No artigo anterior foi abordado que o aumento da urbanização desencadeou algumas ações mais abrangentes por parte do Estado brasileiro em relação ao movimento de luta por moradia. Neste será apresentada a dupla ação do Estado com o golpe de 1964.
Mesmo estando no país, o Presidente João Goulart, eleito democraticamente e com quase 70% de apoio popular, foi deposto por um golpe militar, apoiado pela elite civil latifundiária e empresarial urbana em 1964. Assumindo o Estado, a ditadura militar-civil passou a reprimir os movimentos sociais e as lideranças das associações de moradores, extinguiu as políticas públicas voltadas para atender as favelas, tornou ilegais as organizações de moradores, de favelados e de trabalhadores, impedindo-os de atuar livremente.
Reforçaram o tratamento como “casos de polícia” das organizações, associações e ocupações que não fossem controladas pelo Estado ditatorial, reprimindo, perseguindo e assassinando os que questionavam o regime imposto. Paralelamente, para ganhar apoio de parte da população, a ditadura militar-civil no poder, elaborou um Plano Nacional de Habitação que tinha entre seus objetivos dinamizar a economia, desenvolver o país gerando empregos, fortalecer o setor da construção civil e, sobretudo, controlar as massas, garantindo a estabilidade social (MOTTA).
Para executar a política proposta neste plano, criou o Banco Nacional da Habitação (BNH), cujos resultados serão abordados no próximo artigo. Também foi criado o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU) para apoiar os Municípios na elaboração de Planos Diretores de Desenvolvimento Urbano (PDDU). Seu objetivo era identificar os problemas das cidades para direcionar os investimentos.
A elitização de sua elaboração, concentrada em técnicos, sem participação popular, a falta de preparo das
equipes das Prefeituras, o descaso para com a cidade real (MARICATO), assim como a ação do mercado, dominado por imobiliaristas especuladores, relegou os planos às gavetas dos Municípios, com pouco ou nenhum desdobramento prático nas cidades, inclusive, quanto à distribuição das moradias e equipamentos públicos.
As Companhias de Habitação (COHAB), organizações de direito privado, foram criadas neste período, para serem as executoras da política habitacional nos Municípios. Captavam recursos junto ao SFH e contratavam empresas para a execução das obras dos conjuntos habitacionais.
Estes foram construídos geralmente distantes das áreas urbanizadas, provocando o surgimento ou o agravamento dos problemas de transporte, da falta de equipamentos públicos como escolas, postos de saúde, entre outros, bem como a insuficiência de infraestrutura: falta de rede de coleta e tratamento de esgoto, iluminação pública precária ou inexistente e, em alguns territórios, a falta de água potável ou abastecimento precário.
No próximo artigo será abordado o resultado das ações do BNH, a reorganização da previdência e a luta pela redemocratização do Brasil.
Para saber mais, consulte:
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Jango tinha 70% de aprovação às vésperas do golpe de 64, aponta pesquisa. Agência Câmara de Notícias. 28/03/2014. Brasília. In https://www.camara.leg.br/noticias/429807-jango-tinha-70-de-aprovacao-as-vesperas-do-golpe-de-64-aponta-pesquisa/ acesso em 04/09/2023.
MOTTA, Luana. A Questão da habitação no Brasil: políticas públicas, conflitos urbanos e o direito à cidade. In https://conflitosambientaismg.lcc.ufmg.br/wp-content/uploads/2014/04/TAMC-MOTTA_Luana_-_A_questao_da_habitacao_no_Brasil.pdf acesso em 21/02/2023.
MARICATO, E.T.M. Habitação e cidade. Série Espaço & Debate. 3°ed., São Paulo: Atual Editora, 1997.
Gilson Bergoc
Doutor e Mestre pela FAU USP. Arquiteto e Urbanista, docente da Universidade Estadual de Londrina na área de urbanismo e planejamento urbano e regional. Integrante do Conselho Municipal de Planejamento e Gestão Urbana. Coordenador de Projeto Integrado – Pesquisa e Extensão da UEL e do núcleo de Londrina do BR Cidades. Ex-Prefeito do Campus da UEL e ex-Diretor de Planejamento Físico Territorial do IPPUL.