Estudo inédito do Mapbiomas revela crescimento de 40% das pastagens impulsionado por falta de governança no bioma
Um mapeamento do Mapbiomas publicado na última semana revelou que a área ocupada por pastagens saltou 40% na floresta amazônica nos últimos 20 anos. Segundo a pesquisa, a Amazônia é o bioma com a maior área destinada à criação de gado, tanto em termos proporcionais (36%) como absolutos.
A região tem 55 milhões de hectares cobertos de pastos, o equivalente ao tamanho da França. No bioma estão 36% de todas as áreas de pastagens do Brasil.
Números anteriores do Mapbiomas já mostraram que desmatamento, pecuária e crime ambiental são praticamente sinônimos na Amazônia. De cada 100 hectares de floresta derrubados no ano passado, 97 tiveram a agropecuária como vetor de pressão e 98 foram desmatados ilegalmente.
A marcha criminosa da pecuária sobre a Amazônia está ligada a uma mudança radical na geografia do agronegócio do Brasil. No Sul, Sudeste e Centro Oeste, o cultivo de soja passou a ser mais lucrativo do que a bovinocultura, por causa da disparada no preço dos grãos no mercado internacional, a partir dos anos 2000.
“Tudo que é plano ou possível de fazer mecanização está virando milho, cana ou soja”, diz Vinícius Mesquita, geógrafo e pesquisador da Universidade Federal de Goiás (UFG). Ele é um dos autores do estudo do Mapbiomas que revelou o crescimento de 40% das pastagens na Amazônia.
O Mapbiomas identificou que o aumento das pastagens na região foi bastante acelerado até por volta de 2008. Nesse ano, as áreas destinadas à pecuária na floresta amazônica ultrapassam as do Cerrado, que começam a decair. A Mata Atlântica passa por um declínio acentuado de pastagens a partir de 2000.
“E isso teve o papel de pressionar o desmatamento na Amazônia pela chegada da pecuária. Criou pressão sobre terras públicas, com ou sem destinação prevista em lei. Assim é possível produzir sem pagar impostos”, complementa o pesquisador.
“Boi é o zelador da terra grilada”
Dos 5 milhões de quilômetros quadrados da Amazônia Legal, quase 1,5 milhão são terras públicas sem destinação definida, segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). É nesses espaços, com terras baratas e sem fiscalização ambiental, onde a pecuária mais cresce.
Nos últimos 20 anos, 75% da área desmatada em terras públicas virou pastagem. A maioria do desmatamento em terras públicas, 87%, ocorreu nas áreas sem destinação legal. Os números são do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
O Ipam aponta que pastagens são a principal ferramenta para a ocupação de terras públicas na Amazônia. “O boi é utilizado como uma espécie de ‘zelador’ da terra grilada e usado para ensejar a sua ‘posse’. Historicamente, esta tem sido a prática da grilagem na Amazônia”, conclui relatório do Ipam assinado por sete pesquisadores.
Pecuária na Amazônia é rudimentar e pouco produtiva
Assinada em 2008, a moratória da soja, que proíbe a compra do grão cultivado em áreas recém-desmatadas, contribuiu para o avanço da pecuária sobre a floresta. Para crescer, a soja se expandiu no Cerrado e na Mata Atlântica e “expulsou” a pecuária em direção à Amazônia.
“Em áreas onde há maior pressão do setor agrícola, como no Sudeste, o custo da terra é muito alto. Manter a pecuária nessas áreas ficou um pouco complicado”, afirma Vinícius Mesquita, do Mapbiomas.
“A tendência é ter uma agricultura muito mais tecnificada e com produtividade muito maior no Cerrado e na Mata Atlântica do que na Amazônia. Nesse bioma, o processo é mais rudimentar, com pastos abertos, grandes e sem muito controle. Há algumas exceções no Mato Grosso”, explica o pesquisador.
Segundo ele, a pecuária na Amazônia está concentrada em três regiões: norte do Mato Grosso, tríplice fronteira entre Amazonas, Acre e Rondônia (chamada de Amacro) e na área entre o Pará e o Maranhão, onde há uma das frentes mais intensas de desmatamento.
O que fazer com as pastagens degradadas?
Mas nem todas as pastagens abertas são capazes de fornecer alimento ao gado. Em 2021, 21,8% delas estavam severamente degradadas e 41% apresentavam degradação intermediária. A porcentagem de pastagens sem qualquer degradação subiu de 25% para 37% entre 2000 e 2021.
“Hoje as áreas degradadas são mais fortes em Rondônia e leste do Pará. São áreas que estão sendo abertas, mas não estão sendo bem manejadas”, explica Vinícius Mesquita, do Mapbiomas.
Converter os pastos degradados em áreas produtivas ou reflorestadas é fundamental, mas não é uma tarefa fácil. As iniciativas podem esbarrar na falta de infraestrutura da Amazônia, ou mesmo no alto custo de recuperar a vegetação.
“A solução é parar o desmatamento e recuperar essas áreas que já estão abertas. Voltar ao que elas eram antes é muito difícil, principalmente para a Amazônia. Por mais que você abandone essa área, para crescer uma vegetação que vai tomar o porte de floresta vai levar outros 50 anos. E mesmo assim não vai ser a mesma coisa que era antes”, diz o pesquisador.
Fonte: Redação Brasil de Fato