Yá Mukumby, liderança do Movimento Negro e candomblé, assassinada em 2013 na cidade de Londrina, foi homenageada
Na última terça-feira (21), Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial e Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé, ocorreu o 1º Encontro com Lideranças e Referências Negras do Estado do Paraná. O evento foi organizado pelo deputado estadual e presidente da Comissão de Igualdade Racial, Renato Freitas (PT). O encontro aconteceu no Plenarinho da Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP) e contou com dezenas de ativistas e coletivos, a exemplo das Frentes Antirracista e Desencarcera Londrina.
“Mesmo antes de representar politicamente a população negra paranaense, sempre denunciei o racismo e me organizei dentro do movimento negro em Curitiba. Com a criação da Comissão da Igualdade Racial, que tenho a oportunidade de presidir, não tive dúvidas de que promover um encontro com lideranças negras do Paraná seria uma ação urgente e importante”, conta Freitas.
Compondo a mesa, além do parlamentar, esteve Megg Rayara Gomes de Oliveira, primeira travesti negra doutora em Educação no país. O título foi obtido na Universidade Federal do Paraná (UFPR), Instituição na qual leciona atualmente. Também a Yalorixá D´Ogum, Maria Angela de Jesus Silva, representante da umbanda na região, sua primeira casa foi criada em 2005, ou seja, há quase 20 anos.
Também esteve presente Victor Jubiaba dos Santos, filho de Vilma Santos de Oliveira, a Yá Mukumby. Liderança do Movimento Negro e do candomblé, uma das principais responsáveis pelo sistema de implementação do sistema de ações afirmativas para estudantes negros na Universidade Estadual de Londrina (UEL) em 2004.
Dona Vilma, como também era conhecida, foi assassinada em 2013 aos 63 anos. Também foram mortas sua mãe, Alial de Oliveira Santos, com 86 anos, e uma neta de 10 anos. O crime foi motivado por intolerância religiosa. A atividade relembrou seu legado enquanto mulher negra, mãe, avô, intelectual e militante, destacando a importância de seu trabalho para a construção de uma sociedade antirracista, na qual a população negra tenha seus direitos resguardados bem como as religiões de matriz africana possuam liberdade e respeito.
Freitas pontua que juntamente à menção honrosa, está propondo projeto de lei que visa reconhecê-la como Cidadã Honorária post mortem do estado do Paraná. Em novembro de 2022, a UEL concedeu título de Doutora Honoris Causa à Yá Mukumby. Foi a primeira vez que uma mulher negra recebeu a honraria da Universidade (relembre aqui).
“Como líder religiosa e política, Yá Mukumby teve sua vida inteira dedicada à causa negra. Sua atuação não faz parte apenas da história do movimento negro da cidade de Londrina, mas de todo o estado e do Brasil. Por toda a sua trajetória, inclusive como fundadora e coordenadora por 45 anos do terreiro Ilê Axé Ogum Megê, ela foi homenageada por nós com a menção honrosa durante o evento e com um projeto de lei para reconhecê-la como Cidadã Honorária post mortem do Estado do Paraná. É uma forma de honrar aos nossos mais velhos, aos ancestrais que abriram os caminhos que nos trouxeram até aqui”, indica.
Freitas avalia que o evento foi muito propositivo e deixou a certeza de que deve seguir nos próximos anos. “Nossas lideranças negras são estudiosos das relações raciais no Brasil, promovem pesquisas, debates e ações políticas visando a correção das desigualdades raciais em nosso país, o que nos deixa a certeza da necessidade de promover mais encontros como esse”, observa.
“A questão do Brasil é racial”
Neste ano, foi criada a Comissão de Igualdade Racial da Assembleia Legislativa do Paraná. É a primeira vez na história que a Casa forma um grupo para discutir o tema. A frente surge por reivindicação da bancada de oposição a fim de apoiar a candidatura de Ademar Traiano (PSD) à presidência da ALEP.
Na presidência da Comissão, está Renato Freitas, um dos três deputados que se autodeclaram negros entre 54 cadeiras.
Desde seu mandato como vereador em Curitiba, o parlamentar tem sido alvo de racismo institucional. Em episódio mais recente, o secretário de Segurança, coronel Hudson Teixeira, e parlamentares governistas criticaram fala do petista sobre aumento da violência policial no estado, classificando como “descabida e distorcida”.
Na ocasião, Freitas comentou dados levantados pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). Segundo o estudo, ao menos 483 mortes foram provocadas pelas forças de segurança no estado em 2022. Embora representem aproximadamente 30% da população paranaense, negros, sobretudo, homens e jovens, correspondem a 60% das vítimas decorrentes das balas disparadas pela polícia no estado. Parlamentares governistas procuram emplacar um processo de cassação no Conselho de Ética.
“Essa tentativa de cassação reafirma o caráter persecutório das forças de segurança pública contra mim, além da evidente tentativa de censura. Isso é produto do racismo institucional e do controle rigoroso e violento das periferias brasileiras pela polícia militar, que não nos vê como cidadão, mas sempre como ameaça a ser vigiada, controlada e punida”, analisa Freitas.
Mas as ofensivas não têm barrado o parlamentar, que considera a criação da Pasta tardia, porém de extrema relevância. Para ele, o racismo enquanto fenômeno estrutural forjou a sociedade brasileira e segue reproduzindo desigualdades em diferentes áreas como economia, política, educação, saúde, ciência. Face a este cenário, a proposição de políticas públicas que tentem reequilibrar os jogos de poder e promover maior inclusão e igualdade de oportunidades.
“Como não existe uma comissão de igualdade racial em todos os estados brasileiros? O Brasil é um país negro, mais da metade da população brasileira se autodeclara preta e parda, ou seja, são descendentes de mulheres e homens que foram trazidos de África para serem escravizados e construíram este país. A ALEP é a casa de leis, não podemos mais trabalhar em prol da sociedade, sem olhar especificamente para a população negra paranaense e brasileira”, ressalta.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.