Em audiência pública, londrinenses criticam distribuição de alimentos e atribuem furtos a esta população
Moradores de várias regiões da cidade lotaram a Câmara de Vereadores na noite desta segunda-feira (24) durante uma audiência pública que discutiu o problema das pessoas em situação de rua em Londrina. Secretários municipais e representante do Ministério Público e da Polícia Militar convidados pela Comissão de Segurança Pública do Legislativo foram cobrados pelos participantes a retirarem essas pessoas de seus bairros.
“Estamos pedindo socorro. Precisamos que façam cumprir o Código de Posturas”, disse a professora aposentada Iara Fernandes, que mora em frente à Concha Acústica, no centro da cidade. Ela acusa as pessoas em situação de rua de fazerem “algazarra” no local.
“Ontem, não tive coragem de sair de casa para ir à Igreja.” Segundo Iara, a maioria dos seus vizinhos já foi assaltada. “Eu consigo amá-los porque sou cristã, mas não suporto mais ter medo de sair na rua. Entendo o problema deles, mas quero que os vereadores entendam o meu.”
A professora reclama da deterioração da região e diz que não dá “nem para tirar fotografia do Centro Histórico porque tem gente deitada na rua”. Critica, ainda, as entidades que fazem distribuição de alimentos no local. “Não fosse a distribuição de comida não teria isso”.
Presidente da Associação dos Moradores do Jardim Shangri-lá, Gabriela Fontoura afirmou que os furtos no bairro são diários e que as pessoas em situação de rua fazem “obscenidades” ao ar livre. “Pessoas fazem sexo na rua em frente das crianças.” Ela reclamou de ter sido criticada em audiência pública anterior. “Quando falei que não era para as pessoas levarem alimento, ouvi dizer que eu era fascista.”
Outra representante de moradores que discursou foi a síndica do Edifício Bosque (centro), Elisa Arruda Medeiros. Ela defendeu que as pessoas em situação de rua sejam retiradas do local pelo município por meio de um “trabalho efetivo das secretarias”.
“Tem de ser feito um plano, fazer a anamnese dessas pessoas, ver quais habilidades que elas têm e fazer um plano de formação”, sugeriu. A síndica reclamou que as pessoas em situação de rua fazem necessidades fisiológicas em frente ao prédio dela e que respondem “chama a polícia”, quando são abordados. “É uma situação terrível.”
Segundo Elisa, a população de rua vem crescendo nos últimos quatro anos. “Antes tinham poucos.” Ela disse acreditar que muita gente vem de fora, “do Rio de Janeiro, de São Paulo”, porque ouve falar que serão bem recebidos em Londrina.
Criminalização
O comandante do 5º Batalhão de Polícia Militar (BPM), tenente-coronel Nelson Villa, disse que moradores da cidade vão até a corporação pedir que as pessoas sejam retiradas das ruas. Mas sustentou que esse “não é um problema de polícia”. Ele destacou que a PM só pode atuar por ordem judicial ou em flagrante delito. “Fora isso seria excesso.” Ele defendeu uma força tarefa para tratar a questão.
“Precisamos trabalhar em conjunto. Esse não é um problema de polícia e sim de política pública.” Por outro lado, a secretária municipal de Assistência Social, Jaqueline Micali, afirmou que entre os moradores de rua há pessoas que cometem delitos e que não compete à sua pasta atuar nesses casos. “Não podemos achar que a assistência social vai tirar traficantes, receptadores.”
Antes da participação da secretária, o vereador que convocou a audiência, Santão (PSC), havia criticado a pasta porque teria um dos maiores orçamentos da Prefeitura e não consegue resolver a situação. Micali afirmou que o orçamento para atendimento aos moradores em situação de rua representa apenas 3% do total da pasta e garantiu que o Executivo vem atuando para ampliar o atendimento a essas pessoas.
Ela disse que o governo do Estado repassa poucos recursos para o trabalho de atenção a essas pessoas e que o Governo Federal cortou o orçamento em 60%. Segundo Micali, existem 115 vagas para acolhimento na cidade, mas a secretaria não pode obrigar as pessoas a saírem das ruas.
“Cada um com sua atribuição. A nossa é de fazer a abordagem social, o trabalho de convencimento. Se precisa ir 10 vezes até a pessoa, nós vamos.” De acordo com a secretária, o perfil das pessoas que vive nas ruas vem mudando muito. “Hoje temos servidores públicos e empresários vivendo em situação de rua”, conta.
O secretário da Saúde, Felippe Machado, disse que a pasta atende em média 13 pessoas em situação de rua todos os dias. “Nem sempre as pessoas aderem ao tratamento. Nem sempre estão dispostas a ir para abrigos. Precisam ser abordadas várias vezes.”
Aumento de desabrigados
A promotora de Defesa dos Direitos Humanos do Ministério Público Estadual, Susana de Lacerda, lembrou que o aumento de pessoas vivendo nas ruas é um problema de todo o País. Só em 2022, 26.400 pessoas entraram nesta condição no Brasil, segundo dados da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
“De dezembro de 2021 até o mês passado, a população saltou de 158.191 para 184.630”, contou. Ela citou levantamento da Universidade Estadual de Londrina (UEL), segundo o qual, os motivos que levam as pessoas à situação de rua são vários: uso de substâncias psicoativas, transtornos mentais, violência doméstica e desemprego, entre eles.
O vereador Santão disse que convocou a audiência a pedido dos moradores, principalmente da região central e do Shangri-lá, que sofrem assaltos perto de suas casas. Ele não acredita que a situação econômica seja a causa do problema.
“As pessoas vão para as ruas por causa de drogadição, de alcoolismo. A situação de pobreza não leva as pessoas às ruas.” Oposição ao prefeito Marcelo Belinati, Santão afirmou que há muito dinheiro empregado na Assistência Social e questionou a efetividade do trabalho da pasta.
“É inadmissível que as pessoas que pagam impostos e geram renda sejam vítimas de outras pessoas que não geram nada para nossa nação exceto violência.”
Voz única
Ex-coordenador do Movimento Nacional da População de Rua em Londrina, André Luís Barbosa foi o único presente na audiência a falar por essa população. Mesmo não estando mais nas ruas, falou em nome dos que ainda estão. Para ele, o encontro foi “muito positivo”.
“As próprias forças de segurança (citando PM e Guarda Municipal) foram firmes em dizer que se trata de um problema de política pública. E que não se pode criminalizar a população de rua”, avaliou Barbosa, que integra os conselhos municipais de Políticas sobre Álcool e Drogas e de Assistência Social.
Ele acredita que a Prefeitura de Londrina vem fazendo sua parte e sustenta que, entre 60% e 70% das pessoas que estão nas ruas vêm de outras cidades. Barbosa defendeu que a discussão seja levada para âmbito estadual.
“Não podemos fechar as portas de Londrina, mas podemos exigir que os outros municípios façam a parte deles.” O conselheiro defendeu a retomada das reuniões do Comitê Intersetorial POP Rua, interrompidas na pandemia.
Barbosa viveu nas ruas dos 18 anos aos 42 anos. Hoje, aos 47, mora numa república estudantil, cursa relações públicas e vai tentar vestibular para serviço social. “Saí das ruas graças a Deus e às políticas públicas”, conta.
Fonte: Redação Rede Lume