Alunos relatam dificuldades em prosseguir com estudos frente a falta do pagamento e prejuízos para a sociedade com a suspensão das pesquisas
“A crise da educação no Brasil não é uma crise: é projeto”, já alertou o professor Darcy Ribeiro em décadas passadas. No ano do centenário do educador e apagar das luzes do governo de Jair Bolsonaro (PL), mais uma ofensiva contra as universidades públicas surgiu. Em nota divulgada na última terça-feira (6), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) informou que, devido aos cortes de recursos impostos pelo Ministério da Economia e ao Decreto nº 11.269, responsável por suspender os investimentos do Ministério da Educação a partir de dezembro, não conseguirá pagar as mais de 200 mil bolsas de pós-graduação vigentes no país.
A medida atinge pesquisadores a níveis de residência profissional, mestrado, doutorado e pós-doutorado. Atualmente, mestrandos recebem bolsas mensais de R$ 1.500 e os doutorandos, R$ 2.200. Os valores da bolsas não são reajustados desde 2013, o que significa uma defasagem de 75%, se comparado ao salário-mínimo. A ofensiva afeta 770 bolsistas na Universidade Estadual de Londrina (UEL), a exemplo de Karime Peres Vilela, jornalista, mestranda em Comunicação e Conselheira Municipal pelos Direitos das Mulheres.
De acordo com ela, desde segunda-feira (5), após o governo de transição informar que não há subsídios para realizar os depósitos, os discentes estão preocupados, sem saber se irão receber ou não. “Eu pago as minhas contas com o dinheiro da bolsa, é com ele que me mantenho. É bem triste, porque ser bolsista possibilitou que eu tivesse muitas experiências. Aprofundamento das leituras, estar em espaços onde enriqueceu a minha pesquisa. Este desmonte da educação é para destruir esta criticidade que a gente desenvolve ao longo da pesquisa, para nos privar de certos ambientes e nos desanimar”, afirma a estudante que realiza estudos no campo dos estudos de gênero.
A data prevista para que os pagamentos fossem efetuados neste mês foi ontem. Também nesta quarta-feira (7), a Reitoria da UEL, publicou nota repudiando o contingenciamento. “Estamos falando de bolsas destinadas a estudantes que dedicam todo o seu tempo de trabalho para aperfeiçoar sua formação. Esses estudantes, quase sempre, não possuem outra fonte de renda e, frequentemente, dependem desse valor para sua sobrevivência. Enquanto educadores, nós temos ciência de que as pessoas apostam na educação para transformação de suas vidas. Quem estuda sonha com um futuro melhor. Por isso, precisam e merecem todo o suporte necessário para que atinjam seus objetivos”, enfatizou o documento.
Em entrevista ao Perobal, a professora e Pro-Reitora de Pós-Graduação (PROPPG) da UEL, Silvia Meletti, informou que estão sendo realizadas reuniões com coordenadores de pós-graduação, representantes estudantis para encaminhamentos de ações. Ela contou, ainda, que está em diálogo com o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (FOPROP). Uma carta, assinada pela PROPPG e Diretoria de Pesquisa representando todos os Coordenadores de Programa de Pós-Graduação Stricto sensu, também foi encaminhada sinalizando apoio a todos os pós-graduandos da Instituição.
Vilela lembra também de outros ataques a direitos fundamentais em curso no Paraná como as tentativas de terceirização propostas através do programa “Parceiro da Escola” e Projeto de Lei nº 522, que estabelecem a concessão da administração de 27 colégios estaduais e dos hospitais universitários para a iniciativa privada. Para a pesquisadora, o cenário é desalentador, mas ela expectativa que o próximo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) volte a se comprometer com a financiamento das instituições de ensino superior, construindo políticas que incentivem os saberes científicos, visto as potencialidades da educação para a superação das múltiplas desigualdades sociais.
“Quem quer ser pesquisador hoje no Brasil? Ninguém. Não é apenas as bolsas. No Paraná, temos 27 escolas e o Hospital Universitário correndo risco de ser privatizados e isso bate na gente. Faz que a gente repense toda uma trajetória de vida, de acreditar na ciência e na transformação social. Espero que este novo governo olhe para gente, para estudantes, pesquisadores e nos valorize, porque acho que só a educação é capaz de modificar minimamente a estrutura social”, avalia.
