Maioria dos crimes de estupro no Brasil é contra vulneráveis, indica Anuário Brasileiro de Segurança Pública
A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (9), projeto de lei que torna hediondo (inafiançável e sem possibilidade de liberdade provisória), crimes sexuais contra crianças e adolescentes. O texto inclui na lei dos crimes hediondos corrupção de menores, satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente, divulgação de cena que faça apologia ou induza à prática de estupro de vulnerável. A medida, que recebeu 393 votos favoráveis e um contrário, também prevê aumento de pena, passando de 10 para 20 anos de reclusão em casos de abuso sexual. A legislação segue para o Senado.
De acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022, os casos de estupro vulnerável (crianças menores de 14 anos e adultos incapazes de consentir) cresceram 5,1% no último ano. Em 2020, foram registradas 43.427 ocorrências, já em 2021, o índice saltou para 45.994 notificações. Especificamente, no Paraná, o número manteve-se estável, isto é, em 2020 foram identificadas 4.636 denúncias. No ano seguinte, 2021, foram 4.631 queixas, um recuo de 0,8%.
O relatório ressalta que estes números correspondem a casos que chegaram em uma delegacia de polícia e, portanto, a subnotificação é alta, visto que em crimes que envolvem violência sexual, a queixa tende a ser mais demorada ou até mesmo não acontecer.
“Os motivos pelos quais as vítimas não denunciam as agressões sofridas às autoridades policiais são diversos, passando desde a dificuldade de compreensão do próprio fenômeno enquanto crime, medo de retaliação do autor, constrangimento e até receio da possível revitimização que possa ocorrer ao realizar a denúncia”, aponta o documento.
Ainda assim, a maioria das vítimas de estupro no Brasil são vulneráveis, chegando a 75,5% das ocorrências. A maior parte das vítimas possui entre 10 e 13 anos. A faixa etária corresponde a 31,7% dos registros. Majoritariamente, são do sexo feminino (88,2%) e se autodeclaram como negras (52,2%). O estudo demonstra também que em oito de cada dez casos registrados foram cometidos por algum conhecido da vítima (79,6%).
A jornalista Cristina Fibe tem trabalhado na investigação de crimes de violência sexual contra mulheres na última década. Para ela, a cultura do estupro permeia toda a sociedade e sustenta violências diversas de gênero desde situações consideradas mais brandas como insinuações até outras mais graves como agressões, abusos sexuais e feminicídios.
“Permeia desde a maneira de como a gente é educado, a socialização de gênero, qual é o papel dos homens e qual é o papel das mulheres na sociedade. E isso vai entranhando de tal maneira que até uma mulher em situação de parto está correndo o risco de ser violentada por um médico que deveria estar zelando pela vida dela diante de uma equipe. Esse destemor do homem de achar que pode ser dono do corpo da mulher, não se trata de desejo sexual, mas de demonstração de poder. Há a banalização do corpo da mulher que o homem usa como quer e que vai terminar em feminicídio em última instância, por isso, que a piada machista não é tolerada, ela é a base”, afirma.
Segundo Fibe, é urgente que os homens se envolvam no combate às violências de gênero. “Nossa grande dificuldade é falar com os homens, que eles entendam e entrem nessa batalha porque se eles continuarem se comportando da maneira como se comportam a gente vai continuar sendo estuprada e assassinada”, adverte.
Ela avalia que temas como a prevenção aos abusos sexuais sejam debatidos nas escolas, meios de comunicação e demais espaços, pois o conhecimento possibilita que as vítimas reconheçam as violências sofridas e os caminhos para denúncia. Queixas de violência sexual contra crianças e adolescentes devem ser encaminhadas para órgãos como: Delegacias (algumas regiões possuem unidades especializadas à proteção de crianças e adolescentes) através do ligue 190, disque 100, canal destinado a receber denúncias de violação de direitos humanos e Conselho Tutelar.