Será julgado no dia 29 de setembro (quinta-feira), às 9 horas, no Tribunal do Júri em Londrina, o réu Sandro de Jesus Machado, acusado por estupro de vulnerável e feminicídio de sua enteada Sara Manuele Silva, que tinha apenas 9 anos. Ela foi morta no dia 20 de julho de 2019, mas seu corpo só foi encontrado no dia seguinte, mesma data em que o réu foi preso. Ele permanece detido desde então.
A criança foi encontrada morta e com sinais de estupro em um matagal perto de sua casa, segurando uma nota de cinco reais. De acordo com informações do Ministério Público, Sandro já teria abusado sexualmente da menina por diversas vezes e a matou para encobrir os crimes sexuais que cometeu. Ele afirmou que estava embriagado e sob efeito de cocaína e que por isso matou a vítima, pois perdeu a noção das atitudes que tomou.
O julgamento será acompanhado por Néias – Observatório de Feminicídios de Londrina, que produziu Informe Especial sobre o caso, disponível aqui.
É possível acompanhar o julgamento presencialmente e também no canal do YouTube do Tribunal do Júri.
Para Néias, o caso de Sara expõe a invisibilização das meninas em situação de violência, que se evidencia até mesmo na ausência de dados estatísticos e específicos sobre o problema. Muito embora a escola tenha percebido mudanças no comportamento de Sara, o acolhimento recebido não foi suficiente para evitar sua morte.
Entenda o caso
No dia 21 de julho de 2019, Sara Manuele da Silva, com apenas 9 anos, foi encontrada morta com marcas de esganadura, sem roupas da cintura para baixo, num fundo de vale, com cinco reais na mão e um preservativo usado ao lado de seu corpo.
Sandro de Jesus Machado, com 25 anos na época do crime, padrasto de Sara, é acusado pelo Ministério Público de ter estuprado e matado a menina, sob a justificativa de impedi-la de contar sobre o abuso a outras pessoas.
Após ser preso e no decorrer do processo foram apurados indícios de que o acusado já teria abusado sexualmente por diversas vezes da enteada, antes do crime de feminicídio.
Sandro e a mãe de Sara mantinham uma união estável, têm dois filhos juntos e começaram a se relacionar quando a menina tinha 2 anos de idade.
Por que não conseguimos proteger Sara?
De acordo com informações do processo, profissionais da escola onde Sara estudava informaram ter notado mudanças no comportamento dela no meio de 2019, quando se tornou mais agitada e reclamava de forma reiterada de dores na barriga. Observaram também que a menina surgiu com materiais mais caros, que não condiziam com a realidade da família. Com a suspeita de algo errado, a escola notificou a rede de proteção.
A rede ouviu a criança na escola, longe dos familiares, no dia 7 de junho de 2019. Porém, Sara não relatou que sofria abuso sexual, apenas que sua mãe e seu padrasto brigavam muito e que Sandro bebia. Assim, encaminharam a mãe para o CAM (Centro de Atendimento à Mulher), relatando que fizeram todas as orientações e medidas preventivas de violência.
Para Néias, a morte de Sara mostra que as meninas vivem em situação de total invisibilidade quando vitimadas pela violência. “Se nós mulheres já encontramos dificuldade em sermos ouvidas, as meninas encontram ainda mais empecilhos”, aponta o Informe.
A violência contra meninas se encontra em todos os níveis da sociedade, já que historicamente elas crescem sob conceitos de uma educação adultocêntrica (superioridade do adulto sobre a criança), falocrática (relações desiguais de gênero dentro da família) e androcêntrica (supervalorização do homem), o que as torna invisibilizadas.
“Prova dessa falta de visibilidade transparece quando verificamos a ausência de dados estatísticos e específicos sobre as violências contra meninas, sendo comum o uso de dados de forma global”, pondera o documento.
Para o coletivo, não é possível enfrentar essas violências sem conhecer e apreender seus contornos e particularidades. Sem dados precisos não se consegue criar políticas públicas de qualidade e pensá-las exige uma participação ativa do Estado e da sociedade no processo de planejamento, execução e avaliação dessas ações.
Néias acredita que é urgente e necessária a união de forças, no campo de luta por direitos, para a construção de políticas públicas que protejam efetivamente todas as mulheres e meninas.
O que podemos fazer para prevenir novos casos como o de Sara?
No estudo da UNICEF Brasil sobre ‘Panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no Brasil’, a entidade aponta 7 pontos cruciais para que se previnam atos de violência letal e sexual contra crianças e adolescentes, sendo eles:
Não justificar nem banalizar a violência
Cada vida importa, e cada criança e adolescente deve ser protegido de todas as formas violências. Não se pode normalizar as mortes e a violência sexual, é preciso enfrentar esses crimes. Toda pessoa que testemunhar, souber ou suspeitar de violências contra crianças e adolescentes deve denunciar. Proteger é responsabilidade de todos.
Capacitar os profissionais que trabalham com crianças e adolescentes
Eles são fundamentais para prevenir, identificar e responder às violências contra a infância e a adolescência. Ampliar a implementação da Lei 13.431, voltada à escuta protegida de crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de violência.
Trabalhar com as polícias para prevenir a violência
Investir em protocolos, treinamentos e práticas voltadas à proteção de meninas e meninos.
Garantir a permanência de crianças e adolescentes na escola
Entendendo a escola e os profissionais da educação como atores centrais na prevenção e resposta à violência.
Ampliar o conhecimento de meninas e meninos sobre seus direitos e os riscos da violência
Para prevenir e responder à violência, é importante garantir que crianças e adolescentes tenham acesso à informação, conheçam seus direitos, saibam identificar diferentes formas de violência e pedir ajuda.
Responsabilizar os autores das violências
Garantir prioridade nas investigações sobre violências contra crianças e adolescentes.
Investir no monitoramento e na geração de evidências
Levantamentos como este Panorama são essenciais para entender o cenário das violências e tomar medidas para enfrentá-lo.
Onde denunciar os crimes contra meninas e meninos?
Disque 100: número do governo federal voltado para auxiliar e dar orientações em caso de violação aos Direitos Humanos. A ligação é gratuita e anônima.
Disque-denúncia 181: serviço centralizado que permite a qualquer pessoa fornecer à polícia informações sobre delitos e formas de violência, com absoluta garantia de anonimato.
Disque 190: canal com a polícia militar caso a violência esteja ocorrendo naquele momento e seja urgente.
Cras ou Creas (centros de referência em assistência social) da sua cidade. Nesses locais, é possível obter suporte psicológico, além de instruções sobre como agir.
Conselho Tutelar de sua cidade ou o Ministério Público. Ambos têm obrigação de agir diante desse tipo de denúncia.
Delegacia de Polícia, onde é possível registrar um boletim de ocorrência.
Fonte: Informe Néias – Observatório de Feminicídios de Londrina