A maior parte da categoria não tem acesso a direitos. Dificuldade começa em reconhecimento do vínculo trabalhista
De acordo com pesquisa inédita desenvolvida pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), existem 1,5 milhão de trabalhadores por aplicativo no Brasil. Deste contingente, aproximadamente 1,3 milhão, ou seja, 93% são entregadores acionados por plataformas virtuais. Os graus de escolaridade variam entre ensino médio e pós-graduação completa. Já a idade oscilou entre 22 e 63 anos. Os dados foram coletados ao longo de 2021. O relatório completo pode ser acessado de maneira gratuita clicando aqui.
Outro achado da investigação diz respeito a dificuldade de acesso a direitos (como salário-mínimo mensal, limite de jornada, descanso semanal, férias, acesso à Previdência Social) enfrentada pela categoria. Entre 485 decisões distribuídas pelas 24 regiões a Justiça do Trabalho relacionadas às plataformas Uber, 99 Pop, iFood, Rappi, Loggi e Play Delivery, a maioria (78,14%) não reconheceu que os trabalhadores possuíam vínculo empregatício com as empresas.
Júlio Marinho, doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) observa que a partir de 2020, com a crise sanitária global provocada pelo novo coronavírus e a decorrente necessidade de isolamento social, o ambiente digital passou a ser ainda mais valorizado. Entretanto, ele pontua, que embora o mundo conectado contribua para a interação social, entretenimento, disseminação de informações mais livremente, também altera as formas como o trabalho está organizado e as concepções formuladas sobre o que é trabalho. “Muitas vezes, o digital tornado trabalho sem regulamentação desconstrói o que entendemos como trabalho formal e isso é grave. O trabalhador tem que ter direitos, tem que ter carteira assinada”, assinala o pesquisador.
O estudioso observa, ainda, que fenômenos como a uberização e plataformização do trabalho tendem a ser vistos como arranjos em que os trabalhadores e trabalhadoras dispõem de mais liberdade e autonomia em face da ausência de jornadas pré-estabelecidas, porém, ele ressalva que esta compreensão é uma “falácia”, pois no cotidiano, o que tem sido percebido é o inverso disso. “As pessoas submetidas a este tipo de organização do trabalho são extremamente exploradas, estão submetidas a uma espécie de servidão digitalizada”, ele afirma.
Marinho chama atenção para os reflexos da lógica que coloca os sujeitos como “empreendedores de si mesmos”. Para ele, esta visão, além de ampliar a precarização do trabalho, desresponsabiliza os poderes públicos que devem assegurar qualificação e inserção dos indivíduos no mercado de trabalho. “As pessoas se culpam por não conseguirem trabalho, mas não deveria ser assim, o Estado que deveria se culpar por não criar oportunidades de trabalho para a sua população”. Atualmente, o Brasil possui mais de 10 milhões de desempregados e mais de 39 milhões de pessoas sobrevivendo na informalidade, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.