Luan Carlos Nallin, doutorando no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UEL e bolsista CAPES, salienta a negligência da atual gestão do Palácio do Planalto com a educação superior pública na medida em que tanto deixa de repassar montantes para a manutenção das universidades que não possuem dinheiro em caixa para arcar com contas básicas como água e energia, e ao mesmo tempo dissemina discursos negacionistas e perseguitórios, deslegitimando, assim, conhecimentos criados com rigor científico em diferentes ramos.
“Na vida acadêmica, os bolsistas são colocados para atuar dentro da universidade, incentivados a produzir ciência de qualidade. O corte significa destruir a universidade porque os estudantes são um elo fundamental para toda produção científica que é produzida. Esta atitude é mais um modo de mostrar o descaso que sempre teve com a educação pública e com incentivo à ciência em nosso país. Infelizmente, é muito gritante todo desrespeito que este governo teve com todo sistema educacional universitário que está incansavelmente lutando para produzir inovação, formação de pessoas”, analisa.
Mobilizações
Para reivindicar o pagamento, estudantes Londrina aderiram à paralisação nacional convocada Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) nesta quinta-feira (8). Foram organizados dois atos, sendo um interno com concentração marcada no Centro de Educação, Comunicação e Artes (CECA) às 10h, seguida de caminhada até o Restaurante Universitário (RU).
“As ações foram pensadas para mobilizar a comunidade acadêmica primeiramente, integrar todos os alunos da universidade. Alguns não conseguem sair para participar de ato externo. Também queremos mobilizar funcionários porque a universidade vai perder muito com estes cortes. Não são apenas os alunos bolsistas, a gente deixa de ter milhões investidos na UEL”, explica Vilela.
Já no período da tarde, a partir das 18h, ocorre novo ato em frente ao Cine Teatro Ouro Verde. A finalidade é falar sobre ciência e a importância dos conhecimentos produzidos em diferentes áreas para a sociedade. “O ato externo foi pensado para atingir a mobilização pública. Para que a população entenda que quando um pesquisador deixa de receber, ela está sofrendo com este descaso. Quantas pesquisas possuem engajamento social que leva políticas para pessoas em vulnerabilidade? A sociedade precisa estar junto com a gente, pois estamos fazendo pesquisa pensando nela. Também queremos informar que não estamos separados. O estudante, o trabalhador, estão juntos”, indica.
Vilela pontua a necessidade da bolsa para que mais estudantes de segmentos mais subalternizados da população possam chegar e se manter no ambiente acadêmico. “Ontem, uma amiga comentou comigo e eu achei muito real, diversos estudantes bolsistas vieram de periferias e precisam de bolsa para fazer ciência porque se não fosse ela não haveria esta possibilidade. Eu também vim de uma em uma cidade do interior de São Paulo. Para que mais estudantes destes locais cheguem porque sem bolsa é quase impossível que um aluno de baixa renda permaneça na universidade”, convoca.
“Venho acompanhando o momento de desrespeito com os estudantes pesquisadores em formação por parte do governo federal e avaliado que a suspensão das bolsas afeta a vida dos alunos de baixa renda, principalmente, exacerbante. Para mim é inadmissível porque isto atinge o pagamento de contas básicas para que os estudantes possam se manter como alimentação e influencia no desgaste emocional de ter lidar com as demandas de pós-graduação ainda mais no final de ano”, reforça Nallin.
O doutorando classifica as manifestações como “mais que necessárias”, visto a urgência de garantir não apenas a continuidade dos estudos em curso, mas, primordialmente, a sobrevivência dos estudantes que, em sua maioria, só possuem a bolsa como fonte de renda. Por diversas vezes, os regulamentos da CAPES e programas de pós-graduação exigem dedicação exclusiva do corpo discente.
“Eu defendo que precisamos estar sempre atentos e mobilizados, exigindo o pagamento das bolsas. Neste momento específico, devemos lembrar que não se trata apenas do investimento em pesquisa, mas sobrevivência de pessoas, porque este bloqueio foi feito dias antes do seu pagamento de uma maneira totalmente inesperada. Já seria um problema se ocorresse com aviso prévio, mas o que aconteceu foi pior ainda”, assinala.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.