A esquerda venceu com uma pequena margem e, logo, em seguida, os fascistas tomaram as ruas. Ficam algumas questões: Por que vencemos por tão pouco, apesar de um governo desastroso? Como podemos consolidar essa vitória? Vamos ficar reféns para sempre dessa direita e não conseguir governar?
Houve uma grande parte de povo pobre votando em Bolsonaro. Não existe metade da população de classe média e ricos. Nesse ponto, minha hipótese é que essa porcentagem tem a ver com a máquina estatal, a maquiagem da economia no tempo eleitoral, que represou os preços e produziu algum fluxo de demanda, com orçamento secreto e auxílio Brasil, aliviando a tendência depressiva do modelo.
Esse processo confluiu para um assédio eleitoral sem tamanho, como se viu, por exemplo, na reportagem de Caco Barcelos para o programa “Profissão Repórter”, sobre a cidade de Coronel Sapucaí. Ali, Bolsonaro teve mais voto no segundo turno que no primeiro, de 47,97% para 52,55%; passando Lula, que foi de 47,97% para 47,95% (TSE). Imagina essa situação multiplicada por vários municípios, somado aos assédios dos patrões. É uma amostra importante da ideia: as pessoas tiveram medo de perder auxílio, emprego e passar fome, ao mesmo tempo, algumas, por causa da maquiagem na economia, resolveram dar uma segunda chance ao governo Bolsonaro.
Lula manteve, ao longo do período eleitoral, intenção estável de votos, e de outro, o que oscilou foi a desaprovação de Bolsonaro, o que não necessariamente migraria para o Lula, dependendo de converter essa rejeição em voto. Ao olharmos mais atrás, a partir de 2020, a desaprovação teve dois momentos importantes: os atos de 2021 com a consigna “vacina no braço, comida no prato” e a inflação do custo de vida, principalmente março-maio de 2022.
Segundo Datafolha, em maio e junho do 2020, o governo Bolsonaro tinha 43% e 44% de reprovação. Quando começaram os atos, a reprovação passou para 51% em junho 2021, foi aumentando e chegou ao máximo de 53% em setembro de 2021. Logo, caiu 7 pontos percentuais, depois de o governo oferecer um pacote econômico popular e de os movimentos arrefecerem. Abrindo o ano, com a inflação do custo de vida, ela volta a subir, chegando a 48%. Quando o governo intensifica o pacote de maquiagem da economia, com incremento improvisado do auxílio e estabilização os preços dos combustíveis, a reprovação cai em outubro para 39%.
Esses dados demonstram que: a economia foi importante, mas os atos de rua também cumpriram um papel. O que significa, há uma margem de queda da base eleitoral do governo, muito mais pragmática, sem ter necessariamente vínculo ideológico, mas que é sensível tanto a economia como aos movimentos populares e suas manifestações.
Nesse sentido, o governo de Lula necessita criar empregos, estabilizar os combustíveis e gerar políticas consistentes de distribuição de renda. Devem ser as primeiras medidas para minar essa base eleitoral e isolar o fanatismo. Assim, é possível ganhar uma base eleitoral flutuante, não militante, capaz de neutralizar a gritaria socio-fascista.
No entanto, esse modelo vai entrar em conflito com o mercado financeiro que ficou viciado em altos dividendos e em benesses, além dos capitalistas da superexploração (Havan, Coco Bambu, etc) que não querem o incremento dos custos do trabalho – estes últimos alimentam o golpismo e grande parte do mercado financeiro votou com o Bolsonaro. Por outro lado, setores do centro-democrático vão ter de recuar em sua sana do equilíbrio macroeconômico. Esse setor tem de entender que sem crescimento com distribuição de renda, o fascismo proliferará, destruindo tudo que vem pela frente.
Para finalizar, além da mudança do modelo econômico, é importante a organização da militância e de movimentos populares a favor de direitos, com o objetivo de disputar essa base flutuante. É necessário alargar os espaços da institucionalidade popular, capaz de garantir uma força para os movimentos sociais. O governo não pode achar que tudo se dá por uma resolução pelo alto, meramente institucional. É necessário que as políticas públicas deem suporta à organização comunitária da economia popular, ao mesmo tempo, a esquerda precisa fortalecer sua organização política, capaz de acumular força e virar o jogo social de vez.