No primeiro semestre de 2021, 1.793 processos citaram racismo, injúria, discriminação ou preconceito racial. No mesmo período deste ano, já foram contabilizadas 2.042 queixas
Levantamento publicizado pela Folha de São Paulo indica que, desde 2014, pelo menos 22.511 funcionários sofreram racismo em seus ambientes de trabalho. O número refere-se às ações levadas a Justiça do Trabalho em todo o país e, portanto, deve estar subnotificado, visto que nem todos os trabalhadores denunciam por medo de sofrer sanções, chegando até mesmo a perder o posto. Além disso, o racismo nem sempre é explicito, por vezes é cometido de maneira velada, o que dificulta ainda mais a identificação e queixa.
Tais processos já movimentaram mais de R$ 4 bilhões, considerando valores pagos com indenizações, horas extras, reconhecimento de vínculo trabalhista. São Paulo é o estado com o maior número de casos. São 3.754 petições em andamento. Em segundo lugar, aparece o Rio Grande do Sul com 1.238 ações. O estudo indica também que as ações envolvem diversas formas de violência, a exemplo de comentários racistas contra o cabelo dos trabalhadores.
Eduardo Baroni, cientista social, avalia que o racismo ocorre quando o cabelo crespo é considerado anormal, como um modelo que está fora dos padrões e é associado à feiura ou a sujeira. “Muitas pessoas acham que a questão estética do cabelo é algo irrelevante, supérfluo, mas nós que estudamos as questões raciais, sabemos que o corpo é considerado o primeiro instrumento do homem. Além disso, é nele que vão estar inscritas algumas características que vão operar a classificação racial como cor da pele, cabelo, traços. No Brasil, o preconceito está assentado em marcas fenotípicas e vai afetar muito mais os indivíduos que possuem estas características”, afirma.
Ainda de acordo com a pesquisa, tem crescido o volume de ações trabalhistas que citam termos como racismo, injúria, discriminação ou preconceito racial. Em 2018, 1.291 processos abordaram temas relacionados a racismo. Em 2022, de janeiro a 18 de novembro, são 3.328 casos. Nos primeiros seis meses de 2021, 1.793 requerimentos mencionaram os termos. No mesmo período deste ano, foram contabilizados 2.042, ou seja, um aumento de 249 ocorrências.
A psicóloga Maria Aparecida da Silva Bento, mais conhecida como Cida Bento, tem dedicado seus estudos para compreender e modificar a incidência do racismo no mercado de trabalho. Em 1990, fundou, juntamente com outros profissionais, o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), organização não governamental que luta para que negras e negros consigam não apenas inserção, mas também igualdade no ambiente de trabalho.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstram que, em 2021, menos de 3% de mulheres e homens negros ocupavam cargos de liderança no país. O índice é três vezes menor ante a proporção de brancos que desempenham algum cargo de gerência. Estimativa do Instituto Ethos indica que a igualdade racial no ambiente de trabalho só será alcançada daqui 150 anos, se a concentração de renda e oportunidades permanecer da forma que está.
Em seu livro “O pacto da branquitude”, Bento argumenta que negras e negros são preteridos em processos seletivos (majoritariamente, realizados por brancos) devido a “um acordo não combinado, silencioso, que faz com que brancos sempre preferenciem brancos para os melhores lugares sociais e se fortaleçam mutuamente nesses lugares. De outro lado, rejeitam ou interditam negros para esses melhores lugares por entenderem que não têm a estética adequada, não estão preparados, são ameaçadores”, analisa.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.