A partir de 2023, aulas por TV da Unicesumar, em acordo de R$ 38,4 milhões, continuarão apenas para turmas em que não houver docente apto a ser contratado
A parceria de R$ 38,4 milhões firmada pelo governo do Paraná com a empresa privada Unicesumar para administrar aulas a milhares de estudantes de cursos técnicos específicos no âmbito do novo Ensino Médio da rede estadual está com os dias contados. Em menos de um ano, a Secretaria de Estado da Educação (Seed) se viu pressionada a rever, admitir falhas – muitas apontadas antecipadamente por especialistas – e recuar diante do modelo que pela primeira vez deu ao setor privado o comando de aulas regulares na educação básica paranaense.
A partir do próximo ano, a secretaria recoloca professores do quadro próprio para ministrar em sala de aula as disciplinas que até então chegavam aos alunos por um monitor de TV. Os conteúdos gerados por profissionais da Unicesumar e transmitidos de um estúdio aos alunos, nos moldes de ensino a distância, continuarão apenas para turmas em que não houver docente apto a ser contratado.
A informação foi apurada pelo Plural e confirmada pela Seed. A secretaria já teria comunicado oficialmente as direções dos cerca de 445 colégios vinculados ao modelo.
O recuo é uma balde de água fria na estratégia adotada pelo estado para expandir a educação técnica em atendimento à legislação do novo Ensino Médio. Definida pelo governo como “ousada”, a proposta foi gestada sem qualquer consulta à comunidade escolar e ganhou publicidade no apagar das luzes de 2021, após começar a ser compartilhada sob críticas por membros de entidades da área da Educação.
Especialistas condenaram a medida por ver nela uma forma de terceirização do ensino público – apesar de o estado falar em parceria – e, principalmente, por adotar práticas pedagógicas comprovadamente sem eficiência com alunos adolescentes.
Pelo acordo, a Unicesumar ficou encarregada por produzir, ministrar e transmitir as disciplinas alheias à Base Nacional Curricular Comum (BNCC) agregadas ao itinerário profissional dos cursos técnicos em Administração, em Desenvolvimento de Sistemas e em Agronegócio, aos quais se matricularam cerca de 22 mil alunos em todo o estado. Embora o governo tenha defendido a existência de uma matriz curricular e de planos de cursos elaborados pela Seed, o próprio diretor de Educação da pasta, Roni Miranda, chegou a dizer que o grupo privado passaria a assumir a responsabilidade pelo ensino destes conteúdos – repassados ao vivo por um professor de dentro de um estúdio da empresa e assistidos pelos estudantes por uma televisão.
A lógica de uma mesma aula ser ministrada para até 700 jovens ao mesmo tempo, sem apoio de pessoal com domínio específico dentro das salas, gerou revolta de pais e estudantes. Já no início do ano letivo de 2022, eclodiram manifestações em diferentes municípios paranaenses contra o padrão adotado. Alunos passaram a alegar dificuldade na aprendizagem e apontar uma sequência de falhas na implementação da proposta. A Unicesumar nunca conseguiu, de fato, manter 100% das turmas com monitores capazes de suprir ao menos parte da lacuna deixada pela falta de professor em sala de aula. Em Cascavel, no Oeste, a pressão da comunidade escolar fez a Seed retirar o Centro Estadual de Educação Profissional Pedro Boaretto Neto (Ceep) da lista de escolas onde parte do currículo era ministrada a distância.
A continuidade dos problemas fez o governo dar um passo atrás. Em uma primeira e breve manifestação, a Seed disse que a decisão tem a ver com o retorno das escolas e da comunidade dentro de uma proposta de avaliação constante empregadas a todas as medidas da pasta.
O recuo que em termos pedagógicos confirma erros antevistos também representa, em termos políticos, uma derrota de Ratinho Jr. e de seu secretário da Educação, o empresário Renato Feder. O insucesso aparece às vésperas do governo dar ainda mais fôlego ao seu projeto de trazer o setor privado para dentro da rede pública de ensino, agora com cessão da gestão das escolas a pessoas jurídicas.
A nova proposta, também trazida à luz sem discussão ou consulta anterior à comunidade escolar, prevê que, a partir de 2023, 27 escolas da rede pública do estado passem a ser administradas por empresas privadas dentro de uma modalidade piloto que pode se expandir ao longo do tempo. As licenciadas seriam responsáveis, inclusive, pela contratação dos professores necessários para atender a lacuna docente nas unidades, o que hoje é feito pelo estado no regime de Processo Seletivo Simplificado (PSS).
O esquema se alinha ao perfil de Feder, entusiasta da privatização da Educação e um dos cotados para se juntar ao secretariado do governador eleito por São Paulo, o bolsonarista Tarcísio de Freitas.
Fonte: Redação Plural