Pesquisadora aponta que racismo afeta acesso a serviços de saúde mental e demais direitos
De acordo com dados do Anuário de Segurança Pública 2022, mortes decorrentes de suicídio dobraram no Paraná desde 2012. Em uma década, a taxa saltou de 3,1 para 7,3 mortes por suicídio a cada cem mil habitantes. No Brasil, a incidência de mortes a cada cem mil habitantes por suicídio pulou de 3,6 para 6,7 no mesmo período.
Pesquisa intitulada “Lesão autoprovocada em todos os ciclos da vida”, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, observou que o perfil das vítimas de suicídio (com desfecho letal ou não) atendidas com mais recorrência em hospitais das capitais brasileiras é de homens adultos negros. Entre mulheres, a maioria das vítimas também é negra.
Fernanda Neves, mulher negra, mestranda em Psicologia na Universidade Estadual de Londrina (UEL), considera que o racismo afeta a saúde mental de diversas formas. Considerando, especificamente, a realidade das mulheres negras no país, a pesquisadora aponta que a maioria está em situação de vulnerabilidade econômica, grande parte são chefes de família, mães solo e frequentemente são condicionadas a negligenciar suas saúdes física e mental devido a extensas jornadas de trabalho fora e dentro de casa, cuidados com filhos e demais familiares.
“Ser mulher negra no Brasil é saber que você vai ganhar menos que um homem branco, do que uma mulher branca, menos do que um homem negro. Quando estas mulheres têm tempo para se verem como mulheres e seres humanos? Se eu não me vejo como pessoa, como pensar na minha saúde?”, ela questiona.
Dossiê Mulheres negras e justiça reprodutiva 2020-2021, produzido pela ONG Criola, identificou que 40% das pessoas em situação de extrema pobreza no país são mulheres negras. O índice cai para 12% quando olhamos para mulheres brancas. Ainda, de acordo com o estudo, o rendimento médio de mulheres negras foi de R$ 1.573 no período enquanto o de mulheres brancas alcançou R$ 2.660.
“Para mulheres negras, a voz é escondida. Algumas mulheres têm o direito de falar, se manifestar e outras são silenciadas, caladas, são colocadas em um lugar de servidão. E quando vamos tratar de saúde mental, quando estas mulheres negras são ouvidas? Quando elas podem falar? Em quais espaços?”, alerta Neves.
Neves ressalta a dificuldade de acesso a direitos sociais que compromete a saúde mental impossibilitando desde a garantia de tratamentos à possibilidade de que sonhem com um futuro.
“Quando um jovem tem acesso à educação, alimentação de qualidade, moradia, por exemplo, ele tem acesso a segurança e com isso ele consegue ver um futuro, criar uma perspectiva. Esta possibilidade não é dada para todo mundo. Se você não consegue projetar, sonhar, ter esperança de que poderá viver, qual é o sentido de ser e estar no mundo?”, observa.
Dados levantados pelo Ministério da Saúde em parceria com a Universidade de Brasilia (UnB) indicam que o risco de suicídio é 45% maior entre a população negra ante a branca. Jovens negros, entre 10 a 29 anos, são o maior número das vítimas de suicídio no país, ainda segundo a investigação.
“Quando o estado não dá suporte, não garante acesso a condições básicas de sobrevivência é uma forma de impulsionar a morte. É um tipo de morte que começa no plano simbólico e vem para o manifesto, o concreto. Como eu posso falar para uma pessoa que ela pode sonhar e viver se, de fato, as condições dela não proporcionam isso?”, questiona.
A psicóloga destaca a inexistência de políticas públicas voltadas, especificamente, para a saúde mental população negra. Segundo ela, existem algumas iniciativas dentro das universidades, organizadas, principalmente, por coletivos de estudantes e professores negros, que propõem ações orientadas pelo recorte de pertencimento étnico-racial. A formação de profissionais da área da Saúde com um olhar racializado, atento as especificidades e opressões vivenciadas pela população negra é uma demanda urgente, de acordo com a pesquisadora.
Neves ressalta também a relevância da formação de redes e trabalho de base dentro das comunidades, desconstruindo a ideia de que é culpa do individuo a dificuldade de inserção e acesso aos direitos. “As políticas públicas não chegam neste espaço e a própria comunidade se organiza, cobram para que elas cheguem, para que os políticos olhem para estes lugares”, avalia.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.