Mais do que desdenhar a dor e fazer piada com o sofrimento de milhares de famílias brasileiras durante a pandemia de COVID, Bolsonaro ignorou e continua ignorando a calamidade social em que se encontra parcela significativa da classe trabalhadora, sendo importante frisar que o país, neste ano, voltou ao Mapa Mundial da Fome (FAO).
A falta de humanidade e empatia de Bolsonaro são manifestas na sua trajetória política. Quando parlamentar, Bolsonaro votou contra a “PEC das Domésticas”, que tinha por objeto estender a elas os direitos próprios dos demais trabalhadores; votou favoravelmente à “PEC do teto de gastos públicos”, que incluem gastos com saúde e educação, congelando-os por 20 anos; e votou favoravelmente à “Reforma Trabalhista do Temer” (Lei 13.467/2017), a qual, juntamente com a “Lei de Terceirização” (Lei 13.429/2017), contribuiu para o atual cenário de milhões de trabalhadores desempregados, na informalidade ou submissos a contratos precários, como tais os dos trabalhadores “pejotizados”, temporários, intermitentes, terceirizados e “uberizados”.
Em contumaz descaso aos trabalhadores, na condição de presidente, Bolsonaro empurrou medidas ainda mais amargas, como a Reforma da Previdência, o denominado Contrato de Trabalho Verde e Amarelo (Medida Provisória 905/2019, revogada a contragosto no último dia de sua vigência), as Medidas Provisórias 927/2020 e 936/2020 (flagrantemente inconstitucionais e precarizantes das condições de trabalho), além de o salário mínimo nacional sequer ter tido aumento real desde 2020, o que prejudica também os aposentados.
Se isso não bastasse, o salário mínimo não teve nenhum reajuste acima da inflação ao longo do primeiro mandato do atual presidente. A última alta real entrou em vigor em 1º de janeiro de 2019, aprovada pelo governo anterior. De maneira geral, o governo Bolsonaro, por um lado, tem atuado diretamente para reduzir direitos sociais, com destaque para os direitos trabalhistas e previdenciários, e por outro, para inviabilizar a proteção sindical de tais direitos, em inadmissível banalização da vida humana, convertendo-a em mero fator de administração dos meios produtivos.
O “novo normal” prevê arranjos contratuais em desacordo com a realidade para afastar a aplicação do direito do trabalho, já tão desidratado, submetendo trabalhadores a contratos precários, sem garantias, direitos e proteção suficientes. O discurso da dicotomia entre manutenção de direitos e crescimento econômico é falacioso. Nenhuma economia sustentável pode ter um dos pilares do seu crescimento baseado na fome e no adoecimento de parcela significativa da sua população.
É chegado o momento de os trabalhadores e as trabalhadoras, preferencialmente por meio do voto, repulsarem essa política que os pulveriza. É tempo do fantasma da fome “Jair” embora. Os trabalhadores e trabalhadoras, que trocam sua força de trabalho diariamente por mínimos existenciais – também inclusos os pequenos e médios empresários –, devem, sem medo de ser feliz, se conscientizarem para eleger governante que seja efetivamente representante do povo e que aja com circunspecção, sem descasos ou ironias, em prol de vida digna para todos e todas.
Luara Scalassara, Advogada na Advocacia Scalassara.