento das publicações removidas.
Ficaram fora do ar, por exemplo, dados como salários dos deputados, gastos dos gabinetes e notas de ressarcimentos feitos aos parlamentares – categoria esta que estrutura as ações civis públicas em trâmite contra o dinheiro devolvido aos eleitos em suposto desacordo com as regras da Casa.
Fonte: Redação Jornal Plural