Tragédia matou duas pessoas. Negligência humana pode provocar catástrofes
Era uma noite chuvosa e difícil para os motoristas que passavam no quilômetro 669 da BR-376, em Guaratuba, no litoral do Paraná. A estrada que liga o estado a Santa Catarina é via de passagem para moradores, turistas ou caminhoneiros que seguem para o Sul. O trecho rodeado de vegetação de Mata Atlântica é bastante falho, de acordo com especialistas em geologia e engenheiros. Com o alto índice de chuvas observado neste fim de ano, a tragédia era anunciada. Um grande deslizamento de terra engoliu carros e deixou um rastro de mortos e desaparecidos.
De acordo com a concessionária Arteris Litoral Sul, o trecho tinha baixo risco de deslizamento e é “acompanhado periodicamente”, além de apresentar “classificação mais baixa de risco, conforme atestou o laudo emitido em julho deste ano por uma certificadora independente”.
Porém estudo do Grupo de Estudos e Ação da Serra do Mar (GEAS), que vem acompanhando o andar de futuras obras ferroviárias na região, tal como a Ferroeste, aponta que, com a crise climática e o aumento drástico do índice pluviométrico, acidentes em regiões de serra como na 376 poderão ser mais comuns.
O estudo do GEAS relata: “A tragédia que assola hoje vários municípios do litoral não era imprevisível, muito pelo contrário, é o retrato de uma possível tendência climática para a região e revela a urgência na elaboração e implementação de políticas para aumentar a resiliência climática no litoral”. Ainda complementa que dados dos Planos Municipais da Mata Atlântica (PMMA) “demonstram a necessidade de adequar a legislação para acolher novos cenários climáticos, que podem trazer riscos à biodiversidade e às populações humanas, bem como suas atividades econômicas.”
Catástrofes
Embora o estudo analise a situação do Trecho V da Nova Ferroeste, projeto do governo do Paraná que visa ligar Maracaju (MS) a Paranaguá (PR), os alertas a respeito de catástrofes ambientais na Serra do Mar são claros. O “potencial aumento nos riscos de deslizamentos e inundações, que podem ser ampliados pelo aumento do nível do mar, aumentando a sensibilidade a inundações e fatores não climáticos, como uso e ocupação do solo e obras em lugares de alta suscetibilidade a grandes movimentos de massa”, cita.
Além da situação climática, o Ministério Público investiga a Polícia Rodoviária Federal e a concessionária Arteris por possível negligência, ao não fechar a rodovia durante a chuva. O procedimento foi instaurado por meio da Coordenação de Controle Externo da Atividade Policial. O MP quer saber por que não foram feitas obras para concretar a parte de cima da área onde já se sabia que era passível de deslizamentos e por que o trecho não foi interditado quando apresentou os primeiros deslizamentos, de menor proporção.
Para o presidente da Federação Brasileira dos Geólogos (Febrageo), Fábio Augusto Reis, se existia indícios de possibilidade, mesmo que baixas, de deslizamento a concessionária deveria ter cuidado.
“Se você tem primeiro um local que tem indícios de uma serra, que tem um relevo propício ao escorregamento, chuvas intensas acumuladas com valor muito alto nas últimas 72 horas, você tem um escorregamento que é um indício de movimentação, e aí você não toma decisão. Então realmente isso é um ponto que a análise de responsabilidade desse acidente e das mortes tem que considerar”, afirmou em entrevista ao Portal G1.
Resposta da concessionária
A reportagem entrou em contato com a Arteris Litoral Sul, pedindo um posicionamento diante das análises de especialistas publicadas nesta matéria. Reproduzimos abaixo a resposta enviada, na íntegra:
“A Arteris Litoral Sul reforça mais uma vez que o trecho em que aconteceu o deslizamento é acompanhado periodicamente e apresentava a classificação mais baixa de risco, conforme atestou o laudo emitido em julho deste ano por uma certificadora independente. O documento foi disponibilizado pela concessionária aos órgãos competentes logo após a sua emissão. Além de um compromisso com a segurança dos usuários, a avaliação por consultoria externa atende a requisitos contratuais.
A Arteris Litoral Sul possui um programa permanente de monitoramento de encostas, que contempla 1914 estruturas que são inspecionadas anualmente ao longo de suas rodovias. Além dos laudos, como o mencionado acima, 11 veículos de inspeção fazem o acompanhamento diário desses pontos, identificando possíveis situações críticas. Nos últimos dois anos, a concessionária atuou em 29 obras e serviços de manutenção de encostas, demonstrando a seriedade com que trata a segurança das pessoas que trafegam diariamente por suas rodovias.
Sobre a interdição da via no dia do deslizamento, a concessionária esclarece que foram eventos em locais e de dimensões completamente distintas. O primeiro deslizamento, ocorrido às 15h, no KM 669+100, causou interdição apenas para limpeza de pista. Cumprido esse atendimento, o tráfego foi liberado. Às 19h, ocorreu o segundo deslizamento no KM 668+700, ou seja, 400 metros depois. Reforçamos que o nosso monitoramento não apontava nenhuma evidência de risco.
O atendimento à ocorrência foi a prioridade máxima da concessionária, que não mediu esforços para fornecer todo o suporte necessário para as equipes de resgate.
A concessionária reitera que qualquer afirmação sobre as causas do deslizamento é prematura, pois não conta com o embasamento técnico necessário.”
Fonte: Redação Brasil de Fato